Toda virada de ano traz aquela sensação dúbia: se por um lado somos rodeados pelo discurso positivo de um novo tempo que chega para nos trazer 365 novas chances de alcançar nossos objetivos, por outro lado não parece haver nada de novo além de uma mudança no calendário. Entrar num novo ciclo da terra ao redor do sol em meio a uma pandemia reforça ainda mais essa percepção: mudou o ano, mas seguem as restrições de circulação e a sensação de imobilidade à espera da imunização contra o vírus. Diante disso, como podemos aproveitar o sentido de urgência em nos realizarmos que experimentamos com a mudança de ano, mesmo neste cenário?
Estarmos vivos e saudáveis, e permanecermos assim já poderia ser considerado uma meta pra lá de nobre para 2021, não é mesmo? Se pudermos, com isso, ajudar também os nossos entes queridos a estarem protegidos da covid-19, talvez já fosse algo para agradecer daqui a 12 meses. Mas a vida não para, e nem espera. É isso o que a psicanalista e professora universitária caxiense Camila Scheifler Lang faz questão de ressaltar: também na pandemia, a vida se dá no aqui, e no agora.
– É claro que a pandemia tem isso de nos colocar num modo de espera, há coisas que fazíamos antes e não fazíamos mais. Mas temos que estar sempre nos perguntando: se não fosse pela pandemia, o que eu estaria fazendo? Porque a vida é efêmera. Por mais que a gente teorize, escreva o que quer fazer, elabore listas ou uma caixinha pra guardar dinheiro, a gente não tem o futuro. A gente tem o presente. E a pandemia nos faz pensar isso. Não podemos deixar de viver nossa vida na expectativa de que a vida vai voltar depois. E sempre há negociações possíveis: eu queria fazer isso, mas não posso. O que, então, eu posso fazer? E, se for o caso, sofrer, sim, pelo que não conseguir, mas sem deixar de viver – aponta.
Um dos mais populares escritores e palestrantes brasileiros da atualidade, o filósofo Mário Sérgio Cortella costuma fazer em suas falas e escritos a distinção entre os termos “esperar” e “esperançar”. O primeiro apenas aguarda, enquanto o segundo age com esperança. Recorrendo a Cortella, a psicóloga caxiense Patrícia Prigol considera que 2021 será um ano para esperançarmos, e também de sermos mais assertivos na relação com o outro. Objetivar agir menos motivado pelo ego que a tudo quer realizar, e mais pela empatia do que reconhece o valor da coletividade:
– Entrar num novo ano em meio à pandemia é uma oportunidade para desfazer o narcisismo infantil e a fantasia onipotente, de que tudo que eu quero eu posso realizar. Vejo que essa esperança renovada que se tem ao esperar um ano melhor, talvez nos permita trabalhar mais com o real e menos com o ideal. Nem tudo o que eu desejo eu posso realizar, nem tudo que eu posso eu devo. São restrições que me colocam em contato com meu caráter humano e me mostram que a iminência da morte fala muito mais daquilo que realmente está acessível.
Talvez não seja 2021 o ano de realizar a viagem dos sonhos ou de abandonar o emprego modorrento para dar aquele salto rumo à independência. Porém, antes de surtar pela vida que parece estar suspensa, é preciso saber redimensionar as expectativas. E não existe caminho melhor para uma vida mais calcada na realidade do que o autoconhecimento, que se alcança primeiramente pela atenção às próprias emoções e a forma como reagimos a elas. Para o psicólogo caxiense Hélius de Moraes, enxergar os próprios traços positivos e negativos de personalidade, desde que por um viés de compreensão, é uma forma de estar mais alinhado com o que de pode alcançar:
– Há um exercício interessante, que é pegar uma folha em branco e traçar uma linha vertical. Do lado esquerdo, escreva sobre o que tu consideras teus pontos fortes. Do lado direito, os pontos fracos. E reflita a partir disso de forma crítica, não para pensar em grandes revoluções, mas para ter um melhor autoconhecimento e a partir disso começar a tratar de cada um. É preciso entender que em situações normais, teus pontos positivos se sobressaem. Em situações de pressão, como é a pandemia, podem preponderar os pontos negativos.
