Um vídeo do ator Sérgio Hondjakoff que circulou na internet nos últimos dias exemplifica o desafio de lidar com a dependência química dentro de casa. Em imagens que foram publicadas nas redes sociais do ator, o intérprete do Cabeção, personagem carismático do seriado Malhação nos anos 2000, está visivelmente alterado, pede dinheiro ao pai e o ameaça com um bastão.
Segundo especialistas, esse tipo de comportamento é frequente entre usuários de drogas - o próprio ator chega a dizer que "eles querem que eu seja internado contra minha vontade só porque eu dei uns tequinhos". Em outra publicação, em formato de live, Sérgio fala sobre o uso de drogas e diz que prefere ser preso a ficar internado em uma clínica de reabilitação.
A situação exige preparo de familiares.
Quando um dependente químico chega ao ponto de intimidar um familiar, ou é porque ele está sob efeito da substância, ou porque está na fissura, querendo fazer uso da droga. A primeira atitude do parente, seja ele pai, mãe, tio ou avô, deve ser garantir a própria segurança, alerta o psiquiatra Renato Guerrero Moyses, que atende no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) do Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre.
Para isso, é possível acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), ligando no 192, ou até a Brigada Militar.
— Em primeiro lugar, o familiar deve prezar pela sua segurança e chamar o Samu. Pode falar que o paciente está intoxicado, apresentando comportamento ameaçador, e os profissionais do Samu estarão preparados para lidar com isso, mais do que o próprio familiar. Se necessário, o familiar também pode acionar a Brigada Militar. Mas o próprio Samu costuma fazer isso — explica.
Se o socorro demorar a chegar, é necessário manter a calma, sem partir para o confronto, recomenda a psicóloga Ana Golin, que atua no Serviço de Psiquiatria em Adição do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Também é importante buscar um lugar onde se proteger.
— Não é momento para briga, para contestar. Tem que usar falas tranquilizadoras, que tentem amenizar a situação. É momento de achar um local seguro para ficar até chegar o Samu ou a polícia — diz.
A dúvida sobre atender ou não a demanda pelo dinheiro, como pede Sérgio Hondjakoff ao pai, também é um dilema recorrente entre quem convive com dependentes químicos - existe o risco de eles usarem a quantia para comprar novas drogas. Na avaliação de Moyses, é um impasse para o qual não há solução fácil. É o parente que precisa considerar qual será o efeito de negar ou de repassar o valor pedido.
— Via de regra, a gente orienta a não dar o dinheiro, porque o paciente vai usar para sustentar o vício. Mas, às vezes, o familiar fica entre a cruz e a espada, pensando que, naquele momento, é melhor dar o dinheiro para evitar um desfecho pior. É uma situação que tem que ser avaliada caso a caso — pondera o psiquiatra, que lida há oito anos com usuários de drogas lícitas e ilícitas.
Encaminhar o dependente químico à rede especializada de saúde é fundamental - vício é uma doença séria, geralmente associada a outros transtornos, como depressão, ansiedade e bipolaridade. Por isso, alerta Ana Golin, demanda tratamento integral. Na Capital, por exemplo, há oito CAPS AD que prestam atendimento a adultos e adolescentes acima de 15 anos (veja os serviços abaixo) pelo Sistema Único de Saúde.
No caso de o dependente químico se negar, os familiares podem pedir sua internação involuntária. Segundo Ana, é possível que a medida surta efeito mesmo que o paciente, no início, rejeite a terapia.
— O tratamento não precisa ser voluntário para ser efetivo. Mesmo que o dependente químico se negue, o fato de a família procurar ajuda é positivo. Às vezes, precisa, sim, que alguém tome a frente em busca desse tratamento. A partir daí, com orientação de um profissional, a família pode avaliar o melhor encaminhamento. Mas, quando o paciente aceita, é melhor ainda — diz.
Somente quando a situação beira o insustentável, com atitudes ameaçadoras e agressivas por parte do dependente químico, é que pode acontecer a internação compulsória, determinada pela Justiça.
— A internação compulsória acontece quando há uma ameaça, uma violência causada pelo paciente. Os familiares podem registrar uma ocorrência, o que já vira um motivo para solicitar a internação compulsória, feita via Defensoria Pública. Por lei, as internações compulsórias não podem passar de 90 dias. É ali que se tenta reverter a situação, tornar o paciente voluntário do próprio tratamento — explica Moyses.
Saúde mental dos familiares é fundamental
Com o dependente encaminhado aos especialistas, a família precisa pensar na própria saúde mental. É importante buscar suporte o quanto antes, para que se evite o esgotamento. Permanecer ligado a uma rede de apoio fortalece os parentes, considerados peças-chave na recuperação de filhos, netos e sobrinhos usuários de drogas.
Também completa o ciclo de terapia da família, já que, muitas vezes, a dependência química está associada a algum trauma de infância.
— A gente vê questões traumáticas da infância que influenciam nessa dependência. Envolve coisas familiares, que exige mudança no comportamento dos pais. Além disso, quando o familiar está envolvido, fazendo o próprio tratamento emocional, aumenta em 50% a adesão do dependente químico ao tratamento. É algo significativo. Há grupos semanais de familiares de dependentes químicos. Neles, tentamos fazer com que pais e usuários se reconectem afetivamente, entendendo que vício é uma doença, que é preciso saber lidar com ela — diz Ana.
Diante das recaídas, muito comuns no tratamento de um dependente químico - Sérgio Hondjakoff, por exemplo, já foi internado em clínica de reabilitação - não se deve desistir da rede de apoio.
— As recaídas vão acontecer, mas o familiar e o usuário precisam estar preparados para isso. Segue o baile, retoma o tratamento. É como cair de bicicleta: tem que levantar e andar — incentiva a psicóloga.
Veja onde ficam os oitos Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) de Porto Alegre:
São serviços especializados em saúde mental para pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Prestam atendimento a adultos e a adolescentes acima de 15 anos. Para obter o atendimento, basta procurar diretamente os serviços.
- CAPS AD II GCC
Rua Raul Moreira, nº 253 - Cristal - (51) 3289-573 - CAPS AD III Passo a Passo (funcionamento 24 horas)
Av. Carneiro da Fontoura, nº 57 – Jardim São Pedro - (51) 3345-1759 - CAPS AD III NHNI (funcionamento 24 horas)
Av. Pernambuco, nº 1700 - Navegantes - (51) 3230-6362 - CAPS AD III SCS (funcionamento 24 horas)
Av. Cavalhada, nº 1930 - Cavalhada -(51) 3230-6364 - CAPS AD III PLP (funcionamento 24 horas)
Rua Dona Firmina, nº 144 – São José - (51) 3230-6360 - CAPS AD III Caminhos do Sol (funcionamento 24 horas)
Av. Protásio Alves, nº 7585 – Alto Petrópolis - (51) 3407-5225 - CAPS AD III Girassol (funcionamento 24 horas)
Estr. João Antônio da Silveira, nº 440 - Restinga - (51) 3248-7704 - CAPS AD IV Céu Aberto (funcionamento 24 horas)
Rua Comendador Azevedo, nº 97 - Floresta - (51) 3230-6366
Grupos de autoajuda para familiares
Grupos que os próprios dependentes ou familiares coordenam
Nar-Anon (para familiares de dependentes químicos)
Av. Independência, 993, sala 29 - (51) 3311-7849 ou (51) 9 9612-5181 (WhatsApp)
Al-Anon (para familiares de alcoólicos)
Av. Independência, 993, sala 20 - (51) 3311-6315 ou (51) 9 9704-1317