Por meio de sequenciamento genético e análises de bioinformática, pesquisadores gaúchos identificaram cinco linhagens diferentes do vírus causador da covid-19 em circulação no Rio Grande do Sul. Uma dessas cepas é nova, e vem sendo denominada VUI-NP13L. Os cientistas encontraram, ainda, dois casos de coinfecção por coronavírus – uma infecção simultânea por vírus com genomas distintos em um mesmo indivíduo – no Estado.
A descoberta faz parte dos resultados de estudos de amostras coletadas exclusivamente no Rio Grande do Sul. Os genomas sequenciados foram depositados em bases internacionais e o estudo foi submetido a um periódico científico. O anúncio acontece uma semana depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstrar preocupação com as novas variantes da covid-19, salientando a necessidade de fazer uma investigação meticulosa sobre possíveis impactos em vacinas, casos de reinfecções e coinfecções.
O material genético foi coletado pelo Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, que recebe espécimes clínicos de pacientes de 40 municípios do Rio Grande do Sul. A amostragem é realizada por funcionários de saúde dessas cidades e enviada ao laboratório juntamente com informações dos pacientes, como idade, sexo, sinais clínicos e possível contato com outros casos suspeitos ou confirmados. Para esses estudos, foram selecionadas 92 amostras de pacientes com faixa etária de 14 a 80 anos, sendo 50% homens e 50% mulheres.
Posteriormente, as amostras foram enviadas ao Laboratório de Bioinformática do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) para a realização do sequenciamento genético e análises de bioinformática. Foi possível confirmar a disseminação generalizada da variante E484K na proteína S, que é a mesma mutação do coronavírus identificada no Rio de Janeiro no mês passado.
— Isso é preocupante, pois sabe-se que essa mutação pode estar associada a um escape de anticorpos formados contra outras linhagens do vírus. É mais uma evidência de que essas novas linhagens podem causar problemas mesmo em pessoas que já tenham uma imunidade prévia contra o Sars-CoV-2 — afirma Fernando Spilki, coordenador do Laboratório de Microbiologia Molecular da Feevale.
Possibilidade de dispersão do vírus
Conforme os pesquisadores, os estudos realizados com amostras do Rio Grande do Sul geram preocupação devido à possibilidade de dispersão do vírus para outros Estados e países vizinhos da América do Sul. A região metropolitana de Porto Alegre concentra o maior número de casos, por isso, a análise do genoma ajuda a entender melhor a dinâmica, a estrutura populacional e as cadeias de transmissão locais do vírus.
Os pesquisadores também estão conduzindo experimentos in vitro com a nova linhagem encontrada no Estado, incluindo isolamento viral e investigação sobre neutralização ou não por anticorpos presentes no soro de pacientes infectados e recuperados. Os resultados dos estudos ainda não apontaram se essas novas linhagens da covid-19 são mais infecciosas ou mais agressivas. Também não há indícios de que elas sejam resistente às vacinas que estão sendo aplicadas ou em desenvolvimento, mas Spilki relata que isso está sendo monitorado.
Outro ponto importante foi a identificação da coinfecção, que foi encontrada em dois casos clínicos ocorridos no final de novembro. A coinfecção com a variante E484K não havia sido descrita até o momento. A preocupação é porque a mistura de genomas de diferentes vírus coinfectando o mesmo indivíduo, a chamada recombinação, é um fenômeno que está na base da evolução de coronavírus.
— Mas, apesar da coinfecção, os dois pacientes tiveram um quadro de covid-19 de leve a moderado e se recuperaram sem a necessidade de hospitalização — comenta a pesquisadora Ana Tereza Vasconcelos, coordenadora do Laboratório de Bioinformática do LNCC, lembrando a importância de se estabelecer medidas de distanciamento social para conter a propagação de novas variantes, potencialmente mais transmissíveis.
O trabalho foi realizado pelo laboratório coordenado pelo professor da Feevale e pelo Laboratório de Bioinformática (Labinfo) do LNCC, coordenado por Ana Tereza. Essa iniciativa faz parte da Rede Vírus, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da qual participam os dois laboratórios envolvidos na pesquisa. Segundo Ana Tereza, os dados visam alertar as autoridades sanitárias de que estudos sobre a dispersão do Sars-CoV-2 são extremamente importantes para a segurança de todos.