Conhecida de alunos e professores de várias escolas da região de Camaquã, a merendeira Gleci Dias Baum, 58 anos, cultivava dois sonhos. Um deles era a aposentadoria, após três décadas no serviço público. O outro era morar numa casa própria, acalentada tijolo a tijolo e que já começava a tomar forma. Não conseguiu concretizar nenhum desses objetivos. Morreu em 3 de maio, de complicações da covid-19, após 42 dias internada numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Gleci alternou por três décadas os trabalhos de agente educacional e merendeira, entre as cidades de Camaquã e Cerro Grande do Sul, onde morava. Em 17 de dezembro passado, ela ingressou com documentos para o processo de aposentadoria. Ainda aguardava a pensão, por conta de umas licenças-prêmio atrasadas, quando foi surpreendida por sintomas de gripe, relata o filho Jáder.
Ela buscou atendimento num posto de saúde, foi encaminhada ao Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã, e a gravidade era tamanha que acabou transferida para o Hospital da Ulbra, em Canoas. Lá ficou por 42 dias e não saiu mais da UTI.
Jáder acredita que o fato da mãe ter largado o cigarro há apenas oito meses, após décadas como fumante, pode ter contribuído para agravar o quadro respiratório dela. Já no hospital, Gleci contraiu uma pneumonia bacteriana, teve paralisia dos rins e, depois, acidente vascular cerebral (AVC) que a deixou sem fala, apenas com pequenos movimentos nos olhos. Os médicos fizeram uma videochamada para os filhos verem a mãe, mas ela não conseguiu interagir.
Jáder sofre só de lembrar o que define como via crúcis da mãe. Ela criou os filhos sozinha, desde 1989, quando o marido, Manoel Domir Teixeira Dias, morreu.
A residência dos Baum em Camaquã ficou com uma filha de Gleci. Ela foi morar em Cerro Grande do Sul, no apartamento emprestado por um irmão. Com ajuda dos filhos, começou a construir uma casa de dois pisos, pela qual ansiava muito. A residência estava na metade quando a covid-19 a prostrou.
Ela também tinha dado entrada com os papéis da aposentadoria. Morreu sem saber o resultado. A aposentadoria saiu em agosto, post-mortem. O governo pagou licenças-prêmio e alguns atrasados. A merendeira, chamada de “Tia Gleci” pelos alunos, não chegou a ver o dinheiro, nem desfrutar do descanso.
— Trabalhou até se internar no hospital — lamenta Jáder.
Ela deixa os filhos Jáder e Geane e os netos Larissa, Derick, Cauê e David.