O conhecimento sobre a covid-19 avança com a pandemia, que já soma mais de 14 meses desde o decreto oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS). Da pneumonia de origem viral verificada nos primeiros registros, a doença logo se provou uma ameaça ainda maior, classificada como sistêmica — enfermidade que pode acometer gravemente, além do pulmão, diversos outros órgãos, tecidos e funções. Restabelecer o bom funcionamento do aparelho respiratório está entre os grandes desafios dos profissionais da saúde na etapa da reabilitação.
Personagem essencial nas equipes multidisciplinares que assistem os infectados pelo coronavírus, o fisioterapeuta atua desde a admissão do paciente em ambiente hospitalar, no manejo dos suportes ventilatórios que auxiliam na respiração. O foco se amplia, ao longo da internação — monitorando também a ventilação invasiva, como o uso de respirador artificial, e não invasiva — e especialmente após o período na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para a recuperação funcional.
Quem desenvolve a covid-19 pode ter sintomas persistentes mesmo quando os quadros são leves. Hospitais e clínicas já organizam setores específicos para o tratamento pós-covid, focado no atendimento dos sintomas persistentes mais comuns: fadiga, dispneia (falta de ar), tosse, fraqueza, dores articulares, musculares, de cabeça e no peito. A fraqueza muscular pode ser periférica (braços e pernas) e respiratória, explica a fisioterapeuta Graciele Sbruzzi, chefe do Serviço de Fisioterapia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
— O que interfere muito no período pós-alta é se o paciente passou ou não pela UTI. Quanto maiores o tempo de internação, o uso de ventilação mecânica, o uso de sedativos, bloqueadores neuromusculares e corticoides, tudo isso contribui para que ele tenha um quadro de fraqueza muscular mais acentuado do que os pacientes que não passaram pela UTI — destaca Graciele.
Rodrigo Plentz, professor do curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UCSPA) e coordenador do Serviço de Fisioterapia da Santa Casa da Capital, explica que a musculatura respiratória também perde força e fica enfraquecida. O que faz o ar entrar e sair da caixa torácica são os músculos, que, debilitados, precisam ser recuperados.
— A capacidade de respirar fica menor, o paciente ventila menos. Percebe-se isso muito claramente quando a pessoa faz um esforço e precisa respirar, ventilar mais. Ela cansa mais, tem falta de ar — diz Plentz.
A maior parte dos pacientes apresenta redução na força muscular respiratória e na função pulmonar. No exame de espirometria, que verifica a quantidade de ar que uma pessoa consegue inspirar ou expirar, é muito frequente o resultado de distúrbio respiratório restritivo (redução na capacidade pulmonar). Estudo realizado no HCPA, em fase de finalização, apontou que 72% dos pacientes que têm alta hospitalar (todos com passagem por UTI) apresentam esse distúrbio e também fraqueza muscular respiratória e periférica.
— É muito alto — comenta Graciele sobre o percentual.
O plano terapêutico parte de uma avaliação do estado geral do indivíduo. Considerando-se todas as sequelas mais comuns, a reabilitação se baseia em uma tríade de treinos: aeróbio (caminhada leve ou bicicleta), de força (neuromuscular, com pesos ou caneleiras) e da musculatura respiratória (um equipamento faz o paciente inspirar oferecendo alguma resistência, sendo ajustável de acordo com a força muscular respiratória de cada um). A frequência e o tipo de abordagem também dependerão de como a pessoa se sente e do que pode fazer.
— Para alguns, uma caminhada de cinco minutos é muito esforço. Às vezes, tem pacientes tão graves que, ao começar a fisioterapia, dessaturam (sofrem redução na saturação de oxigênio no sangue). Tem quem faz o treino aeróbio em um dia e o de força no outro, enquanto outros conseguem tudo em um mesmo dia — exemplifica a fisioterapeuta.
A evolução do tratamento de reabilitação depende da gravidade do quadro — há escalas para medir esse fator.
— Quanto mais grave o paciente estiver ao chegar, mais tempo leva na recuperação. Os resultados podem demorar a aparecer, dependendo do caso. Tem que olhar como está a parte cardíaca, pedir hemograma para ver se não tem uma anemia, que interfere no exercício, perda de peso. Um profissional de nutrição pode ter que acompanhar. Também temos visto muito a prevalência de distúrbios neuropsiquiátricos, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, alteração de sono. Se não tratar a parte neuropsíquica, vai interferir no exercício também — comenta Graciele.
Sobre a reabilitação respiratória, Plentz complementa:
— Se teve forma leve de covid-19, o paciente se recupera mais rápido, em torno de quatro semanas. Forma moderada, oito semanas. Forma grave, meses. Isso se ele aderir ao tratamento. A grande maioria não faz.