Sempre esteve por aí, tatuada em algumas peles ou citadas em programas de televisão, a expressão retirada de uma sátira do poeta romano Juvenal, na qual ele fala o que uma pessoa deve almejar na vida: mens sana in corpore sano. Em tradução livre do latim, “uma mente sã num corpo são”. Talvez no século 1 ele não imaginasse o quanto sua expressão soaria atual aqui no século 21,quando mente e corpo sadios são tudo o que almejam 90% da população mundial que sofrem com algum nível de estresse durante a pandemia, de acordo com estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde.
A última quinta-feira, 23/9, marcou a passagem de mais um Dia Mundial de Combate ao Estresse. No Brasil, talvez a data merecesse atenção especial: afinal, somos o segundo país mais estressado do mundo (70% da população sofre com estresse, sendo 30% em nível elevado). Mas sequer temos tempo para parar e prestar a atenção do que os especialistas dizem, é claro. Assim, muitos de nós não sabemos como pode ser simples prevenir o estresse, desde que estejamos atentos, como já alertava Juvenal, ao corpo e à mente.
– A pandemia é uma fonte de estresse, na medida em que o estresse é uma reação física e/ou emocional do organismo a uma fonte externa e súbita de ameaça ou preocupação. E esse período nos trouxe muito medo e insegurança. A OMS já conceituou a “quarta onda da pandemia”, que seriam os desdobramentos mentais que ela terá no longo prazo, como o aumento em casos de distúrbios como a ansiedade, depressão e outros. Por isso é importante estarmos atentos a qualquer modificação física ou emocional que ocorra conosco e que prevaleça por tempo superior a duas ou três semanas – aponta a psicóloga cognitivo-comportamental Tatiana Rocha Netto.
Tatiana alerta que o esforço empreendido pelo corpo e pela mente para superar o estresse gera alterações químicas que os desequilibram, podendo desencadear quadros de ansiedade e depressão. A melhor maneira para começar a combater o estresse, segundo a psicóloga, é mantendo bons hábitos:
– Exercitar-se, alimentar-se e hidratar-se adequadamente, valorizar as pequenas felicidades que temos e sermos gratos a elas, exercer a compaixão e a autocompaixão, ter um sono verdadeiramente restaurador, manter uma rotina e também incluir variações nesta rotina que não sejam fontes de apreensão. Aprender e praticar o relaxamento. O caminho é escolhido por nós. As fontes de estresse permanecerão existindo, mas a maneira como conduzimos nossas vidas influenciará se e como estas fontes afetam nosso equilíbrio emocional. Devemos estar atentos ao que gera estresse e conhecermos o limite que suportamos.
É sobre um pouco de cada ponto sugerido pela psicóloga que trataremos nesta reportagem.
Silencie a alma com a meditação
A rotina acelerada e o excesso de informações são fatores que nos levam a viver cada vez mais em “modo automático”, sem a necessária presença por inteiro nas atividades que desempenhamos. É como fazer uma refeição de olho no celular ou como trabalhar espiando as redes sociais, só para dar alguns exemplos. Essa desatenção contribui para gerar ansiedade e estresse. E uma forma muito eficaz de “voltar para o centro” de nós mesmos é através da meditação.
O poder de uma mente mais serena, alcançado pela atenção plena (também conhecida por mindfulness), provoca alterações na atividade cerebral, resultando em benefícios instantâneos e perenes.
– Meditar é como se a gente fizesse uma limpeza na nossa mente. Como se a cada dia o nosso banho, o nosso escovar os dentes, seria o hábito para ter diariamente o nosso cérebro funcionando de uma forma que venha a ser benéfica pra nós, e não sendo um inimigo – explica a professora de meditação Daiane Sachett, docente da UCS e instrutora na clínica Nascita, de Caxias.
Daiane observa que, ao meditarmos, estamos fazendo uma auto-observação. Por alguns minutos nos desligamos do mundo externo e voltamos os olhos para dentro, onde ficamos a sós com nossos pensamentos, sentimentos e emoções. Aos poucos, o turbilhão gerador do estresse passa a diminuir, na medida em que a atividade egóica diminui e silencia nossa tendência a ter pensamentos negativos e repetitivos:
– O ego é um grande servo, mas um péssimo líder. O fato de conseguirmos, por alguns momentos do nosso dia, apenas silenciar, fechar os olhos e abrir os olhos internos e começar a se auto-observar, a trazer para a vida momentos que são de não estar fazendo ou falando, faz com que a gente mergulhe em camadas mais profundas da nossa mente, fazendo acessar novas informações. E essa soma de pensamentos, sentimentos e hábitos nos torna mais responsáveis pela construção de quem nós somos. Quando voltarmos para o agir necessário, a ação será mais assertiva. A gente vai trazendo essa harmonia para o dia a dia, encontrando equilíbrio interno e um movimento de gratidão. E, através da gratidão, felicidade.
