O impacto monumental da pandemia alterou a vida da população de todo o mundo, começando pelos hábitos e pelas tarefas mais corriqueiros do dia a dia. Um estudo colaborativo de instituições brasileiras e do Exterior, incluindo o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está avaliando como as mudanças na rotina, no sono e na organização do tempo de cada um se relacionam com a saúde durante a crise sanitária provocada pelo coronavírus.
Os participantes respondem a questionários online elaborados pelos pesquisadores — representando, além do HCPA e da UFRGS, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade McMaster, do Canadá, e a Innova Space, do Reino Unido.
Flexibilização dos expedientes de trabalho, hábitos de sono, exposição a telas (computador, celular, tablet, televisão), horários das refeições e prática de atividades físicas estão entre os aspectos observados. O chamado sistema circadiano sincroniza as funções do corpo humano ao ambiente. Passar mais tempo trabalhando em casa, sem exposição adequada à iluminação natural, por exemplo, impacta o organismo, que precisa entender o ciclo claro-escuro dos dias e das noites, ajustando suas funções a isso. A ideia dos estudiosos é analisar como o funcionamento interno se associa à saúde mental e propor melhores práticas, considerando-se também o período pós-covid.
No Estado, integram a equipe que conduz o levantamento a psiquiatra Maria Paz Hidalgo, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia e Sono do HCPA/UFRGS, e a biomédica Luísa Klaus Pilz, doutora em Psiquiatria e Ciências do Comportamento. Luísa resume os resultados analisados até aqui:
— Há uma associação dos problemas de sono com sintomas de depressão e ansiedade. Vimos também que pessoas com rotinas mais regulares têm menos sintomas depressivos e de ansiedade.
Um dado sobre a possibilidade de escolha ou não dos horários de trabalho chamou a atenção: pessoas que puderam flexibilizar suas jornadas dormiram mais em relação àquelas que não tiveram a opção de mudar de acordo com a sua vontade. Na prática, isso pode ser representado por uma reunião agendada para o final da manhã, o que permite que o funcionário durma até mais tarde, por exemplo. Possivelmente, o tempo de deslocamento da residência até a empresa também pôde ser investido em sono.
— O importante é regularidade. Ter rotinas regulares para se alimentar, fazer exercícios e dormir é importante para a saúde mental. Para quem reporta problemas de sono, é maior a chance de reportar sintomas depressivos e de ansiedade — acrescenta a biomédica.
Como dica para uma vida melhor, a pesquisadora também sugere que se evite o uso excessivo de dispositivos com telas à noite — com muitos estímulos luminosos depois que o sol se põe, o organismo pode entender que ainda é dia. O ideal é reduzir a iluminação da casa, ter luz amarela e não branca no quarto e manter um clima tranquilo.
— É preciso haver diferença entre dia e noite para podermos nos organizar. Se passo o dia inteiro em um ambiente sem janelas e mantenho a TV ligada à noite, fica mais complicada essa organização. Não usar telas de noite é especialmente importante quando não se tem exposição à luz natural de dia — recomenda Luísa.