Sem a vacinação em massa das crianças brasileiras contra a covid-19, dificilmente o país conseguirá atingir os patamares mínimos de imunização necessários para proteção coletiva da população no Brasil. A conclusão é de um estudo inédito conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), submetido à Revista Brasileira de Epidemiologia, e apresentado na terça-feira (21). A divulgação ocorre em meio à polêmica promovida pelo governo federal sobre a vacinação de crianças de cinco a 11 anos.
O trabalho analisa a evolução da cobertura vacinal no país e revela que o ritmo do avanço da imunização vem caindo sistematicamente desde setembro e já chegou, praticamente, à estagnação. Caso essa tendência se confirme, teríamos, ao final do processo, cerca de 75% da população vacinada, o que é muito pouco para a proteção coletiva. O ideal seria termos, no mínimo, 85%. Para os pesquisadores, sem as crianças, será praticamente impossível alcançar esse porcentual.
Segundo o estudo, a principal forma de superar a curva de estagnação num patamar baixo é ampliar as faixas etárias elegíveis à vacinação, com a vacinação das crianças dos cinco aos 11 anos.
Embora o uso da vacina da Pfizer já esteja aprovado pela Anvisa para essa faixa etária, o Ministério da Saúde ainda precisar dar o aval para o início da imunização das crianças. Para discutir o tema, a pasta tem uma audiência pública marcada para janeiro e vai colocar no ar, na quinta-feira (23), uma consulta pública para levantar a opinião da população.
Além disso, o país ainda precisa receber a vacina que será específica para este público. Chamada de dose pediátrica, o imunizante terá um terço da fórmula já aplicada no Brasil para quem tem acima de 12 anos. Sendo diferente, portanto, não poderá ser utilizado o de adultos de maneira diluída. De acordo com a Pfizer, o contrato fechado com o Ministério da Saúde para 2022 contempla vacinas para crianças. Porém, o laboratório não confirma ainda um cronograma de entrega.
Enquanto isso, países como Equador, Argentina, Camboja, Portugal, Chile, Alemanha, França, entre outros, já iniciaram a vacinação de crianças com menos de 12 anos. Os países usam, além da Pfizer, a CoronaVac e a Sinopharm – sem uso no Brasil.
Além disso, frisam os especialistas, embora o porcentual de menores que apresentam casos graves de covid-19 seja pequeno em relação ao de idosos, a doença já matou mais crianças do que as vinte enfermidades abarcadas pelo calendário nacional de imunizações.
Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, 1.148 crianças de 0 a 9 anos morreram de covid-19 no país desde o início da pandemia. O número corresponde a 0,18% do total dos óbitos. Entretanto, supera o total de mortes infantis por doenças preveníveis com vacinação ocorridas entre 2006 e 2020 no Brasil (955).
— É muito menos criança do que idoso atingido, mas não é um risco que pode ser ignorado — afirma o pesquisador Raphael Guimarães, pesquisador do Observatório Covid-19 da Fiocruz e um dos autores do estudo. — Além do mais, a escassez de leitos de UTI neonatal e pediátrica é um problema crônico do Brasil, bem conhecido, bem documentado — completou.
10% da população ainda não fez a primeira dose
Outra estratégia para ampliar o percentual de pessoas protegidas é buscar ativamente por aquelas que ainda não apareceram para se vacinar. O estudo revela que aproximadamente 10% da população adulta elegível para a vacinação ainda não compareceu para receber a primeira dose. Para pesquisadores, as pessoas que realmente são contrárias à vacinação respondem por uma parte ínfima disso. A maioria, acreditam, está tendo dificuldade de acesso à imunização.
A análise teve como base a cobertura vacinal por unidade da federação na semana epidemiológica 47, a última semana de novembro. O trabalho revela quatro fases bem distintas na evolução da aplicação da primeira dose da vacina contra a covid no país. Uma fase inicial lenta por causa da escassez de imunizantes foi seguida de duas fases de aceleração contínua. Agora, ocorre a desaceleração.
— A grande maioria dos Estados segue essa tendência, variando apenas a velocidade de aumento da cobertura, que foi sistematicamente maior nos estados das regiões Sul e Sudeste — afirma Guimarães.
Há ainda uma desigualdade grande na cobertura. As regiões Norte e Nordeste apresentam as piores, tanto de primeira quanto de segunda dose. Assim, fica claro que os valores nacionais médios são inflacionados pelos números do Sul e do Sudeste. De forma geral, a cobertura é menor em áreas mais carentes e entre minorias étnicas.
— É razoável supor que a estagnação está mais relacionada à dificuldade de acesso do que à recusa a receber o imunizante — diz Guimarães. — Portanto, é fundamental fortalecer estratégias comprometidas com a redução da iniquidade de vacinação, além de vacinar as crianças de cinco a 11 anos, ampliando a cobertura vacinal total do país.