Neste mês, o perfil da pandemia no Rio Grande do Sul inverteu uma tendência que se mantinha desde setembro do ano passado e passou a acumular mais doentes com covid-19 em unidades de terapia intensiva (UTIs), onde são atendidos os casos críticos, do que em leitos clínicos destinados a receber pacientes de menor gravidade.
Na avaliação de especialistas, essa alteração reflete o recuo da pandemia nas últimas semanas e favorece um cenário com menos casos de alto risco e óbitos nas próximas semanas. Porém, um eventual impacto da variante Delta pode frustrar essas expectativas se a população não mantiver os cuidados necessários.
Conforme os dados do Boletim de Hospitalizações e do painel de monitoramento da Secretaria Estadual da Saúde (SES), nesta quinta-feira (29) os hospitais gaúchos contavam 847 pessoas com coronavírus sob tratamento intensivo e 708 em alas de enfermaria até as 15h — em um panorama que se mantém desde o dia 15 de julho. Ao longo dessas duas semanas, a quantidade de hospitalizados com diagnóstico de covid caiu 42% nos setores clínicos e 32% nas alas de terapia intensiva.
O registro de menos pacientes intermediários em comparação àqueles em UTIs repete um quadro que não era visto desde setembro do ano passado, por um curto período, quando a circulação do vírus também estava em declínio no Rio Grande do Sul.
— Há cerca de 30 dias, já vínhamos acompanhando essa tendência, que é seguida por outros indicadores compatíveis com o avanço da vacinação, como pessoas internadas com perfil cada vez mais jovem, e uma quantidade de hospitalizações que já nos coloca novamente em patamares que tínhamos no ano passado — avalia o diretor de Auditoria do SUS da secretaria, Bruno Naundorf.
Conforme o doutor em matemática e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Krüger Ramos, quando se contabilizam os casos suspeitos além dos confirmados para coronavírus, as hospitalizações em UTI superam as de leito clínico pela primeira vez desde que ele começou a monitorar esses indicadores, em abril do ano passado, ainda no começo das contaminações.
— Isso denota decrescimento da gravidade da pandemia. Leitos clínicos são a porta de entrada das UTIs, e pacientes passam muito mais tempo internados em UTIs do que em leitos clínicos, de modo que UTIs têm a tendência de decrescer mais lentamente — analisa Ramos.
O infectologista e professor da UFRGS Luciano Goldani concorda com essa avaliação. Analisada em contexto com a recente tendência de queda no número de internações de pacientes críticos, de doentes intermediários e de óbitos, o panorama sugere uma redução do impacto do vírus na sociedade.
— Essa inversão indica que a quantidade de pacientes com as formas leves e moderadas está em queda mais acelerada do que a de doentes mais graves. Uma das razões para isso é que a hospitalização em UTI costuma ser mais demorada, então a tendência de recuo é mais lenta — analisa Goldani.
Uma das razões para a mudança percebida nos hospitais é o avanço da imunização, que superou 56% de toda a população gaúcha com pelo menos uma dose e 26% com esquema vacinal completo. Mas o infectologista lembra que o cenário atual, embora bem mais favorável do que em outros momentos da pandemia, ainda não está consolidado.
— A covid é uma doença que provoca muitas surpresas. No ano passado tivemos uma queda importante, e depois uma nova onda muito forte. Obviamente, naquele período ainda não tínhamos o benefício da vacinação, mas ainda temos uma população jovem pouco vacinada e uma nova variante entrando no país (Delta). Precisamos vacinar o mais rápido possível e manter as medidas preventivas — orienta Goldani.