Até a tarde desta terça-feira (8), segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), o Rio Grande do Sul ainda não registra nenhum caso da BA.2, uma subvariante da Ômicron identificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 7 de dezembro que já é dominante na Dinamarca. Estudos preliminares apontam que ela poderia ser mais transmissível do que a linhagem BA.1 da Ômicron, que predomina no Brasil atualmente.
Pelo menos três estados já tinham registros da subvariante até segunda-feira (7), segundo levantamento do Ministério da Saúde: Rio de Janeiro (três casos), São Paulo (três) e Santa Catarina (um). Um dos casos identificados em São Paulo é de um paciente que não havia viajado para fora do país recentemente, está vacinado com duas doses contra o coronavírus e apresentou sintomas leves da doença.
Algumas das principais informações sobre a BA.2 evidenciadas até o momento estão reunidas em um estudo preliminar dinamarquês, feito em conjunto por cientistas do Instituto Statens Serum, Universidade de Copenhague, agência Statistics Denmark e Universidade Técnica da Dinamarca. Lá, a nova subvariante foi identificada pela primeira vez no dia 5 de dezembro de 2021 e se alastrou com agilidade, tornando-se a responsável pela maioria dos casos de coronavírus do país escandinavo atualmente. A pesquisa analisou a transmissão do coronavírus em 8,5 mil lares entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, e concluiu que a subvariante é mais transmissível do que a variante original, da linhagem BA.1, e também mais capaz de infectar pessoas vacinadas.
Virologista e professor da Universidade Feevale, Fernando Rosado Spilki detalhou a GZH algumas descobertas do estudo. Ele explica o que a ciência já sabe a respeito da BA.2 quanto a transmissibilidade, agressividade e capacidade de escapar às vacinas.
O que é a subvariante da Ômicron BA.2 e que modificações ela traz?
A variante BA.2 traz algumas diferenças em relação à variante Ômicron original, que é a BA.1. Esta nova, por exemplo, não tem uma deleção — que é a perda de um pedacinho do gene — ao redor dos aminoácidos 69 e 70, que existe no gene da proteína Spike da variante BA.1 original (e também na ramificação BA.1.1.) Esta deleção é muito utilizada para o mapeamento da variante Ômicron, mas como essa nova subvariante não a tem, ela inclusive foi chamada em algum momento de variante "fantasma", pois não era detectada em testes de genotipagem. Na verdade, a BA.2 já está circulando desde o início do surto de Ômicron. Ela sempre representou entre 4% e 6% das amostras de muitos países. Só que, de algumas semanas para cá, começou a se dispersar mais pelo mundo e também a se tornar majoritária em países em que ela já tinha alguma representatividade, como é o caso principalmente da Dinamarca.
Qual é a diferença entre variante, linhagem, sublinhagem?
A gente tinha uma linhagem lá do passado que foi se formando. Essa linhagem, de repente, apareceu muito evidente, diferente das outras linhagens, e nós passamos a chamá-la de “variante” Ômicron. Essa variante começa a emitir suas ramificações, chamadas “sublinhagens” ou “subvariantes”, que são BA.1, BA.1.1, BA.2, BA.3. A gente vai chamando essas ramificações de “subvariantes” ou “sublinhagens”, mas todas elas estão dentro do contexto de Ômicron. O fato é que, ao longo do tempo, também nós vamos passar a chamá-las de linhagens, pois já estão bem conhecidas, não são mais responsáveis por alguns poucos casos. É como ter um tronco, depois ramos, que inicialmente emitem galhos menores e depois ficam mais grossos.
A Ômicron BA.2 é mais transmissível do que BA.1?
O dado de maior transmissibilidade vem principalmente de um estudo dinamarquês, que foi realizado da seguinte forma: a partir de indivíduos que adquiriram o vírus na rua e foram diagnosticados, foi observado quantos novos casos da variante BA.1 e quantos da variante BA.2 eram gerados dentro do seu ambiente doméstico (ambiente familiar) depois que os indivíduos haviam contraído o vírus. E o que observou-se foi que a variante BA.2 teve um potencial de transmissão até 33% (um terço) maior do que aquele notificado para a BA.1 dentro das famílias.
