Como ficou definido em lei aprovada na Câmara no início da pandemia, depois do fim da crise sanitária gerada pela pandemia, ficará por conta do Conselho Federal de Medicina (CMF) regulamente a prática da telemedicina no Brasil. O 1º vice-presidente do CFM, Dr. Donizette Giamberardino Filho, também defende que a telemedicina é algo que veio para ficar. Segundo ele, não se discute a continuidade ou não, mas como serão executados os trabalhos.
Atualmente, uma comissão do conselho trabalha no regulamento. As discussões principais sobre a regulamentação são: se a primeira consulta será presencial ou não, do território onde o profissional poderá trabalhar e na igualdade de pagamentos para os profissionais, independentemente de atuarem com teleatendimento ou presencialmente.
— Ela (telemedicina) veio pra ficar, mas é mais uma opção. Veio para trazer acesso, não para substituir o ato presencial do médico. Está se discutindo uma tendência de que a primeira consulta seja presencial, para estabelecer relação a médico/paciente. Depois, podem ser a distância. Isso também visa a segurança, visa aproximar pacientes que tem doenças crônicas, que precisam ser acompanhados por longo período — diz o médico.
Donizette não confirma a decisão, pois ainda cabe discussão antes de o regulamento ser aprovado. Esse primeiro contato presencial influenciaria noutro ponto da discussão: a territorialidade. Presencialmente, um médico pode atender no Estado onde tem seu registro. Se atende em mais de um Estado, precisa de mais de um registro. Com a primeira consulta presencial em seu território de atuação, o profissional teria liberdade para que os demais atendimentos sejam remotos.
— Hoje, se um médico quiser atender no país todo, precisa de 27 registros profissionais. Seria injusto isso ser diferente na telemedicina — exemplifica Donizette.
O vice-presidente do CFM ressalta, entretanto, que a decisão não seria radical. O médico entende a necessidade de que "se olhe para os diferentes Brasis que existem". Por isso, a regulamentação, mesmo que obrigue uma primeira consulta presencial, deve ter flexibilização para áreas remotas e de difícil acesso.
— A regulamentação precisa desse equilíbrio, porque ela vai atender ao SUS, mas também aos hospitais particulares, aos planos de saúde. O país ainda não está pronto para que todos os serviços sejam por telemedicina — defende o integrante do conselho.
Outro ponto também defendido pelo conselho é a criação de plataformas seguras para o contato entre pacientes e médicos. O uso de redes sociais e aplicativos como WhatsApp não é bem visto pela entidade, pois há necessidade de que todos os registros fiquem guardados em prontuários médicos, não apenas nos próprios aplicativos.
Associação diverge
A discordância sobre a obrigatoriedade de uma primeira consulta presencial foi relatada por todos os médicos ouvidos durante a produção da reportagem. Mas, não somente estes profissionais tem ressalvas quanto ao item. Outra entidade nacional representativa da classe também diverge do conselho. É a Associação Médica Brasileira (AMB). Em diversas publicações e manifestações públicas, o órgão já expôs sua visão em defesa da independência do médico em decidir quando e se um atendimento presencial é necessário.
"Defendemos que o médico tenha garantida a liberdade ética de ação no âmbito da telemedicina, como em todos os outros. Cabe exclusivamente a ele considerar como válida ou não, segundo sua própria avaliação, a primeira consulta feita por meio de plataformas digitais. Se avaliar que a primeira consulta se dará com segurança e qualidade, respeitando as diretrizes da melhor Medicina e do Código de Ética Médica, perfeito. Caso prefira o contato inicial presencial, também está perfeito. Desde que haja concordância do paciente, em quaisquer definições", escreveu em artigo publicado no final de junho o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes.
Que a telemedicina vai se consolidar, não há dúvida. Entretanto, a discussão sobre o primeiro contato ainda deve gerar longas conversas e análises entre profissionais e suas entidades representativas.
Médicos defendem autonomia
Por mais que a telemedicina seja uma solução bem-vinda para a realidade brasileira, principalmente, para atendimentos em pontos de difícil acesso do país, alguns atendimentos presenciais seguem indispensáveis. Entretanto, definir quando esse atendimento deve acontecer é uma decisão médica, como defendem profissionais.
Acontece que um dos pontos da regulamentação futura da profissão está na possibilidade que o primeiro contato tenha de ser obrigatoriamente presencial. Referência na área da telemedicina, o Dr. Carlos André Aita Schmitz, coordenador de Tecnologia da Informação (TI) no Telessaúde-RS e professor na UBS Santa Cecília, acredita que limitar o acesso do paciente é "estúpido e perigoso".
— No momento em que um primeiro contato seja obrigatoriamente presencial, um paciente pode desistir e resolver se automedicar, por exemplo. O paciente precisa do que for melhor para ele. E quem define o que é melhor é um profissional de saúde. Cada caso deve ser discutido — pontua Aita.
Na visão do profissional, a discussão, além de delicada, está muito atrasada.
— A revista Science (uma das revistas acadêmicas mais prestigiadas do mundo) documenta a primeira consulta feita por uma ligação em 1879. No Brasil, estamos discutindo 145 anos depois se o primeiro contato pode ou não ser por esse meio? — questiona.
Para o Dr. Marcelo Gonçalves, um exemplo clássico é modelo de atendimento referenciado existente no Rio Grande do Sul. Diariamente, veículos partem de todos os pontos do Estado para trazer pacientes até hospitais de referência, principalmente, em Porto Alegre. O uso de telemedicina evita boa parte destes deslocamentos, trazendo conforto, segurança e gerando grande economia de tempo aos pacientes.
— Hoje, um paciente vem na consulta, recebe uma solicitação de exame. Volta depois para mostrar o exame. Qual a necessidade de todo esse deslocamento? O exame pode ser solicitado e apresentado remotamente.
Aita ainda ressalta que num país com de dimensões como o do Brasil, quanto mais opções estiverem disponíveis para sanar desigualdades, mais se reduz o risco de que um paciente deixe de receber os devidos cuidados.
— É melhor atender com um telefonema ou deixar de atender? — questiona o profissional.
Leia as outras partes desta matéria