As mais recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL), levantando dúvidas sobre a segurança do imunizante da Pfizer em crianças de cinco a 11 anos, foram repudiadas por especialistas em saúde e em vacinas. A segurança na aplicação nos menores foi destacada como importante para pais protegerem seus filhos contra a covid-19 e ajudarem no controle da pandemia.
Bolsonaro afirmou que pediu a divulgação do nome dos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) responsáveis por aprovar a liberação do imunizante para crianças; falou que "estudará" se vacinará a filha; e citou declarações de técnicos da agência sobre efeitos colaterais, como febre, para alegar que o produto pode trazer riscos a ponto de convencer pais a não levarem os filhos ao posto de saúde.
A Anvisa não é a primeira agência reguladora a liberar o produto para crianças de cinco a 11 anos. Também o fizeram União Europeia e Estados Unidos – cujas agências reguladoras são referência para o mundo –, além de nações como Colômbia, Uruguai, entre outros.
Para liberar a vacina da Pfizer para crianças, a Anvisa consultou diferentes associações da área da saúde, como as sociedades brasileiras de Infectologia, Imunologia, Pediatria, de Pneumologia e Tisiologia, e de Saúde Coletiva.
Todas reuniram alguns dos maiores especialistas do país para analisar os efeitos da vacina da Pfizer e emitir pareceres à agência reguladora. A imunologista Cristina Bonorino, professora na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), afirmou, em parecer emitido à Anvisa representando a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), que a vacina é recomendada para crianças e que os benefícios superam os riscos.
— A gente não mede adequadamente o número de infecções em crianças, a maioria é assintomática, por isso, o número de crianças infectadas é subestimado, e provavelmente essas crianças se infectaram múltiplas vezes com diferentes variantes – destacou.
– Sabemos pelos dados do nosso grupo (de pesquisa) que as crianças se infectam, têm altos títulos virais e contribuem provavelmente muito para a transmissão do vírus. Isso precisa ser interrompido para a gente impedir o surgimento de novas variantes. Os efeitos adversos não são muito diferentes do visto pelos adultos. No caso da miocardite associada a algumas vacinas, há estudos mostrando que em pessoas de 16 anos ou mais, o risco é estimado em 0,001%, e mesmo assim a maioria dos casos não é grave — esclareceu Bonorino.
Crianças são importantes para o controle da epidemia. Além de ser proteção para elas, porque há covid longa em crianças.
ALEXANDRE ZAVASCKI
Médico infectologista
O médico Fabiano Ramos, chefe do setor de Infectologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e coordenador do estudo da CoronaVac na instituição, esclarece que febre é uma reação possível para qualquer vacina.
— Algumas vacinas, como qualquer medicação, podem trazer efeitos colaterais. No estudo, isso foi extremamente raro. Tem a questão da miocardite, mas dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, órgão dos Estados Unidos) e de acompanhamento de vida real mostraram que o risco é muito baixo, muito menor do que a própria doença pode causar — esclarece.
O CDC explica, em sua página online, que, em estudos clínicos (com pessoas), os efeitos colaterais das vacinas “foram amenos e similares aos de adultos e ao de outras vacinas recomendadas a crianças”. A instituição cita que o efeito mais comum foi dor no braço e que efeitos semelhantes vão embora após alguns dias. Acrescenta que algumas crianças não têm nenhum efeito colateral e reações alérgicas graves são raras.
“Nos estudos clínicos conduzidos com milhares de crianças, nenhuma grande preocupação foi identificada após a aplicação. Efeitos colaterais foram amenos e não tiveram efeitos duradouros”, segue o CDC. “Vacinar o seu filho de cinco anos ou mais o protege de pegar covid-19. Também o protege da doença grave, hospitalização e de desenvolver complicações a longo prazo se ele pegar covid-19”, afirma o órgão, referência no mundo.
O médico infectologista Alexandre Zavascki, chefe do setor de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento, médico no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tranquiliza que vacinar crianças “é muito seguro”.
— Os estudos com crianças abaixo de 11 anos mostram que elas tiveram praticamente nada de efeito adverso. E um ponto favorável é que elas têm resposta imunológica muito boa a duas doses de vacina, inclusive a CoronaVac, que poderia e deveria ser usada para esse grupo. Ao longo dos últimos dois anos, tivemos uma profusão muito rápida de informações, então, você tinha muita informação preliminar sendo liberada. No começo, se achava que criança não transmitia. Isso colou nas pessoas. Mas, pela metade do ano, já víamos que não era bem assim. Agora, na metade do ano, já sabemos que criança é vetor. Vimos muitos casos de crianças que passaram para seus avós, que não tiveram um bom desfecho. Crianças são importantes para o controle da epidemia. Além de ser proteção para elas, porque há covid longa em crianças — diz Zavascki.
Até o fim de novembro, 1.412 casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica foram registrados no Brasil, dos quais 85 resultaram em óbito, segundo o mais recente boletim epidemiológica do Ministério da Saúde sobre o tema. A doença causa cansaço, febre alta e persistente, manchas vermelhas no corpo, conjuntivite, lábios rachados, dor no abdômen, diarreia, dor de barriga, vômito e erupções cutâneas – não necessariamente há problemas respiratórios.