Já se sabe se a BA.2 pode provocar doença mais grave?
Conforme o que tem sido estudado principalmente na Dinamarca, nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde há mais casos notificados da variante BA.2, há um perfil de espectro de doença muito similar ao da BA.1 (e da ramificação BA.1.1): um vírus que causa uma doença desagradável, porém com aspecto mais brando em indivíduos com o esquema vacinal em dia. E também com muito mais indivíduos indo a caso de internação e, esporadicamente, de UTI, quando não vacinados, ou ainda em casos em que há muitas comorbidades ou em casos de idosos extremos em que não foi aplicada a dose de reforço (ou foi aplicada muito recentemente). Tudo muito similar ao que temos na BA.1.
Há potencial (para a BA.2 se tornar dominante). Mas, na prática, o mais relevante é saber se isso vai levar a um aumento no número de casos e a uma extensão do prazo do surto da Ômicron nos países afetados.
FERNADO ROSADO SPILKI,
virologista e professor da Universidade Feevale
Já se sabe se a BA.2 escapa à proteção das vacinas?
O que se sabe, até o momento, é: a subvariante tem um perfil similar ao da BA.1 em observações in-vitro. Já com a observação na prática, o que apontou aquele mesmo estudo dinamarquês (que estudou a transmissão do vírus dentro de núcleos familiares) é que contra a BA.2 houve um grau de proteção um pouco maior do que para a BA.1. Observou-se que, nas famílias onde todos estavam vacinados, 39% dos indivíduos tiveram infecção por BA.1 e 29% tiveram infecção por BA.2 — uma diferença de 10% de eficácia, portanto. Mas este foi um achado incidental. Na verdade, acredito que o perfil de proteção deve ser muito parecido com aquele que temos com relação à BA.1 se extrapolarmos isso para outros ambientes e condições de transmissão.
Na na Dinamarca, a BA.2 já é responsável por mais da metade dos casos de covid-19. Ela tem potencial para tornar-se dominante no Brasil e no mundo?
Sim, há potencial. É o que temos visto: uma substituição de variantes ao longo do tempo. É um fato novo em um cenário em que, hoje, temos uma variante praticamente hegemônica, que é a Ômicron BA.1 e BA1.1 (especialmente no caso do Rio Grande do Sul). Mas quanto à questão de BA.2 circular e se tornar a variante principal, se seguir o caminho que estamos observando na Dinamarca e em algumas regiões dos Estados Unidos, muito provavelmente é o que vai acontecer. Isso é muito importante para nós, cientistas, do ponto de vista de acompanhar a evolução do vírus da pandemia. Mas, na prática, o mais relevante é saber se isso vai levar a um aumento no número de casos e a uma extensão do prazo do surto da variante Ômicron nos países que vêm sendo afetados. Precisamos olhar os exemplos de fora e também estudar a situação aqui dentro do Brasil.
Qual linhagem da Ômicron circula mais no Brasil nesse momento, a BA.1 ou a BA1.1?
Por enquanto ainda há um predomínio de BA.1, mas por pouquíssima vantagem. Praticamente as duas dividem o cenário. E ainda há poucas amostras de BA.2 sequenciadas, mas isso é questão de tempo.
Se é uma questão de tempo até termos mais casos mapeados de BA.2, deveríamos estar preocupados?
Uma coisa é a variante se espalhar e outra é o efeito que ela vai causar. Nós já estamos em um surto de Ômicron de proporções titânicas, incríveis. Então a dúvida é: será que sentiremos algum abalo? Um efeito que poderia haver, caso ela realmente induza a um número de casos maior, seria uma continuidade um pouco maior do surto de Ômicron — surto esse que, esperávamos, teria um arrefecimento nas próximas semanas, se seguisse o mesmo padrão que se vê em outros países. Mas a gente ainda precisa de evidências recolhidas em outros países para entender se BA.2 é capaz de fazer isso.