Lançada no final de maio, a Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens na Educação Básica, do governo federal, chegou atrasada para a realidade das redes de ensino gaúchas. O decreto, que visa embasar estratégias de mitigação da defasagem de ensino ocorrida durante a pandemia, foi publicado em um momento no qual escolas estaduais e municipais já têm seus próprios planos em andamento, com ações como avaliações diagnósticas e reforço escolar.
Nas instituições da rede estadual, há medidas em andamento desde maio de 2021. O foco tem sido o combate à evasão escolar, na recuperação e na aceleração das aprendizagens perdidas no período em que as escolas permaneceram fechadas, durante a pandemia.
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) destaca a realização da avaliação diagnóstica Avaliar é Tri RS, que já está em sua segunda edição e envolveu a análise do desempenho de mais de 1 milhão de estudantes das escolas da rede. Também foi criado o programa Aprende Mais, que ampliou a carga horária de Língua Portuguesa e Matemática e ofereceu bolsas de capacitação para docentes.
Além disso, estudantes do Ensino Médio estão recebendo desde o final do ano passado, com prazo até o final deste ano, uma bolsa mensal de R$ 150, para estimular sua permanência na escola. Na área estrutural, houve um aumento de 166% no repasse para a alimentação escolar e foram liberados recursos para a aquisição de absorventes higiênicos para as estudantes.
Apesar de já contar com medidas no setor, a Seduc defendeu, em nota, a importância de um regime de colaboração entre instâncias que trabalham com Educação, para a formulação de políticas públicas. “Os encontros com os municípios e representantes da rede privada ocorrem de forma constante e tratam de interesses mútuos como o transporte escolar, a alfabetização, o Referencial Curricular Gaúcho e a oferta de vagas nas localidades”, informou o texto.
Perdas na alfabetização
Na rede municipal de Porto Alegre, o ano letivo de 2022 foi iniciado pondo em prática o Programa de Recomposição de Aprendizagens, com base na avaliação diagnóstica feita pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) em 2021. A principal perda identificada foi na alfabetização, entre crianças que cursam do terceiro ao quinto ano do Ensino Fundamental e, portanto, completaram o primeiro e o segundo ano majoritariamente de forma remota. Para sanar essa dificuldade, todas as escolas da rede receberam no mínimo 40 horas a mais de projetos extracurriculares no contraturno com diferentes enfoques, segundo Kelly Souza, assessora pedagógica e professora da pasta:
— Os projetos visam desenvolver letramento, numeramento, esportes, dança, música, tudo isso que ajuda no desenvolvimento da criança. As escolas também receberam mais 40 horas de projetos de inovação tecnológica e uso dos chromebooks para auxiliar na alfabetização.
Entre os mais velhos, do sexto ao nono ano, a Smed identificou dificuldades comportamentais. Por isso, elaborou um projeto de competências socioemocionais. Nele, uma equipe está capacitando os professores para trabalhar estas questões em sala de aula.
O Programa de Recomposição de Aprendizagens consiste na oferta de laboratórios de aprendizagem e na formação de professores com foco nas dificuldades de cada aluno e nas habilidades a serem desenvolvidas, e não no conteúdo previsto no plano de ensino. A ideia é iniciar a nova proposta pedagógica no segundo semestre letivo deste ano, iniciado nessa segunda-feira (1º).
Foco na fonética
O déficit na alfabetização também foi sentido na rede municipal de Canoas, na Região Metropolitana, que começou em 2022, com alunos do primeiro ao quarto ano, o programa Alfa e Beto, que foca principalmente na fonética, que estuda os sons produzidos pelos seres humanos.
— Comprovadamente temos resultados de que este método de alfabetização é muito eficiente. Temos estudantes de terceiro ano do Ensino Fundamental que estão analfabetos. Nosso objetivo, com esse trabalho, é que os alunos do primeiro ao quarto ano estejam alfabetizados e com o raciocínio e a capacidade de interpretação que esperávamos dos estudantes do segundo ano antes —relata a secretária de Educação de Canoas, Beth Colombo.
A estimativa da secretária é de que seja possível em dois a três anos reparar as perdas de aprendizagem causadas pelo período de escolas fechadas. Além do programa de alfabetização, estão sendo oferecidas aulas de reforço no turno inverso para os estudantes cuja defasagem foi identificada pelo professor.
O município também está investindo na aquisição de chromebooks – hoje, há 4 mil para 36 mil alunos, e a ideia é chegar a quase 8 mil – e de telas interativas, que funcionam como uma espécie de lousa digital. Atualmente, há 300 telas desse tipo e devem ser adquiridas mais 600. Os docentes da rede recebem, ainda, uma ajuda de custo de R$ 5,2 mil para adquirir computadores e outros equipamentos eletrônicos para preparar suas aulas. Mais de 1,7 mil professores já fizeram uso desse benefício.
Avaliações diagnósticas
Em Campo Bom, no Vale do Sinos, os sinais de que a pandemia geraria uma defasagem na aprendizagem foram identificados na rede municipal já no início do ensino remoto. Para entender melhor a proporção desse problema, foi feita uma avaliação diagnóstica em fevereiro e, em setembro, será feita outra, para entender se as medidas de mitigação do déficit estão sendo efetivas.
Entre as ações já postas em prática, o prefeito da cidade, Luciano Orsi, cita a ampliação do reforço escolar para estudantes do terceiro ao nono ano, o programa AlfabetizAção, de desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita entre alunos do quarto e do quinto ano e a aquisição de chromebooks. Há, ainda, um foco na formação para professores de Língua Portuguesa e Matemática do quinto ano.
— Consideramos o quinto ano uma fase chave dentro do Ensino Fundamental e, por isso, criamos esse espaço, para que os professores trocassem experiências sobre as práticas que estão dando mais certo com essa etapa — explica Orsi.
A preocupação principal é oferecer um ensino individualizado para cada estudante, dentro de suas facilidades e dificuldades específicas. Como mais de 90% dos alunos da rede de Campo Bom cursam o ensino de tempo integral, o reforço para sanar estas lacunas é oferecido dentro de sua carga horária. As escolas municipais da cidade atendem pouco menos de 10 mil estudantes.
A política do MEC
A Política Nacional para Recuperação das Aprendizagens na Educação Básica tem como objetivo implementar programas e ações para a recuperação das aprendizagens e o enfrentamento da evasão e do abandono escolar na educação básica. O projeto foi desenvolvido a partir da escuta ativa realizada nos Encontros de Coordenação Regional, dos estudos e experiências internacionais e nacionais.
A lista de metas da política é extensa. Entre as principais, figuram elevar a frequência escolar e reduzir índices de evasão e de abandono escolar; desenvolver estratégias de ensino e aprendizagem para o avanço do desempenho e da promoção escolar; diminuir a distorção idade-série por meio do monitoramento da trajetória escolar; promover a coordenação de ações para o enfrentamento do abandono escolar e recuperação das aprendizagens; e aumentar a resiliência dos sistemas de ensino por meio da implementação de ações e programas de ampliação da capacidade técnica e da infraestrutura das redes para responder a situações de crise.
A partir da aplicação do plano, o MEC pretende promover “intervenções eficazes e tempestivas no âmbito da atenção individualizada aos discentes (alunos), além de incentivar a formação para o uso pedagógico de conteúdos digitais”. Perguntado por GZH sobre se já ocorreu alguma intervenção nestes dois meses de existência da política, a pasta não respondeu.
* Colaborou Jhully Costa