Diante do gatilho para a ansiedade que reside na dúvida se estamos procrastinando nossa busca ou se é tudo culpa da pandemia, Hélius sugere que a procrastinação não necessariamente revela preguiça. Tem mais a ver com insegurança, como um sinal de que talvez não estejamos prontos para alcançar o que imaginamos estar ao alcance.
– Procrastinar nem sempre é negativo. Às vezes pode ser um sinal de que ainda não estamos prontos para dar conta de determinado objetivo, ou de que nem mesmo aquilo se trata de algo que a gente realmente queira no momento. Mas também há casos em que pode ser um autoboicote ligado à própria criação. Uma criança que foi muito repreendida em casa ou na escola, por exemplo, pode ficar com essa marca, de ter dificuldade em realizar aquilo que lhe dá prazer. São casos mais complexos, em que se indica a psicoterapia ou a hipnose clínica – destaca.
Camila Lang traz à reflexão o recente filme de animação da Pixar, Soul, para refletir sobre um sentido de vida para além dos grandes propósitos, que costumamos medir por realizações que venham para nos fazer mais admirados, e, por consequência, mais amados. No filme, que traz a história de um professor de música frustrado por não tocar em uma banda de sucesso, a mensagem é clara e serve para refletir sobre o que realmente importa, inclusive num momento pandêmico:
– As pessoas procuram um propósito grandioso, e isso às vezes não quer dizer nada. A felicidade não está no poder, não está na fama ou na prosperidade. A felicidade está nas pequenas coisas que estão ao nosso lado, num jantar com a família, num abraço carinhoso, numa cartinha recebida pelo filho. Esse talvez seja o real valor da existência, que não está em trabalhar a vida toda buscando algo que não vamos encontrar. A questão é estar sempre se perguntando: “isso faz sentido para a minha felicidade?”, “O que eu quero da vida que eu levo?”. E a partir disso buscar a nossa verdadeira felicidade. Não a do outro, nem aquela que aprendemos a idealizar.
DICAS PARA UM 2021 MAIS LEVE
Pedimos à psicóloga Patrícia Prigol para elaborar uma lista com dicas breves que possam ajudar a ter um 2021 mais realizado, sem desconsiderar a situação imposta pela pandemia. Além das dicas abaixo, a psicóloga ressalta uma em especial. Segundo ela, pensar e agir de modo colaborativo pode promover não apenas a esperança em dias melhores, como também propiciar a criação de novas ideias capazes de transformar e dar sentido à vida das pessoas, além de significado para aprendermos com os desafios da pandemia.
- Listar todas as competências pessoais, habilidades, talentos (conjunto de atributos pessoais) para visualizar a força realizadora que existe em você. Listar ao lado as necessidades, destacando o que é fundamental para seu bem-estar. Isto ajudará a pensar ações para atender a demanda identificada.
- Construir e cultivar uma rede de apoio (mesmo que seja virtual ou remoto) com pessoas que possam contribuir efetivamente no processo de unir forças, fazer trocas ricas de entreajuda, até mesmo a promover ações conjuntas para a busca de soluções.
- Usar a prática da “Atenção Plena”: trabalhar com o tempo presente e observar o que está fazendo no momento, aprendendo a valorizar (atribuir valor) a cada ação pensada e consciente, desde as tarefas rotineiras a qualquer outra ação ou movimento. Isto ajudará a diminuir a ansiedade em relação a um futuro ainda desconhecido e incerto.
- Ler bons livros: livros que possam ajudar no desenvolvimento da inteligência emocional (como lidar com as emoções) e na prática da resiliência (no enfrentamento de situações adversas).
- Fazer uma lista de objetivos e metas para o ano pautada somente em ações que possam no momento ser desenvolvidas. Nada que esteja fora do alcance ou distante da sua realidade.
- Procurar ajuda médica e psicológica quando perceber que, mesmo com todas as ações citadas acima, você precisa de orientação profissional.
- Ter em mente que este momento irá passar, mas que você pode tratá-lo como uma oportunidade de aprendizado e descobertas positivas a seu respeito.