A atualização na política nacional de drogas, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 6 de junho, estabelece critérios mais claros para a realização da chamada internação involuntária. Outro ponto de destaque é o reforço do papel das comunidades terapêuticas.
Um dos pontos mais polêmicos do texto, a internação involuntária divide especialistas da área de tratamento de dependentes químicos. Existe uma corrente que se apoia no argumento de que esse tipo de ação foca na abstinência e não pensa na diminuição dos danos. Outros profissionais entendem que esse método, usado de maneira pontual, é necessário em casos mais graves, nos quais o paciente não tem capacidade de tomar decisões.
Por meio de nota, a diretora-executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, diz que a nova lei "adota uma abordagem punitiva e proibicionista, ao invés de medidas que priorizem a redução de danos, o enfoque na saúde pública e nos direitos humanos".
"Essa decisão abre espaço para violações de direitos, como práticas de tortura, privação de liberdade e tratamentos cruéis, sem consentimento dos pacientes", diz no comunicado.
A psiquiatra Ana Cecilia Marques, coordenadora do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), defende que a modificação na lei é um avanço, pois deixa mais claro pontos que tratam sobre combate à dependência química no Brasil. Em relação à internação involuntária, a psiquiatra entende que a norma cria critérios para evitar o uso generalizado do mecanismo. A profissional afirma que esse tipo de medida é minoria e ocorre em casos mais graves, em que o paciente não tem condições mentais de decidir o que é melhor para ele.
— Não tende a aumentar (o número de internações), porque quem interna é o médico. Ele que autoriza. Não é a família. A família pode levar até o médico, que vai decidir se aquele indivíduo tem risco de morte, se precisa dessa profecção integral. Se vai ficar internado uma semana, 15 dias ou 90 dias.
Não tende a aumentar (o número de internações), porque quem interna é o médico. Ele que autoriza. Não é a família.
ANA CECILIA MARQUES
Coordenadora do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas
Ana Cecilia defende que a prevenção continua sendo o melhor mecanismo para controlar o problema da dependência química no Brasil. Segundo a psiquiatra, essa é a maneira mais prática e capaz de obter resultados a médio prazo.
Comunidades terapêuticas
A inclusão de comunidades terapêuticas acolhedoras no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) é outra novidade presente na nova lei. O texto tipifica o método e esclarece pontos sobre a adesão de pacientes. Segundo o Ministério da Justiça, cerca de 1,8 mil comunidades terapêuticas operam no Brasil. Esses locais funcionam como centros de reabilitação com diretrizes baseadas na religião, abstinência e trabalho.
O psicólogo especialista em dependência química Ricardo Valente, delegado da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) no Rio Grande do Sul, entende que a nova lei fortalece e qualifica as comunidades terapêuticas.
— Nós temos mais um dispositivo para atenção ao dependente químico. A comunidade terapêutica cumpre um papel importante quando ela é realmente um serviço bem estruturado.
Valente afirma que é difícil identificar se a nova lei vai impulsionar o número de estabelecimentos que utilizam esse método no país. Ele entende que a tendência é de diminuição por causa da fiscalização que promoverá a qualificação do serviço.
O diretor de Interior do Simers segue o mesmo entendimento, destacando que o número de comunidades terapêuticas tende a cair caso exista fiscalização rígida na busca pelo cumprimento dos pré-requisitos:
— Vejo a lei como um mecanismo indutor de profissionalização, porque dessa forma, recebendo recurso público, as comunidades vão ter um pouco mais de capacidade financeira para oferecer um bom serviço e obviamente vai existir a fiscalização — afirmou Uberti.
Por que fizemos esta matéria?
A matéria tem o objetivo de trazer informações sobre a estrutura oferecida pelo SUS para o atendimento de dependentes químicos, já que a nova política nacional de drogas estabelece a internação involuntária destas pessoas.
Como apuramos esta matéria?
A partir da leitura da lei publicada no Diário Oficial da União, entramos em contato com o Ministério da Saúde e com a Secretaria Estadual da Saúde para obter dados sobre a estrutura de atendimento para esse tipo de paciente no país e no Estado. Contatamos, ainda, psiquiatras especializados na área de dependência química para avaliar a questão da internação involuntária. Membros de entidades que representam profissionais da medicina também foram ouvidos.