O cacique caingangue Lourenço Amantino, líder da terra indígena Xingú, no município de Constantina (norte do RS), lutou décadas para que aquela área fosse reconhecida como propriedade dos índios. A covid-19 o matou em 22 de junho, aos 62 anos, sem que o sonho virasse realidade.
Os caingangues reivindicam 4,5 mil hectares de terras encravadas entre os municípios de Constantina e Novo Xingú. Nunca conseguiram. Vivem espremidos, de favor, num lote de apenas dois hectares (sete vezes menos do que o menor módulo agrícola do Rio Grande do Sul).
— Minha avó viveu numa aldeia aqui, décadas atrás. Depois, quando os governos brancos expulsaram os índios, os caingangues tiveram de ir para Nonoai. Ficamos lá até anos atrás, quando resolvemos vir para Constantina, atrás da nossa antiga área. Vivemos de acampamento em acampamento, em casa improvisada ou barraca, sem saneamento — descreve o filho mais velho de Lourenço, Gelcimar Amantino, que virou cacique com a morte do pai.
Foi a Constituição de 1988 que determinou que antigas áreas indígenas fossem devolvidas, mas os pedidos costumam levar décadas para serem analisados, até porque milhares de brancos hoje vivem nos terrenos reivindicados. É o que acontece entre Constantina e Novo Xingú, onde colonos brancos construíram agroindústrias, olarias e plantaram lavouras. É numa dessas áreas, cedida por empréstimo por um ex-prefeito, que os caingangues estão acampados há anos. Gelcimar diz que antropólogos fizeram laudos que confirmaram a ancestralidade caingangue no lugar, mas o processo de demarcação por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) está parado. Os índios vivem de cestas básicas fornecidas pelo governo federal e de serviços esporádicos, em olarias ou lavouras.
Entre um mate e outro, às margens do bonito Rio Xingú, onde está o acampamento, o cacique Lourenço costumava receber convidados e anunciar, num gesto largo: “Isso aqui um dia vai ser nosso”. Não conseguiu. Após gripe e dor de cabeça insistentes, foi internado num hospital de Passo Fundo em 13 de junho. Logo foi entubado e não recuperou mais a consciência. Morreu dia 22 daquele mês e foi sepultado com honras e visitas de outros chefes indígenas. Deixou seis filhos, 10 netos e um bisneto.