Governo do Estado e prefeituras do Rio Grande do Sul acenderam o sinal amarelo após a confirmação, no último fim de semana, da existência de circulação comunitária, em solo gaúcho, da variante Delta, originária da Índia e mais transmissível. Como resposta, discutem aumentar a vigilância de novos casos de covid-19, distribuir mais testes e enviar vacinas a regiões com eventual piora na epidemia.
Até esta segunda-feira (26), havia três casos confirmados de infecção por Delta em solo gaúcho: dois em Gramado e um em Nova Bassano. Outros 11 estão em análise em Alvorada, Canoas, Esteio, Gramado, Passo Fundo, São José dos Ausentes, Sapucaia do Sul e Santana do Livramento.
Em países do Hemisfério Norte com vacinação mais avançada do que o Brasil, a Delta aumentou o número de hospitalizações e de mortes – em especial, na população não vacinada. Como resultado, nações europeias voltaram a impor restrições ao comércio, e Israel retomou a obrigatoriedade do uso de máscaras. A proteção de duas doses é considerada suficiente por cientistas.
Ninguém sabe com certeza se a Delta causará grandes estragos no Brasil, onde apenas 18,8% das pessoas recebeu duas doses, segundo dados do portal Covid-19 no Brasil. Ao contrário do Hemisfério Norte, onde a variante que mais circulava era a Alfa (originária do Reino Unido), no Brasil a cepa mais presente é a Gama (identificada em Manaus). Estudos indicam que a Delta é 50% mais transmissível do que outras variantes, mas o cenário de vida real pode ser diferente.
Autoridades ainda acreditam que a atual cobertura vacinal, a despeito de estar longe do ideal, deve reduzir o impacto da Delta de forma a evitar um colapso do sistema de saúde aos moldes de março e abril: hoje, 55% dos gaúchos receberam uma dose de vacina contra o coronavírus e 25%, duas.
No entanto, a população sem nenhuma dose – hoje, 55% dos brasileiros e 45% dos gaúchos – pode estar vulnerável, como mostra a experiência de outros países. Nos Estados Unidos, em apenas uma semana, o número de novos casos cresceu 70% e as mortes subiram 26%.
Como a Delta é bastante transmissível – cientistas australianos relataram à rede ABC News casos de infecção em shopping após convivência por 10 segundos –, há também o temor de que, nas próximas semanas, haja aumento em infecções, hospitalizações e mortes. O prazo para isso eventualmente ocorrer é incerto.
Quando a transmissão local em solo gaúcho da variante Gama foi confirmada, em 2 de março, a curva de casos no Rio Grande do Sul já era exponencial havia alguns dias e atingia 10 mil novas infecções por dia, o dobro de duas semanas antes, mostram estatísticas da Secretaria de Estado da Saúde (SES).
A grande transmissão antes da confirmação oficial em março indica que a cepa já era transmitida entre a população, mas não havia mapeamento genético do tipo de vírus em circulação. Hoje, especialistas afirmam que o problema persiste e que o Brasil segue incapaz de identificar e conter novas variantes. No entanto, diferentemente de março, a média móvel está em queda, com 800 novos casos diários no sábado (24).
Para reduzir estragos da Delta no país, o Ministério da Saúde anunciou, nesta segunda-feira (26), que estuda reduzir o intervalo da segunda dose da AstraZeneca e da Pfizer de 12 semanas para apenas três. No Rio Grande do Sul, um vaivém fez o intervalo diminuir para 10 semanas e, dias depois, voltar para 12 semanas.
O governo federal ainda desenvolverá, com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um programa de testagem em massa no país. A ideia é realizar de 10 milhões a 12 milhões de exames mensais. Não há data para a ação entrar em vigor.
Para preservar a economia, autoridades gaúchas não vislumbram restrições às atividades, como fizeram Estados Unidos, Europa e Israel. Pretendem, por enquanto, monitorar eventual piora da epidemia e adotar medidas pontuais para frear o avanço do vírus e aguardar que o aumento da cobertura vacinal segure uma nova onda.
