A chegada da variante Delta ao Brasil, com suspeita de presença no Rio Grande do Sul em investigação na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), reforçou o receio de que o país pode enfrentar nova onda da pandemia. A última, entre fevereiro e abril, chegou a registrar uma média móvel de 4 mil mortos por dia – já a média móvel de mortes nos últimos sete dias ficou em 1.297.
Em países como Índia, Reino Unido, Holanda, Portugal e, ultimamente, Estados Unidos, a Delta vem causando nova onda de hospitalizações e de mortes – mas as maiores vítimas são os não vacinados.
Nações com vacinação mais avançada observam aumento de internações e óbitos em ritmo bem menor do que no crescimento de casos. O Estado norte-americano de Massachussetts, por exemplo, registrou 5.057 mortes por coronavírus desde que a vacinação começou, em janeiro. Destas, 4.986 não estavam vacinadas e apenas 71 haviam completado o esquema vacinal , reportou nesta terça-feira (13) o jornal Boston Herald.
Especialistas entrevistados por GZH nos últimos dias afirmam, em sua maioria, que o Brasil pode enfrentar nova onda epidêmica, mas não no mesmo patamar registrado entre fevereiro, março e abril – graças ao avanço da vacinação.
Dados do Portal Covid-19 no Brasil mostram que 40% dos brasileiros receberam a primeira dose da vacina e 15%, a segunda. A cobertura varia regionalmente: no Rio Grande do Sul, quase 50% dos gaúchos receberam a primeira aplicação e 20%, a segunda. Em Porto Alegre, 38% dos habitantes estão com esquema completo.
A atual cobertura, contudo, não é suficiente para evitar surtos em regiões com grande número de não imunizados. Em um cenário no qual governos demonstram que não adotarão novas restrições de circulação, a aposta é no avanço da vacinação, nos cuidados dos brasileiros e na observação se a Delta tomará o espaço da Gama, a variante surgida em Manaus que causou a última onda da epidemia no Brasil.
O médico Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), não descarta uma piora em relação ao cenário atual, mas cogita que a vacinação pode formar um “colchão” de proteção e que Estados com campanha mais avançada na segunda dose, como Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e São Paulo, estarão em situação mais confortável.
— Tem um número mágico: 30% de pessoas com esquema vacinal completo. Quando se atinge isso, o número de novos casos pode continuar subindo, mas não aumenta tanto o número de casos graves. Nossa imensa maioria da população está suscetível, mas a cobertura atingiu determinado nível em algumas regiões — diz Sprinz.
O médico Marco Aurélio Sáfadi, professor de Infectologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, também avalia que, a despeito da maior transmissibilidade, a vacinação deve evitar uma grande piora.
— A gente sabe que a Delta é mais transmissível. Ainda assim, acho improvável reviver o que passamos. O caminhar da vacinação indica que a gente deve viver no Brasil um cenário de melhora nos próximos meses — comenta Sáfadi.
Para o virologista Maurício Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, pessoas vacinadas estarão mais protegidas, enquanto os não imunizados devem ser os mais vulneráveis.
Ainda assim, Nogueira pontua que a variante Alfa, originária do Reino Unido, chegou ao Brasil e não conseguiu prevalecer sobre a Gama, identificada primeiramente em Manaus. Pela mesma lógica, não há como saber se a Delta causará grandes estragos.
— Temos um contingente razoável de vacinação, longe do ideal, mas que deve trazer um impacto nessas faixas da população. Há ainda uma parcela importante sem vacina, e vai ser nessa faixa da população que a Delta vai ocupar espaço. Minha pergunta é: até que ponto a P.1 deixou um nicho ecológico? Uma quantidade importante da população mais jovem, ainda não vacinada, foi acometida pela variante P1. Será que sobrou tanta gente para ficar doente? — questiona Nogueira.
O médico infectologista Estevão Urbano, professor de Infectologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), não descarta que a Delta traga uma nova onda no Brasil e diz que o país precisa estar “extremamente atento” à cepa.
— Não sabemos o quanto ela pode impactar os níveis de transmissão, hospitalizações e óbitos, assim como na eficácia da vacinação. Na pior das hipóteses, pode haver novas ondas. Precisamos de mais monitoramento e distanciamento social para evitar uma nova explosão — observa.
O virologista gaúcho Fernando Spilki, uma das maiores autoridades do país sobre o assunto e coordenador da Rede Corona-Ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), também destaca a dificuldade de ler o cenário brasileiro tendo como base a realidade estrangeira.
— Preocupados todos estamos. Mas nosso contexto epidemiológico é diferente dos países onde a Delta causa problemas. Enquanto eles estavam fechados e com vacinação mais avançada, aqui tivemos surtos em proporções estrondosas 90 dias atrás. A variante Gama continua muito importante. Vamos ver, é um filme que está passando em nossa frente — diz Spilki.