Profissionais de saúde e estatística avaliam que os brasileiros ainda terão de conviver com o coronavírus em 2022, mas a hipótese mais cogitada pelos especialistas consultados por GZH é de que o avanço da imunização ajude a derrubar os índices de contaminação e permita um cenário de maior normalidade.
O nível de otimismo varia em razão de incertezas como a adesão da população às vacinas, a manutenção de medidas preventivas mínimas e o eventual avanço de novas variantes como a Delta. Uma das possibilidades é de que a covid-19 persista por meio de surtos registrados principalmente entre populações com menor cobertura vacinal.
Um artigo recente de uma publicação científica da Associação Médica Americana cogita quatro cenários para o futuro da pandemia: erradicação (redução global do vírus), eliminação (redução regional, com zonas livres da doença), coabitação (menos transmissão e poucos casos graves) ou conflagração (semelhante ao cenário atual).
Na avaliação majoritária de cinco especialistas em saúde ou estatísticas da pandemia ouvidos por GZH, a maior probabilidade para o Brasil seria de coabitação, com níveis de transmissão, casos graves e óbitos bem menores do que os atuais.
— A doença seguirá existindo, mas com pouquíssima circulação e casos graves muito isolados. É o cenário que considero mais provável, mas precisamos manter nosso ritmo atual de vacinação — observa o epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal.
O pesquisador em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Diego Ricardo Xavier aposta, caso se atinjam as metas de vacinação neste ano, em um panorama favorável a surtos localizados em vez de um descontrole generalizado:
— Ainda precisaremos combinar estratégias como aumento de testagem e rastreio de casos, ou teremos surtos, sim, com aumento de casos (nos locais de ocorrência).
Comportamento humano
Projeções mais exatas são dificultadas pelo desafio de prever não o comportamento do vírus, mas dos seres humanos: em grande parte, o cenário em 2022 será determinado por medidas que dependem da disposição dos brasileiros em seguir se vacinando, da garantia de doses suficientes por parte do governo federal e da preservação de ações como distanciamento e uso de máscaras até que a transmissão do vírus seja derrubada de fato.
— Ainda estamos muito distantes da cobertura vacinal que efetivamente reduz a circulação do vírus, que exige duas doses ou vacinas de dose única. Estamos ao redor de 18% da população, enquanto é preciso algo em torno de 75%. Até lá, a alta circulação do vírus favorece o surgimento de variantes como a Delta, que podem colocar a perder muito do que já avançamos — explica o epidemiologista do Hospital de Clínicas da Capital Ricardo Kuchenbecker.
Mesmo parcial, a vacinação tem ajudado a reduzir a média móvel de mortes diárias (calculada com base nos sete dias anteriores), que segue em tendência de queda no país. Em duas semanas, até a segunda-feira (26) houve um recuo de 15% nesse número – variou de 1.303 para 1.107 ao longo desse período. A avaliação sobre a evolução recente de novos casos foi prejudicada pela inclusão, na sexta-feira (23), de mais de 60 mil exames positivos que estavam represados no Rio Grande do Sul. Isso gera um aumento artificial da média de contaminações.
Apesar disso, com base nas tendências gerais das últimas semanas, o doutor em matemática e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Krüger Ramos, que monitora as estatísticas da pandemia, acredita em uma evolução no combate ao coronavírus em 2022.
— Minha expectativa, compatível com os números que temos visto, é de que 2022 seja o ano de nos readaptarmos à normalidade. Vamos ter de conviver com a pandemia, talvez a covid-19 não vá embora. Mas, com a vacinação, será possível reduzir o número de óbitos para um cenário compatível com o da gripe sazonal — analisa o matemático.
Mas há especialistas bem menos otimistas em relação aos próximos meses. Professora de Epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Pellanda não crê em uma saída que não envolva um esforço internacional ainda ausente.
— Enquanto não aprendermos que a pandemia é um problema global, vamos perpetuar essa situação. Não adianta ter vacinação nos países ricos e não nos países pobres, porque vão se desenvolver novas variantes — acredita Lucia.
O mesmo problema, em sua avaliação, se repete no nível pessoal:
— Não adianta eu estar vacinada e ir a uma festa onde há não vacinados. Hoje, temos visto epidemias de não vacinados. Precisamos não só de vacina, mas também de cuidados de distanciamento, máscara e ventilação dos ambientes até interromper a circulação do vírus.
Medidas de prevenção ainda serão necessárias
Tudo indica que, apesar do avanço da vacinação e de recuos recentes em taxas de novos casos e óbitos por covid-19, os brasileiros precisarão manter algumas medidas de prevenção para evitar novos saltos de contaminação ao menos em parte do ano que vem.
Entre os mais otimistas, o epidemiologista Pedro Hallal acredita que talvez seja possível dispensar o uso de máscara entre o final deste ano e o começo do próximo:
— A retirada das máscaras se dará entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, se tudo continuar na mesma.
Há colegas que preferem manter maior cautela. Especialista em Saúde Pública da Fiocruz, Diego Ricardo Xavier lembra que outros países, mesmo com imunização muito mais avançada, ainda não puderam desconsiderar completamente ações de prevenção.
— O uso de máscara e, principalmente, o hábito de evitar locais de aglomeração devem persistir mesmo com o aumento da vacinação. Na Europa e na Ásia, mesmo com imunização acelerada, vemos a adoção de medidas restritivas. Aqui, não tem por que ser diferente — observa Xavier.
Para a professora de Epidemiologia da UFCSPA Lucia Pellanda , ainda não há como prever a dispensa de medidas não farmacológicas de proteção contra a covid-19:
— Houve um otimismo exagerado de que só vacina sozinha vai resolver. Não resolve. Tem de ser vacina e cuidados, e alguns cuidados talvez a gente vá ter de manter por muito tempo mesmo.
Quanto tempo? Para o epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, a resposta vai depender de dois itens fundamentais:
— O relaxamento do uso de máscaras depende de dois fatores: cobertura vacinal e baixas taxas de novas infecções. Ambos interdependentes.