Para o terceiro ano de pandemia de covid-19, cientistas esperam que a população se revacine e receba imunizantes atualizados contra variantes. Novas marcas chegarão ao mercado, com eficácia maior — mas o sars-Cov-2, longe de ser erradicado, seguirá convivendo entre nós, afirmam quatro cientistas ouvidos por GZH.
Para 2022, a expectativa ainda é de que mais pessoas recebam a segunda e a terceira doses, o que contribuirá para reduzir a covid-19 a níveis endêmicos – isto é, em patamares baixos e esperados, dentro de uma média. Ainda não se sabe qual será o “teto” para classificar como endemia, como mostrou GZH.
A dose de reforço ganha mais relevância para elevar o nível de anticorpos e reestabelecer a proteção contra infecção, além de aumentar a eficácia contra casos graves. No Brasil, o Ministério da Saúde prevê que todos os brasileiros com 18 anos ou mais tomarão, pelo menos, a terceira vacina. Idosos e imunossuprimidos tomarão quarta e quinta doses.
Frente à maior demanda, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que as vacinas para 2022 “estão garantidas”. Por meio de nota, a pasta destacou que, a princípio, apenas Pfizer e AstraZeneca serão utilizadas no país. Janssen e CoronaVac poderão ser aplicadas se os laboratórios solicitarem uso definitivo à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – atualmente, a autorização é emergencial (o que não significa experimental).
Especialistas destacam que não há como saber, ainda, se adultos saudáveis também tomarão mais de três doses e qual será o intervalo a partir de agora. A decisão não é tomada apenas com base na redução da imunidade, mas também deve levar em conta a circulação do vírus.
— Não há dados sobre benefício e duração da proteção de terceira e quarta doses fora da população imunocomprometida. Não sabemos o quanto terceira dose melhora para todo mundo e por quanto tempo o reforço da imunidade perdura. A necessidade de futuras doses de reforço será baseada também em como estará a pandemia: se ela acabar, não será preciso manter altos níveis de anticorpos em toda a população — diz o médico Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Muito se especula sobre a duração do intervalo entre as doses, hoje estabelecida em quatro meses entre a segunda e a terceira. O microbiologista Luiz Almeida, membro do Instituto Questão de Ciência (IQC), em São Paulo, destaca que reduzir o intervalo eleva a quantidade de anticorpos no organismo, o que é bom no curto prazo, mas ruim a longo prazo, porque a memória celular, uma camada de proteção que previne contra casos mais graves, é incrementada quando o intervalo entre as vacinas é maior.
— Com todas as vacinas, intervalo mais longo oferece proteção maior. No começo da pandemia, vacinamos com intervalo rápido porque era uma emergência, então é bom para melhorar os anticorpos, mas se perde a memória celular. Ao sair desse cenário pandêmico emergencial, seria prudente aplicar com intervalo maior. Se estiver tranquilo, aplicamos com intervalo maior. Se tiver vários surtos, faz sentido dar reforço — diz Almeida.
Israel e Itália estabeleceram que o termo “esquema vacinal completo” passa a incluir três, e não duas doses de vacina contra a covid-19. O imunologista Gustavo Cabral, pesquisador na Universidade de São Paulo (USP), cita que, com o surgimento de novas cepas, a exigência de dose adicional ocorrerá mais para proteger a população com uma versão atualizada das vacinas do que simplesmente para elevar a quantidade de anticorpos no organismo:
— Vivemos à mercê do que pode acontecer lá fora, com o surgimento de novas variantes. Provavelmente, a questão não será a quantidade de vacinas que tomaremos, mas a necessidade de tomar reforço com alguma modificação. Não há como prever se novas variantes de preocupação surgirão em dois, três ou seis meses. Em algum momento, teremos que atualizar as vacinas para haver um reforço em cima dessas mutações.
Vacinação das crianças
A vacinação de crianças também deve ser expandida pelo mundo – até agora, mais de 20 países já a aprovaram, incluindo Estados Unidos e União Europeia. No Brasil, o governo Jair Bolsonaro está impondo obstáculos ao início da vacinação a partir dos cinco anos, apesar de associações médicas brasileiras e internacionais, além da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apontarem que a aplicação nos pequenos é segura e eficaz.
Faixas etárias ainda mais jovens deverão ser incluídas. A Pfizer estuda os efeitos de sua vacina em crianças de seis meses a cinco anos. Já o Instituto Butantan entregou, neste mês, pedido para que a Anvisa libere o uso da CoronaVac para pessoas entre três e 17 anos. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que a vacinação de crianças é estratégica para aumentar a cobertura vacinal dos brasileiros.
— Hoje, a população de zero a 11 anos corresponde a 15% da população total. Mesmo que vacinemos hoje todas as pessoas elegíveis, vacinaríamos apenas 85% dos brasileiros, o que é um cenário ruim, dado que só podemos falar em relaxamento mais consistente das medidas com cobertura a partir de 85%. Vacinar crianças significa expandir a cobertura vacinal como um todo. Essa é uma população que passará a estar em situação de maior vulnerabilidade, pois estarão de férias escolares e entrarão mais em contato com parentes, incluindo avós — afirmou o pesquisador Raphael Guimarães, da Fiocruz.
Novas vacinas também devem surgir no mercado. Hoje, 25 já estão em uso no mundo, conforme a Regulatory Affairs Professionals Society (RAPS), dos Estados Unidos. Estuda-se imunizantes aplicados por spray no nariz e até mesmo em adesivo. Gigantes farmacêuticas, como a norte-americana Novavax, a canadense Medicago e a chinesa Clover (as duas últimas inclusive testadas em Porto Alegre), devem trazer imunizantes com novas tecnologias.
— Há 137 vacinas em fase clínica (com humanos) e mais de 190 em fase pré-clínica, em animais. Vacinas usadas na maior parte do mundo utilizaram como base o vírus original, de Wuhan. Muitos laboratórios estão atualizando com base nas variantes que surgiram mundo afora. Essas novas vacinas estarão mais adequadas à sequência de aminoácidos presentes nas proteínas expressadas pelo vírus. A de spray nasal seria importante na geração da resposta imunológica, porque gera anticorpos circulantes e também nas mucosas, por onde entra o vírus, bloqueando na porta de entrada. Mas essas vacinas ainda não foram testadas massivamente — pondera o médico Roberto Meyer, professor de Imunologia e coordenador do Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O grande risco será o aparecimento de novas variantes que reduzam a eficácia das vacinas. Contra isso, a única precaução é reduzir a desigualdade vacinal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que todos os países do mundo precisarão estar com 70% de toda a população com duas doses até a metade de 2022. Para isso, países precisarão fazer a sua parte.
O Brasil começou a contribuir: decidiu, na semana passada, doar 10 milhões das doses que receberia do convênio Covax Faciliy para países da América Latina, do Caribe e da África. Até atingirem esse percentual de vacinados, países mais pobres estarão mais vulneráveis a novas ondas de mortes por covid-19. A vacina, dizem analistas, segue como a grande bala de prata contra a pandemia.