De janeiro até outubro deste ano, seis crianças na faixa etária entre cinco e 11 anos morreram no Rio Grande do Sul antes de ter acesso à vacina contra o coronavírus e 108 precisaram de internação hospitalar em razão da pandemia.
Em termos proporcionais, isso representa menos de 0,1% do total de óbitos e hospitalizações provocados pela covid-19 no Estado, mas confirma que os mais jovens também sofrem impacto do vírus. Além disso, sem imunização, podem retransmitir a doença com mais facilidade. O Ministério da Saúde cogita autorizar a aplicação das doses para essa faixa etária, já aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), somente mediante apresentação de prescrição médica e de termo de consentimento.
Como os sistemas do ministério não voltaram a funcionar plenamente após um alegado ataque hacker, e ainda não é possível consultar os registros mais atualizados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), GZH utilizou uma planilha baixada do site do governo em novembro, com dados até o final de outubro (mas que podem ser atualizados retrospectivamente) para filtrar dados sobre internações e óbitos de crianças.
Os dados oficiais disponíveis até aquele momento indicavam seis óbitos no Estado neste ano, contra dois registrados em 2020 – quando houve ainda 77 internações, das quais 24 em unidades de terapia intensiva (UTIs). Em 2021, das 108 hospitalizações de crianças, 41 haviam exigido UTI.
As mortes observadas entre janeiro e outubro representam 0,02% do total apontado neste período pela planilha do Sivep-Gripe, embora somem 8,4% da população gaúcha nesse intervalo de idade específico. Isso confirma que as crianças não são vítimas preferenciais das formas mais graves de covid, mas, ainda assim, quando o nível de circulação do vírus é elevado, mortes tendem a ocorrer principalmente entre quem tem alguma comorbidade.
Nos dados analisados por GZH, dos oito óbitos entre cinco e 11 anos notificados desde o surgimento da pandemia até o começo de novembro, apenas um não envolvia uma criança com algum fator de risco. Para o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry, apesar de os números não serem tão elevados quanto o de outras faixas, reforçam a importância de se liberar e estimular a vacinação dos pequenos.
– Os números de mortes e agravamentos são realmente mais baixos na comparação com outros grupos, mas isso é só estatística. Quando uma dessas mortes ocorre na tua família, é uma tragédia sem tamanho. O importante é que são vidas perdidas, e isso poderia ter sido evitado – observa Petry.
O epidemiologista aponta outras razões em defesa da imunização a partir dos cinco anos:
– Mesmo quando a criança não agrava, pode transmitir a doença. Se queremos deter a pandemia, precisamos imunizar todas as pessoas. Mais de 20 países já vacinam crianças, com autorização de agências reguladoras como as dos Estados Unidos, da Europa, Japão, China. Um estudo recente mostrou que, entre 7 milhões de crianças vacinadas, houve oito casos de efeitos colaterais moderados e nenhum óbito. Não há argumento científico para ser contra a imunização.
O ministro da saúde, Marcelo Queiroga, entende que as cifras nacionais não justificam pressa para imunizar os mais jovens.
– Os óbitos de crianças estão dentro de um patamar que não implica decisões emergenciais – declarou Queiroga à imprensa na quinta-feira (23).
Em todo o país, desde a eclosão do vírus, morreram 301 crianças no grupo ainda sem vacina de cinco a 11 anos – ou uma a cada dois dias, aproximadamente.
O Rio Grande do Sul apresentou, ao longo desse ano, um desempenho bastante superior à média nacional na proteção da infância contra o coronavírus. Reportagem publicada em junho por GZH mostrou que, embora a doença tenha atacado as crianças com maior força em 2021, o Estado mantinha a menor taxa de óbitos infantis do Brasil desde a declaração de pandemia - 11,7 mortes por milhão contra uma média nacional de 30 por milhão no grupo entre zero e 12 anos.
O Ministério da Saúde anunciou que deve permitir a imunização dessa população apenas por meio da apresentação de prescrição médica e de um termo de consentimento dos pais. Especialistas ponderam que isso pode dificultar o acesso de muitas famílias à campanha de vacinação, principalmente em zonas socialmente vulneráveis e com mais dificuldade de acesso a atendimento médico.
O ministério lançou nesta sexta-feira (24) uma consulta pública, pela internet, para receber contribuições da sociedade civil sobre a iniciativa de reduzir a idade de imunização no país. As contribuições devem ser enviadas até o dia 2 de janeiro pelo site da pasta.