Com o início da aplicação das primeiras injeções contra a covid-19 no país, uma dúvida emerge: quando o impacto da vacinação no controle da pandemia será notado? Para três analistas consultados por GZH, isso só deve acontecer quando for ampliada a cobertura vacinal de idosos e profissionais da saúde, os mais suscetíveis a casos graves da doença.
Há vários fatores a serem considerados nas estimativas de quando a pandemia perderá força: a campanha de vacinação está em ritmo baixo, há atrasos por falhas na logística (como a demora para obter o ingrediente farmacêutico ativo, o IFA), a população brasileira é grande, há mutações do vírus que podem reduzir a eficácia das vacinas e as imunizações compradas pelo Ministério da Saúde são de menor eficácia – é necessário, então, aplicar doses em mais pessoas para alcançar algum benefício na comunidade.
Na prática, analistas destacam que, no início, a tendência será de queda no número de hospitalizações e de mortes, uma vez que os primeiros vacinados são os que correm mais risco de vida e estarão protegidos. Depois, conforme a campanha englobar mais brasileiros, o número de casos cairá.
— Eu diria que, para ter algum efeito, precisamos de pelo menos 30% da população imunizada. Não é um número definitivo, mas a conta é que, se tem 11,3 milhões de gaúchos, precisamos de uns 3 milhões de vacinados para começarmos a perceber uma diminuição importante na circulação — analisa Pedro Hallal, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador da maior pesquisa do mundo sobre a prevalência de coronavírus na população, a Epicovid.
A projeção de Hallal conversa com a estimativa citada pela chefe da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual da Saúde (SES), Tani Ranieri. Em entrevista a GZH na segunda-feira (25), ela projetou que os efeitos da vacinação na curva epidemiológica do Rio Grande do Sul poderão surtir efeito quando 70% dos grupos prioritários forem vacinados. Como há 4,1 milhões de pessoas nesse contingente, seria o equivalente a 2,87 milhões de gaúchos.
Até o momento, o Rio Grande do Sul vacinou 93,4 mil pessoas. No caso do Brasil, a estimativa exigiria vacinar 63 milhões de pessoas – até agora, mais de 750 mil pessoas foram imunizadas.
A projeção de 30% da população imunizada não deve ser confundida com a estimativa de 70% de vacinados necessários para atingir a imunidade de rebanho, cogitada no ano passado. A porcentagem maior proveria um “cobertor vacinal”, o que, em tese, acabaria com a transmissão e colocaria um fim à pandemia. Já os 30% representariam um patamar para os primeiros efeitos da vacinação começarem a ser sentidos.
Precisamos chegar a um número mágico: vacinar 2 milhões de pessoas por dia. Quando isso acontecer, vacinaremos toda a população brasileira em cem dias e aplicaremos a segunda dose em 200 dias. Se fizermos isso, entraremos no rumo certo para chegar ao meio do ano com uma grande quantidade de vacinados
PEDRO HALLAL
Professor de Epidemiologia na UFPel
— Precisamos chegar a um número mágico: vacinar 2 milhões de pessoas por dia. Quando isso acontecer, vacinaremos toda a população brasileira em cem dias e aplicaremos a segunda dose em 200 dias. Se fizermos isso, entraremos no rumo certo para chegar ao meio do ano com uma grande quantidade de vacinados. Não sei se chegaremos a isso, as informações atuais inclusive não permitem, o governo jogou fora 70 milhões de doses da Pfizer, mas tenho expectativa de que o Brasil retomará o espaço como referência mundial em campanha de vacinação — afirma Hallal.
Israel, país cuja campanha de vacinação é tida como exemplo, imunizou 40% dos 8,8 milhões de habitantes cerca de três semanas após a primeira aplicação. Segundo dados do Ministério da Saúde local analisados pela empresa Maccabi Health Services, a queda nas hospitalizações por coronavírus foi de 60% em um intervalo de 23 dias após a primeira dose da Pfizer e dois dias após o reforço, reportou o jornal The Times of Israel.
— A vacinação no Brasil está devagar. Com o atraso do ingrediente farmacêutico ativo, só terminaremos de vacinar os primeiros grupos prioritários em abril, já que a Fiocruz estimou começar a entregar as doses em março. Vacinando com cobertura alta os dois primeiros grupos, de profissionais da saúde e idosos, reduziremos óbitos mais rapidamente. Depois, quando você amplia a vacinação para outros grupos, continua tendo melhoria em óbitos, mas também em casos — afirma o médico Guilherme Werneck, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor de Epidemiologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O sucesso de Israel pode estar associado ao fato de que a pandemia estava melhor controlada no país (vigora um lockdown) e ao uso da vacina da Pfizer, que tem 95% de eficácia. O Brasil só fechou acordo para usar a CoronaVac, com eficácia de 50,4% no geral e potencial de redução de 78% dos riscos de hospitalização, e a vacina de Oxford, com 70% de eficácia.
A diferença na taxa afeta o controle da pandemia: um imunizante que confere menor proteção exige que o governo aplique doses em mais pessoas para garantir mais indivíduos com anticorpos.
É por isso que Hallal cita que “para a proteção individual, injetar CoronaVac, Oxford ou Sputnik não muda nada, porque a pessoa estará protegida contra as formas graves, mas, para a proteção coletiva, faz grande diferença ter uma vacina de maior eficácia”.
— Se tenho uma vacina como a da Pfizer, com 95% de eficácia, basicamente todo mundo fica com anticorpos, portanto, preciso vacinar menos pessoas para ter 70% da população protegida (para alcançar a imunidade de rebanho e acabar com a pandemia). Mas, com a CoronaVac, a imunidade coletiva vai demorar mais a se formar. Por outro lado, tem vantagens em termos de armazenamento — acrescenta Hallal, já que o produto da Pfizer precisa ser mantido a -70ºC.
Não se sabe se as vacinas impedem que uma pessoa, apesar de protegida contra formas graves, infecte outros indivíduos. Mas, pela lógica, a campanha de imunização reduzirá a circulação da covid-19 ao impedir hospitalizações e mortes, explica Guilherme Werneck, da Abrasco.
— A vacina diminui as formas mais graves, e são essas que transmitem mais. Existe uma relação entre sintoma e transmissão. O cara que é assintomático transmite, mas menos do que o sintomático. Quanto mais sintomático, mais transmite. Se a vacina reduz a forma grave da doença, também reduz a transmissão — afirma.
Outra preocupação diz respeito ao risco de mais mutações do Sars-Cov-2 surgirem, o que pode arriscar o sucesso da campanha de vacinação, observa o médico Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
— Dependendo da quantidade de mutações de uma variante, talvez uma vacina não seja mais protetiva. A variante de Manaus abriga diversas mutações. Não sabemos ainda como as vacinas que existem hoje em dia se comportarão contra essa variante. Pfizer e Oxford informaram que são eficientes contra a variante do Reino Unido, mas não sabemos o que acontece contra a variante de Manaus — diz Sprinz. — Se a gente conseguir logo produzir, e não só comprar, vacinas em larga escala, talvez comecemos a observar um resultado positivo para o final deste semestre — conclui.
Quem pode se vacinar
Com o número bastante reduzido de doses disponíveis no Brasil neste primeiro momento da fase 1 do Plano Nacional de Imunização (6 milhões em todo o país, 340 mil no RS), a prioridade para receber as doses é dos profissionais da saúde que atuam no atendimento de pacientes com coronavírus, idosos que vivem em lares de longa permanência ou acima dos 75 anos e indígenas. Ainda não há vacinação aberta em postos de saúde para demais pessoas previstas nos grupos prioritários.