Comer bem traz benefícios para além do corpo
Depois do cérebro, o segundo órgão com maior número de neurônios é o intestino. A boa saúde desse órgão está associada a um bem estar geral, e é por isso que também deve-se considerar a alimentação um fator importante para uma mente mais sadia. E não se trata apenas do que comer, mas também de como comer, como explica a nutricionista caxiense Josiane Camazzola.
– A gente vive um “excesso de futuro”, que também afeta a forma como nos comportamos à mesa. O consumo desenfreado de alimentos industrializados bagunça nosso sistema imune e atrapalha os nossos órgãos, como acontece quando entra o vento numa casa aberta – ilustra.
Josiane destaca que alguns alimentos muito presentes em nossa dieta apressada são inflamatórios. E explica porque devemos procurar evitá-los:
– Ter uma flora saudável é de suma importância, pois ela desempenha um papel na produção dos neurotransmissores responsáveis pelo bem estar. E isso se consegue com uma alimentação legal e uma mente tranquila.
No caminho contrário, diz Josiane, é possível ter uma alimentação rica em nutrientes que ajudam o “segundo cérebro” a estar mais saudável a mandar uma sinalização melhor para o sistema nervoso:
– Vitaminas do complexo B, presentes nos vegetais verdes, no salmão, no ovo, são importantes na produção de neurotransmissores que apoiam a sinalização adequada para o sistema nervoso. Também há o magnésio, que bloqueia a entrada de hormônios de estresse no cérebro. Ele tem fontes no espinafre, no cacau, no abacate, nas nozes. Os probióticos também ajudam nessa resposta ao estresse, e podemos tirar suas fontes na banana verde, na kombucha ou no kefir.
Caminhe, dance, pedale
Da mesma forma que a alimentação, também a atividade física é mais comumente associada à saúde do corpo. No entanto, uma rotina de exercícios pode trazer muitos benefícios também para a mente, sendo uma importante aliada no combate ao estresse. O professor do curso de Educação Física da UCS, Anderson Rech, explica que, especialmente os exercícios aeróbicos, como caminhar, correr e pedalar, podem aliviar sintomas depressivos. Isso se dá pela liberação de hormônios que favorecem as sensações de bem-estar durante e horas após a prática.
– Esses exercícios que não são tão intensos, mas que têm uma duração mais elevada, como a caminhada, normalmente são associados a um benefício cardiovascular, a uma melhora do coração, da circulação sanguínea, mas eles também são bastante pesquisados no âmbito da questão mental e psicológica. Alguns tipos de exercício têm a capacidade de liberar sinalizadores neurais que acabam funcionando como se fossem ansiolíticos, proporcionando um bem psicológico considerável. Não dá para imaginar que uma pessoa com depressão severa possa ser tratada só com exercício físico, é claro. Não vai ser suficiente. Mas pode ser um coadjuvante muito importante – explica o professor.
Rech destaca que é possível obter bons resultados com 30 minutos de dedicação diária, ou uma hora, se for o caso de praticar três vezes por semana. A intensidade deve ser moderada:
– O importante para quem vai começar a se exercitar é saber progredir, para que o corpo se condicione de uma forma saudável, e que a gente não acabe prejudicando ao invés de ajudar.
O poder do relaxamento
Biomédica e pós-graduada em Acupuntura, Estética e Cosmetologia e Citologia, a caxiense Suélen Oliveira também se especializou nas técnicas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), como a acupuntura, a moxabustão e a ventosaterapia, além de massagens. São conhecimentos milenares que auxiliam no tratamento de dores crônicas, mas também produzem efeito no combate ao estresse e à ansiedade. Suélen destaca que a pandemia fez aumentar consideravelmente a procura pela MTC.
– O estresse é uma reação fisiológica necessária ao organismo, pois nos faz reagir e nos defender de uma ameaça. O que não devemos é viver num estado de estresse, em que o medo, a raiva e a tristeza desequilibram nossas energias. A acupuntura, as ventosas, a auriculoterapia, nos permitem movimentar essa energia, fazendo-a circular e melhorando os sintomas provocados pelo estresse, como insônia, dores tensionais, e dores de estômago – explica a especialista.
A biomédica destaca que boa parte do público que recorre a acupuntura é masculino. Trata-se de um momento de relaxamento, explica, em que alguns pacientes chegam a dormir durante a sessão. A MTC, no entanto, não faz milagres. E traz melhores benefícios associada a mudanças de hábitos que visem uma rotina mais saudável:
– Entre as coisas que sugiro estão iniciar é a atividade física e também tentar limpar o sono, criando um ritual para a hora de dormir, mais ou menos sempre no mesmo horário. Tomar um chá calmante também é muito bom.