Pesquisadores desenvolvem, em todo o mundo, 160 estudos de vacinas contra o coronavírus. Por enquanto, apenas 21 estão na etapa de testes em humanos – e dois deles, listados entre os mais promissores, são realizados no Brasil.
A primeira a desembarcar no país foi a vacina produzida pela empresa AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, do Reino Unido, considerada a mais adiantada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde 23 de junho, doses estão sendo administradas em 5 mil voluntários brasileiros, em um acordo liderado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Depois, o Brasil entrou na rota da farmacêutica chinesa Sinovac Biotech. A vacina desenvolvida pela empresa, chamada de CoronaVac, começará a ser aplicada em 9 mil participantes do país a partir de 20 de julho, em um estudo coordenado pelo Instituto Butantan, de São Paulo. Entre os 12 centros de pesquisa que integram o ensaio clínico, está o Hospital São Lucas da PUCRS, de Porto Alegre.
Mas por que duas das mais prósperas vacinas tiveram seus testes da terceira fase, a última antes da distribuição da substância, se comprovada sua eficácia, direcionadas para o Brasil? O principal motivo, segundo especialistas, está no descontrole da pandemia no país.
– Esse conceito se aplica a qualquer vacina. Para testá-la, neste estágio, é necessário um local onde há grande quantidade do vírus para saber se ela realmente protege contra a doença. Então, para o bem ou para mal, neste momento, este lugar é o Brasil – afirma Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Neste momento dos dois ensaios clínicos conduzidos no país, pesquisadores trabalham com milhares de pessoas, divididas em dois grupos, para atestar o resultado da substância no organismo. Nas duas etapas anteriores, realizadas em uma quantidade menor de participantes, demonstraram serem eficientes e seguras contra o coronavírus.
Em um dos grupos, agora, cientistas aplicam a vacina e, em outro, um placebo. Depois, conferem quantos voluntários foram contaminados e se, nestas pessoas, a dose foi capaz de fazer com que o corpo desenvolvesse anticorpos, na comparação com a mistura sem efeito. É lógico, portanto, que esses ensaios clínicos só podem ser conduzidos em locais onde ainda há alta circulação do vírus.
– Estamos sendo cotados para estudos de vacina por uma situação ruim, porque temos muitos casos. Locais para testes são, neste momento, os países grandes onde ainda há aumento de infecções, como Brasil, Índia e México – comenta o epidemiologista Pedro Curi Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Hallal coordena o primeiro e mais amplo estudo nacional sobre a disseminação da covid-19 no país. Após testes em mais de 25 mil pessoas em 133 cidades, concluiu que o número de contaminados no Brasil é até sete vezes maior do que as estatísticas oficiais, divulgadas pelo Ministério da Saúde.
De acordo com o reitor, há, atualmente, epidemias distintas no país, o que pode indicar, ainda, as regiões mais "promissoras" para estudos sobre vacinas. São elas o Centro-Oeste e o Sul, onde o percentual da população infectada está em ascensão. O Sudeste, por concentrar os grandes centros urbanos do país, também mostra-se adequado, afirma.
Além da incapacidade em conter a pandemia, pesquisadores também mencionam, como ponto positivo para as pesquisas, o traquejado conhecimento da ciência brasileira no desenvolvimento de vacinas. A Fiocruz, que receberá tecnologia e insumos para a produção da vacina de Oxford, é uma instituição de mais de um século de história.
Foi responsável pela reforma sanitária que erradicou a peste bubônica e a febre amarela no Rio de Janeiro e ainda decifrou o genoma da BCG, a bactéria usada na vacina contra a tuberculose. Já o Butantan, fundado em 1899, atua no desenvolvimento da vacina contra a dengue e produz a vacina contra o HPV e a gripe, por exemplo – testes das doses contra a dengue foram aplicados em Porto Alegre, em parceria com a PUCRS.
– Isso também torna o Brasil um país bastante promissor e potente para a entrada dessas pesquisas – diz o infectologista Fabiano Ramos. – Estamos em alta, tanto na pandemia quanto na possibilidade de entrar em estudos de vacinas.
Chefe do Serviço de Infectologia do Hospital São Lucas, Ramos lidera o ensaio da vacina chinesa na PUCRS, que deverá dar início a aplicação de doses no início de agosto. O médico alerta para a urgência da descoberta da vacina, dada a gravidade da pandemia, e afirma que seu descobrimento levaria mais tempo se os testes ocorressem em locais de baixa circulação viral.
Pelas perspectivas mais otimistas, pesquisadores esperam disponibilizar ao mundo uma proteção contra a covid-19 ainda no início de 2021. Se bem sucedida, terá sido em tempo recorde. E, possivelmente, com a contribuição do Brasil.