A aplicação da segunda dose de vacina contra a covid-19 atingiu alto patamar no Rio Grande do Sul, mas perdeu força em outubro e estagnou a partir de dezembro, mostram estatísticas da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) analisadas por GZH. A cobertura de terceira dose também está abaixo do necessário.
Autoridades confirmam a estagnação, mas argumentam que, para além da hesitação, parcela de atrasados se contaminou nesta onda da variante Ômicron e aguarda 30 dias para buscar o complemento da imunização. Gestores citam ainda que dados do Rio Grande do Sul são parciais, devido aos ataques hackers ao Ministério da Saúde.
Até o momento, 82% de todos os gaúchos tomaram a primeira dose, 73% receberam a segunda e 26% tomaram o reforço, patamar considerado elevado para primeira e segunda dose, mas baixo na terceira, segundo especialistas.
O número de pessoas com uma e duas doses supera, proporcionalmente, o Reino Unido e se aproxima da Alemanha. No entanto, a cobertura de três doses corresponde à metade da registrada nos mesmos países.
A cobertura de duas doses chegou a crescer com velocidade entre julho e setembro, mas perdeu força a partir de outubro e praticamente estacionou nos últimos dois meses, como mostra o gráfico a seguir.
A favor do Rio Grande do Sul está o fato de que 89% dos adultos com 18 anos ou mais completaram o esquema primário (duas doses ou dose da Janssen). Ainda assim, 792.782 gaúchos estão com a segunda dose atrasada - destes, a maioria tem entre 15 e 29 anos. Na terceira dose, mais de 2,5 milhões de gaúchos estão com atraso.
A secretária-adjunta da Saúde do Rio Grande do Sul, Ana Costa, diz que a onda de infecções gerada pela Ômicron atrapalha a vacinação. Estatísticas oficiais mostram que, entre 1º de janeiro e segunda-feira, 431.208 gaúchos pegaram coronavírus.
— Sempre que se chega perto do atingimento das metas, é natural ter velocidade menor. Soma-se hesitação vacinal com onda de Ômicron: quando chegamos ao período da terceira dose para muitos, houve subida muito forte de casos. Acredito que iremos recuperar esses percentuais ao longo do tempo — afirma.
Todavia, apenas a nova onda não justifica o cenário, já que a estagnação começou antes da subida de casos de Ômicron, após festas de fim de ano, destaca o médico infectologista Alexandre Zavascki, chefe da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento e médico infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
— Na segunda dose, a gente se compara a outros países, mas ficamos bem para trás na terceira. O principal problema realmente me parece ser a adesão à terceira dose, que deveria avançar na mesma velocidade da segunda. Atribuo isso à massiva campanha informal do governo federal contra vacinas com o apoio de muitos médicos que divulgam isso em consultórios. O Estado não fez nenhuma campanha para contrapor esse discurso. O resultado é que um grande número de pessoas que não é antivacina, mas que tem receio, não se vacina — diz.
Zavascki afirma que Estado e municípios deveriam investir mais ativamente em campanhas de comunicação e de conscientização para convocar a população a se vacinar, como forma de esclarecer a importância e segurança da imunização, já atestada em estudos científicos e na experiência de outros países.
Esquemas de vacinação com mais de uma dose historicamente têm adesão menor quanto mais vacinas precisam ser aplicadas, observa o médico e presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha. Estratégias de convencimento e de oferta de vacinas mais próximas da população são essenciais.
— Não é só o Rio Grande do Sul, no Brasil todo a velocidade ficou mais baixa. Quando começa a estagnar, precisa fazer o trabalho de formiguinha com busca ativa, ser criativo para chamar a população e fazer visita domiciliar. Muitas pessoas acham que fizeram duas doses e nem têm ideia de que precisam fazer a terceira. Precisamos intensificar a comunicação. O reforço é fundamental para (combater) a Ômicron — diz Cunha.
O presidente do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS), Maicon Lemos, afirma que municípios oferecem vacinas fora do horário comercial e ainda estão com unidades móveis para aplicação fora de postos de saúde. Ele diz que prefeituras se preocupam com a adesão à segunda dose e a baixa procura por aplicação em crianças.
— Há a questão do sistema (do Ministério da Saúde) instável e a alta transmissibilidade, mas temos que considerar também as pessoas que não se vacinam porque tiveram efeito adverso na primeira dose ou por acharem que só uma deixa imune. As unidades de saúde estão com horários alternativos, então a justificativa de que não se pode fazer vacina porque se trabalha, para nós, está vencida. Orientamos os municípios a fazerem busca ativa, com campanhas, ônibus de vacina ou com agentes de saúde indo em encontro — afirma Lemos.
A secretária-adjunta reforça que o Estado alterou as regras e permitiu que prefeituras ofereçam vacinas a crianças fora de postos de saúde. Ela cita o caso da prefeitura de Santiago, que ofereceu uma espécie de “cineminha” aos pequenos na hora da vacinação.
— A gente continua dentro da faixa etária de adultos jovens que precisamos buscar para o restante da cobertura vacinal. Temos adolescentes ainda sem completude, além de crianças, que estamos batalhando para oferecer a primeira dose. Estamos caminhando, mas os resultados da vacinação são muito positivos. Precisamos prosseguir — complementa Ana Costa.