As prefeituras gaúchas já estão orientadas a acompanhar possível piora nas estatísticas de novos casos e a aumentar a oferta de testes para examinar quem teve contato com um caso confirmado, diz o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais da Saúde (Cosems-RS), Maicon Lemos.
— O que está em discussão é a probabilidade de uma contaminação por uma cepa com poder de transmissibilidade muito maior da vivenciada em março (Gama, de Manaus). A preocupação em outros países não pode ser diferente da que precisamos dimensionar para o Brasil e o Rio Grande do Sul. Se, em países com vacinação mais avançada, houve aumento significativo no número de casos, entendemos que não será diferente no Brasil. Com o avançar da vacinação, teremos um número menor de pacientes internados do que em março. Mas é importante acompanhar eventual aumento no número de casos — afirma Lemos.
Caso alguma região enfrente piora da epidemia, uma alternativa discutida é enviar mais vacinas para aumentar a proteção contra os habitantes, à semelhança da decisão do Ministério da Saúde de enviar 123 mil doses para habitantes de municípios da fronteira. O repasse é permitido se houver acordo entre governo do Estado e municípios, diz o presidente do Cosems-RS.
— Torna-se necessário avançar na imunização, o que municípios fazem conforme a disponibilidade de vacinas, e com a manutenção de cuidados preventivos, entre eles o uso de máscara. Orientamos aos municípios que ampliem sua fiscalização e que mantenham a testagem em alta. Se houve um comunicado com covid confirmado, que se garanta a testagem de todos os contactantes — acrescenta Lemos.
Ele destaca a importância de municípios manterem leitos hospitalares disponíveis para pacientes com covid-19, uma vez que a proporção de internados aumenta conforme houver muitos casos novos confirmados entre não vacinados. A observação se choca com a pressão hospitalar de pacientes em atendimento por outras doenças e cujo tratamento ficou em suspenso no último ano e meio.
Em meio à pressão econômica para manter comércios e atividades abertas, o Cosems-RS diz que, em uma eventual piora da epidemia, restrições poderão ser debatidas em último caso.
— Essa discussão poderá ser retomada se houver um grande aumento no número de casos. Mas estamos muito confiantes no efeito da vacinação — diz Lemos.
A diretora do Centro de Vigilância em Saúde do governo do Estado, Cynthia Goulart Molina-Bastos, afirma que o Estado já começou a se preparar para possível avanço da Delta, mas cita que o Rio Grande do Sul já vacinou a maior parte da população mais vulnerável à covid-19 e que a situação está mais confortável do que em março.
Como medida preventiva, ela cita a decisão do Palácio Piratini e de prefeituras para vacinar adolescentes com comorbidades, contrariando orientação do Ministério da Saúde. A mudança busca aumentar a proteção contra a população mais vulnerável.
Outra ação é nota técnica, a ser divulgada nos próximos dias, para sugerir, sem obrigar, o uso de máscara PFF2 ou N95 para viagens de ônibus intermunicipais, como forma de conter o espalhamento da Delta pelo Rio Grande do Sul. O governo ainda pretende expandir a testagem.
— A gente está em processo de compras de mais testes e estamos tentando organizar uma ação-piloto com a Serra para incentivar testes e comportamento seguro, pensando que não há mais espaço para fechar (atividades) — diz Cynthia.
A diretora do Centro de Vigilância em Saúde do Palácio Piratini diz que o Estado está mais atento à possível piora da epidemia do que em março e que a maior cobertura vacinal deve conter um aumento no número de hospitalizações e mortes:
— Temos capacidade de expandir leitos de forma rápida. E tem uma grande questão: as pessoas não vacinadas agora teoricamente são as mais jovens e de menor risco, porque (pessoas com) comorbidades abaixo dos 18 anos já estão sendo vacinadas. Estamos em situação confortável, com a maioria dos vulneráveis com duas doses — diz.