Depois da autorização para que a telemedicina entrasse no hall das saídas possíveis para os gargalos gerados pela pandemia, a área da saúde deu início aos trabalhos de aplicação do serviço nas rotinas de atendimento. No Rio Grande do Sul, durante 2020, milhares de atendimentos eletivos foram cancelados e pacientes deixaram de ser recebidos por especialistas, principalmente, aqueles que vem do Interior para Porto Alegre.
Em outubro do ano passado, o Diário Gaúcho mostrou que 650 mil consultadas deixaram de ser oferecidas na Capital entre março e outubro de 2020. Mas esse número poderia ser ainda maior. Naquela época, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) já havia iniciado o atendimento de pacientes por meio do teleambulatório criado no hospital — foram 32 mil atendimentos no período entre março e outubro passado. Ainda assim, havia 67 mil atendimentos que foram cancelados, e 30% dessa demanda foi aglutinada pelo teleambulatório. O monitoramento de pacientes em recuperação da covid-19 também ficou a cargo do time formado por médicos e especialistas de outras áreas, como nutricionistas, fonoaudiólogos ou gastroenterologistas.
— Estamos trabalhando na criação de um ambulatório pós-covid, para acompanhamento de pacientes com sintomas prolongados da doença. Se pensarmos que 10% dos contaminados terão esse quadro, seriam 130 mil pessoas somente no Rio Grande do Sul necessitando de um acompanhamento que pode ser feito integralmente de maneira remota — projeta o médico George Mantese, professor no teleambulatório do HCPA.
Além de pacientes que são do próprio hospital, como aqueles que passam pela emergência ou atendimentos internos, o teleambulatório também auxilia na regulação de pacientes encaminhados de todo Estado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-RS). Conforme George, juntando todos os serviços do teleambulatório, são realizadas cerca 160 tentativas de contato por dia, com uma média de 100 pacientes atendendo essas ligações.
UBS Santa Cecília tem 27% dos atendimentos feitos por telessaúde
Saindo do Teleambulatório no segundo andar do HCPA e caminhando pelos corredores internos, chega-se até a Unidade Básica de Saúde Santa Cecília, gerida pelo próprio hospital. Não é um posto de saúde comum, o movimento intenso de médicos nos corredores, muitos deles ainda estudantes de medicina, mostra o espaço como uma sala de aula em constante movimento.
E nesse espaço de aprendizado, a nova realidade trazida pela pandemia já ganhou cadeira cativa. Em pontos ainda adaptados, como num dos corredores da UBS, computadores se transformaram em consultórios. Ali, residentes da medicina trocam o estetoscópio pelos headsets (fones de ouvido com microfones). A melhor análise vem do ouvido, de perceber na fala do paciente e na informações que ele passa quais os procedimentos a serem seguidos. O atendimento de forma remota na rede básica tem sido muito bem aceito, principalmente, pelos idosos. Isso porque o fim da necessidade de ir ao posto apenas para renovar uma receita ou apresentar um exame economiza tempo, traz segurança e conforto.
Mas, como uma receita virtual ou uma solicitação de exame pode ter sua autenticidade confirmada? Agora, esses documentos são gerados com um código que pode ser validado no site do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers). O paciente recebe a solicitação e, quando vai ao estabelecimento solicitado — farmácia ou laboratório, por exemplo — tem a validação por meio da assinatura digital no site do Cremers. Neste ano, dos 17.134 atendimentos realizados na UBS Santa Cecília até junho, 4.677 foram por meio do teleatendimento — o que representa 27%.
— Ter cerca de 20% dos atendimentos por telessaúde é um objetivo do HCPA — cita o professor no serviço de Atenção Primária do HCPA, Marcelo Rodrigues Gonçalves.
Capital: 10 unidades trabalham com modalidade
Em Porto Alegre, não é só o posto de saúde nas dependências do HCPA que já trabalha com a telemedicina. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) também tem apostado na iniciativa. Há alguns anos, GZH mostra como as teleconsultorias e telediagnósticos auxiliaram a prefeitura na redução da fila do SUS na Capital. Agora, com a autorização da telemedicina durante a pandemia, o telefone veio como solução para evitar deslocamentos desnecessários até as UBSs.
Caroline Schirmer, diretora de Atenção Primária da SMS, explica que é importante ressaltar que o uso na rede é amplo, abrangendo mais do que só médicos, mas também passando por dentistas, enfermeiros e demais especialidades de uma UBS. No momento, 10 unidades de saúde trabalham com agendas de telessaúde, entre elas, o posto Modelo, uma referência na cidade. A prefeitura também tem parceria com o programa Conexão Santa Casa, do complexo hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Pela plataforma, são atendidos por teleconsultas pacientes com sintomas de covid-19.
— Temos o cuidado com pacientes de alta hospitalar. Por exemplo, uma mãe que teve alta com bebê recém-nascido, precisa de uma primeira consulta em sete dias, ela já sai desse hospital com isso marcado para receber por teleatendimento. Não é só consulta, é monitoramento de tratamento de doenças como a sífilis, por exemplo, onde conversamos com o paciente se ele tem feito o uso correto dos medicamentos, se tem ido às consultas presenciais. Até o uso de plataformas para fazer cursos e treinamentos aos profissionais de atenção primária. Estamos trazendo esse mundo virtual para a nossa realidade permanente — conta Carol.
Projeto no Posto Modelo
Conforme dados da SMS, somente neste ano, foram 631 atendimentos realizados nestas unidades, atingindo 556 pacientes — os dois números são diferente pois um paciente pode ser atendido mais de uma vez. No Modelo, um projeto-piloto tem focado no atendimento aos idosos por meio das teleconsultas, principalmente, para renovação de receitas e solicitação de exames. E, além das 10 unidades com teleatendimento contínuo, todas as UBSs do município têm períodos da agenda dos profissionais reservados para dedicação a atendimentos remotos, se houver disponibilidade e necessidade nos locais.
Coordenadora do projeto-piloto no Modelo, a médica de família e comunidade Rafaela Aprato Menezes conta que cerca de 70% dos atendimentos feitos por teleconsulta têm sido resolvidos sem a necessidade de que o paciente se deslocar até o local. Quando a necessidade de um exame físico é constatada durante a ligação, o paciente recebe uma data e horário para ir ao Modelo, sem precisar esperar em filas ou passar pelo acolhimento na chegada ao espaço.
— Conseguimos solicitar exames, encaminhar a solicitação ao paciente e eles mesmos nos encaminham os resultados depois. Tudo sem a necessidade se deslocar até o posto — pontua Rafaela.
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