Os 50,4% de eficácia geral da CoronaVac, anunciados pelo Instituto Butantan nesta terça-feira (12), não devem ser motivo de desapontamento para a população. Apesar de ser bem menor do que a eficácia de vacinas como a da Pfizer (95%) e a da Moderna (94,5%), médicos e cientistas destacam a segurança da imunização produzida no Instituto Butantan e o potencial de impedir internações e mortes.
Ao mesmo tempo, a taxa não contradiz a eficácia de 78% contra casos leves da covid-19 e de 100% contra formas moderadas ou graves da doença, anunciados na semana passada. A eficácia geral da CoronaVac é de 50,38%, o que significa que a vacina reduz pela metade as chances de manifestação de sintomas para coronavírus, fossem sintomas muito leves, leves, moderados ou graves. O estudo não acompanhou assintomáticos. A taxa está acima do exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é de 50%. O estudo não avaliou pacientes assintomáticos.
— É uma excelente notícia. Teremos 50% de pessoas a menos buscando atendimento de saúde e uma proteção de 100% para casos que procurariam hospitais e UTIs. Teremos que vacinar mais as pessoas (para alcançar a imunidade de rebanho), mas, neste momento, no qual queremos combater rapidamente a pandemia, essa vacina é maravilhosa. Os paraefeitos (efeitos adversos) são mínimos — afirma Luciano Goldani, professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e médico infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Não houve registro de efeitos adversos graves e apenas 0,3% dos vacinados tiveram reação alérgica. Dos efeitos leves, o mais comum foi dor no local da injeção, mas também foram registrados dor de cabeça, fadiga e dor muscular.
A proteção de 100% contra casos moderados e graves foi calculada com base em uma amostra de sete voluntários que tiveram a doença no grupo placebo (que não recebeu a vacina). O próprio Butantan afirma que o número é pequeno para uma análise final e que serão necessários mais casos graves para estipular a estatística final de proteção contra essa parcela dos doentes.
— Ainda não tem significância estatística, embora esteja demonstrando uma tendência. Precisaremos de mais tempo para acompanhar se essa tendência se confirma — afirmou Ricardo Palácios, diretor médico de pesquisa clínica no Butantan.
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Juarez Cunha, destaca a importância da CoronaVac em evitar casos graves da doença, a maior preocupação, hoje, da ciência.
— Claro que temos produtos com eficácia melhor, como da Pfizer ou da Moderna, mas todos têm eficácia protetora contra formas graves. Isso nos deixa com tranquilidade porque isso é o que tem impactado nossa rede de saúde, com as pessoas precisando se hospitalizar, para além do absurdo de 200 mil mortes no Brasil. Se tivermos impacto importante em doença moderada e grave, já é um resultado bom — afirma Cunha.
Presente ao evento em que foi feito o anúncio da eficácia, a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (ICQ), destacou que a CoronaVac tem uma logística de distribuição fácil, à qual o Sistema Único de Saúde (SUS) está acostumado. É diferente das imunizações da Pfizer e da Moderna, que exigem ultracongeladores, algo complicado até mesmo para países ricos.
— Nós temos uma boa vacina. Não é a melhor vacina do mundo, não é a vacina ideal, é uma boa vacina que tem a sua eficácia dentro dos limites do aceitável pela comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde — afirmou Natália. — Ela é possível e adequada para o Brasil, compatível com a nossa capacidade de produção local, de armazenamento e cadeia de distribuição. A gente nunca falou que queria uma vacina perfeita. Queríamos uma vacina que nos permitisse sair desse potencial pandêmico, e isso a CoronaVac tem potencial de fazer. Permitirá o início do processo de controle da pandemia — acrescentou.
"Obstáculos" reduziram eficácia geral
Frente à vacina da Pfizer e da Moderna, a CoronaVac pode parecer pior, mas, na realidade, tem eficácia semelhante à de outras imunizações que fazem parte do Plano Nacional de Imunização (PNI). A vacina da gripe, por exemplo, usada contra o vírus influenza, tem eficácia entre 60% e 70%, mas em alguns anos, a depender da linhagem que circule, tem proteção por volta de 50%.
— A vacina do rotavírus tem 40% de eficácia para eliminar a doença e 80% para eliminar óbitos. Hoje, não vemos mais mortes por rotavírus no pais — destacou à Rádio Gaúcha Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
Confira a entrevista com Isabella Ballalai:
Ricardo Palácios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan, afirma que não é possível comparar a eficácia da CoronaVac à de outras vacinas contra covid-19. O motivo é que a imunização produzida em São Paulo enfrentou mais “obstáculos”, o que reduziu a eficácia geral, segundo ele.
A causa mais substancial é o grupo de voluntários escolhidos: apenas profissionais da saúde, que estão mais expostos à covid-19, diferentemente de vacinas cujos estudos incluíram a população em geral. Assim, ao fim do estudo da CoronaVac, mais pessoas haviam sido contaminadas e, por consequência, a eficácia geral da vacina acabou menor.
— Selecionamos, entre todas as populações possíveis, aquela em que a vacina poderia ser testada com a barra mais alta. Se quisermos comparar com diferentes estudos, é como comparar uma pessoa que faz uma corrida de um quilômetro em um trecho plano e outra que faz um trecho absolutamente íngreme, cheio de obstáculos. Foi o que fizemos: colocamos obstáculos ao selecionar a população para o estudo — afirmou Palácios.
Ele acrescentou que o Butantan conduziu o estudo em meio à segunda onda no Brasil, o que “colocou um estresse extraordinário”, e que o instituto ainda "baixou a régua" para diagnosticar os voluntários como confirmados para coronavírus.
— Outros estudos não incluiriam como possível caso o de uma pessoa com dois dias de dor de cabeça ou coriza, mesmo com teste de PCR positivo. Baixamos a barra para capturar até mesmo o caso mais leve da doença, o que prejudica a comparação com outras vacinas — disse Palácios. — Incluímos casos extremamente leves. A eficácia da vacina iria baixar, mas teríamos um maior número de casos. A vantagem é fazer um estudo mais eficiente — concluiu.