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Por Alessandro C. Pasqualotto
Professor da UFCSPA, presidente da Sociedade Rio-grandense de Infectologia
O progresso da humanidade é indissociável do avanço das vacinações. Lembremos da triste poliomielite, onde uma em cada 200 infecções levava, antes da vacina, a paralisias irreversíveis. A varíola, doença hoje erradicada, era uma importante causa de adoecimento e morte. Alguém tem conhecidos com meningite meningocócica ou formas graves de sarampo?
Mérito das vacinas. Recentemente, a gripe causada pelo vírus H1N1 aterrorizou o mundo e desapareceu por efeito da imunização. Para a covid-19, isto não foi diferente: a introdução das vacinas teve um efeito dramático na epidemiologia da doença, o que foi visível mesmo aos olhos dos mais céticos.
Se hoje ainda convivemos com a covid-19 é porque não vacinamos toda a população.
Se hoje ainda convivemos com a covid-19 é porque não vacinamos toda a população. Sendo a vacinação um ato de proteção coletivo, estratégias que visem ampliar a cobertura vacinal, incluindo a vacinação de crianças, têm sido amplamente defendidas pela comunidade científica.
Mas alguém pode se perguntar: por que vacinar crianças, se elas adoecem tão pouco? De fato, crianças adoecem muito menos do que adultos. Mas aquelas que adoecem podem sofrer muito com a infecção. Lembremos da síndrome inflamatória multissistêmica, uma doença causada pela covid-19 em que diferentes partes do corpo da criança podem se inflamar, incluindo o coração, os pulmões, os rins, a pele e o cérebro. Raro, mas é impossível predizer sua ocorrência. Mais ainda, notemos que mais de 300 crianças com idades entre cinco e 11 anos já morreram de covid-19 no Brasil. Assim, esta não é necessariamente uma doença banal na população pediátrica. Considerando-se que o país tem cerca de 20 milhões de pessoas nessa faixa etária, a vacinação desses grupos pode ter importante papel na redução da circulação viral na comunidade, dando mais segurança às famílias e às escolas. Uma vez que o calendário vacinal infantil brasileiro inclui ao menos 18 vacinas para as redes pública e privada, por que temer o acréscimo da imunização para covid-19, justamente em um momento de aceleração da epidemia?
Alguns temem pela segurança das vacinas em crianças, pois a tecnologia se baseou em RNA mensageiro (mRNA), algo novo em medicina. Argumentam que as vacinas foram desenvolvidas de modo muito rápido e temem por reações adversas graves, incluindo mutações no DNA humano. É evidente que não se dispõe de estudos de longo prazo, uma vez que a epidemia é muito recente, mas consideremos que nenhum novo medicamento em medicina é observado por décadas para, então, ser introduzido na prática assistencial. Nos estudos clínicos em crianças, bem como em adultos, as vacinas de mRNA foram tão seguras quanto placebo, tendo ocorrido apenas discreta dor e inflamação no local da injeção. Até aqui, nada surpreendente. Quanto ao potencial mutagênico das vacinas, lembro do dogma central da biologia: moléculas de DNA transcrevem RNA, que então se traduzem em proteínas. Se a vacina é baseada em RNA, sua função é produzir uma proteína que seja reconhecida pelo sistema imune. Em outras palavras, vacina de RNA não causa mutação no DNA. Na realidade, as tecnologias de mRNA são revolucionárias na medicina, sendo empregadas, de modo crescente, em doenças importantes para a saúde pública, como colesterol alto e câncer.
A tecnologia das vacinas de mRNA permite também que possamos escalonar a produção industrial, produzindo grande quantidade de imunizantes em pequeno período de tempo; diferentemente das vacinas convencionais com vírus inativado, cujo processamento é realmente muito mais lento.
As bulas são todas assim. Sabiam que a aspirina pode levar a choque anafilático ou a sangramento letal? Que o paracetamol pode levar a insuficiência hepática?
Há também aqueles que criticam as vacinas com base em suas bulas, nas quais os fabricantes parecem se eximir de qualquer responsabilidade sobre eventos adversos que eventualmente possam ocorrer. Vocês já pararam para ler a bula dos medicamentos? São todas assim. Sabiam que a aspirina pode levar a choque anafilático ou a sangramento letal? Que o paracetamol pode levar a insuficiência hepática, enquanto medicamentos para o colesterol podem lesar os músculos e causar insuficiência dos rins?
Minha sugestão: parem de ler tantas bulas e confiem mais em seus médicos. Especialmente aqueles que estejam atualizados e em sintonia com as recomendações de importantes sociedades da área de vacinas, como as Sociedades Brasileiras de Infectologia, Pediatria e Imunizações. Vacinemos em massa nossa população, pois esta é nossa grande arma de defesa contra a covid-19.