Rodrigo Grassi-Oliveira (*)
Todos os anos, o Ministério da Saúde divulga que a data de 20 de fevereiro é o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo. Talvez, o leitor menos atento a questões semânticas não perceba, mas essa data deveria ser chamada de Dia Nacional de Combate aos Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias.
Vou me fazer explicar: se por um lado essa data visa combater a doença "alcoolismo" e não a substância "álcool", por outro, ela foca em combater a "droga" e não a doença "drogadição". Para seguir meu argumento, primeiro preciso esclarecer que os termos "alcoolismo" e "drogadição" carregam estigmas e imprecisões técnicas, embora ambos sejam frequentemente usados para descrever o uso excessivo de álcool ou outras substâncias. Nem todo mundo que enfrenta problemas com o uso de substâncias precisa "já estar dependente", por isso o mais adequado seria considerar o termo Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, cuja sigla é TUS. Esse seria o alvo do combate.
Dentre todos os transtornos mentais, os TUS estão entre os que menos respondem ao tratamento, os com maiores taxas de recaídas e com maior prejuízo na qualidade de vida. Preocupante, pois, um recente relatório emitido pela Organização das Nações Unidas (ONU) estima que uma em cada 18 pessoas usaram drogas pelo menos uma vez em 2019 (275 milhões de pessoas). Isso corresponde a 5,5% da população global de 15 a 64 anos. Desses, estima-se que 13% sofram com esses transtornos. Quem seriam as pessoas que desenvolvem esses transtornos? Como poderíamos proteger essas pessoas de adoecer? Poderíamos pensar em um tratamento precoce para os TUS?
Infelizmente, nenhuma dessas perguntas pode ser respondida completamente, mas algumas evidências a ciência já dispõe. A primeira e mais importante é que os estressores familiares, sociais e econômicos têm um papel central nos TUS. Assim, qualquer agenda na tentativa de combater o uso de drogas ou álcool, precisaria primeiro lutar contra a violência social. É através de intervenções protetivas de cunho socioeconômicas que o combate será efetivo.
Ao invés de evocar a "Guerra às Drogas", uma campanha ineficaz, neste 20 de fevereiro precisamos sensibilizar a opinião pública sobre os malefícios da segregação social, da violência de gênero, do preconceito e da falta de assistência psicossocial no desenvolvimento de um uso não saudável de álcool e outras drogas. Precisamos entender que a dicotomia que foi nos ensinada perante o uso de substância — dependente/não dependente, legal/ilegal, gente do bem/gente do mal, abstinência/não abstinência — é a principal razão de seguirmos rumo a 2030 com uma perspectiva nada animadora quanto ao exponencial aumento no número de usuários em risco para adoecimento.
(*) Psiquiatra, professor adjunto da Escola de Medicina e do Instituto do Cérebro da PUCRS e professor associado do Departamento de Medicina Clínica da Universidade de Aarhus (Dinamarca)