Tida como uma das vacinas mais promissoras contra a covid-19, a chinesa CoronaVac começará a ser testada no Brasil no dia 20 de julho. A partir da próxima segunda-feira (13), deverá ser aberto o período de inscrição nos 12 centros de pesquisa participantes do estudo – entre eles, o Hospital São Lucas da PUCRS, em Porto Alegre.
A nova fase de testagem foi anunciada pelo governador de São Paulo, João Doria, nesta segunda-feira (6). Doria firmou uma parceria entre a farmacêutica asiática Sinovac e o Instituto Butantan para a inclusão do país no estudo, que custará em torno de R$ 85 milhões ao Palácio dos Bandeirantes.
– Essa é uma etapa de fundamental importância na vida do país e na saúde de milhões de brasileiros – disse Doria, em coletiva de imprensa.
Nove mil voluntários são esperados para os testes que, além do São Lucas, serão aplicados em outras 11 instituições de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Poderão participar da pesquisa apenas profissionais da saúde que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus.
Também é necessário cumprir uma série de pré-requisitos para se inscrever – entre eles, ser maior de 18 anos, não ter sido contaminado pela covid-19 e não participar de nenhum outro estudo. O credenciamento será feito por um aplicativo de celular que ainda não foi divulgado pelo Instituto Butantan. Na próxima semana, os lotes da vacina serão entregues pela China ao Brasil e, então, distribuídos aos centros de pesquisa.
Cada hospital deverá ser responsável por cerca de 750 voluntários. O São Lucas informou que deu início aos trâmites legais do contrato e encaminhou a proposta ao seu comitê de ética. Em paralelo, também estrutura uma equipe multidisciplinar para receber os testes clínicos, mas afirma que ainda está indefinida a data de início do estudo na instituição.
"Importante salientar que cada centro no país funcionará com cronogramas diferentes. Nosso hospital terá cerca de dois meses para vacinar todas as pessoas selecionadas, sendo que estas receberão a aplicação de duas doses, da vacina ou do placebo" declarou, em nota, Fabiano Ramos, chefe do Serviço de Infectologia do São Lucas.
O anúncio do progresso na pesquisa por Doria ocorreu após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar, na última sexta-feira (3), a terceira fase da pesquisa, a última antes da distribuição de doses à população. O gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mender, assinalou que esse momento é crucial para identificar se a vacina realmente servirá para imunizar as pessoas.
– Precisamos saber se ela é segura e se não irá gerar nenhum efeito adverso. Por mais que tenhamos analisado isso nos estudos anteriores, quando a expomos a uma população maior, temos de ter certeza que a segurança se mantém. São muito comuns, em vacinas, reações adversas que podem fazer com que o benefício não seja favorável – afirmou Mender, em vídeo publicado nas redes sociais.
Pelo protocolo de pesquisa, metade dos voluntários receberá a substância, e os demais, um placebo – a eficácia será atestada na comparação entre esses dois grupos. O método da CoronaVac consiste em uma vacina com o vírus "atenuado", na qual os cientistas suavizam sua capacidade de evoluir para a covid-19.
– Isso significa que temos um vírus com sua estrutura mantida, sem capacidade de causar a doença, mas com capacidade de gerar anticorpos no organismo e proteger a pessoa – acrescentou o gerente da Anvisa.
Realizadas na China, as duas fases anteriores foram feitas em animais e seres humanos saudáveis. Segundo o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, 90% dos participantes da segunda etapa desenvolveram proteção à doença depois de 14 dias de sua aplicação.
– Estou muito entusiasmado que essa será uma das vacinas que chegará ao mercado com eficiência muito rapidamente – celebrou Covas.
Esse estágio da pesquisa terá duração de um semestre. Covas assinalou, no entanto, que espera recolher resultados preliminares em outubro. Se esses dados atestarem a eficácia da substância, o presidente planeja a distribuição de doses nos primeiros meses de 2021. Em acordo preliminar com a Sinovac, está previsto o acesso, pelo Brasil, de 60 milhões de doses da CoronaVac, se demonstrada seu resultado.
Alto nível de circulação do vírus no Brasil é "terreno fértil"
Embora o estudo demonstre progressos, pesquisadores sinalizam cautela. Há atualmente, em todo o mundo, 136 testes de vacinas em andamento, sendo apenas três nesta fase de análise clínica como a CoronaVac. Segundo Alessandro Farias, professor de imunologia da Unicamp, há o risco de que nenhuma delas funcione.
– Ninguém tem coragem de falar, mas pode ser que não tenhamos uma vacina. O HIV está aí, desde os anos 1980, e cadê a vacina? – alerta Farias. – Todos os dados, até agora, dizem que haverá, mas isso não é uma garantia.
No Brasil, também está sendo testada a vacina elaborada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata-se da investigação em estágio mais avançado. O médico sanitarista da Fiocruz Cláudio Maierovitch observa que, pelos altos níveis de circulação do vírus, o país tornou-se um terreno fértil para as pesquisas de vacinas anti-covid-19.
– No caso de uma doença como essa, ninguém irá experimentar inocular o vírus para ver se pessoa desenvolverá ou não a doença. Irá, sim, aguardar a possibilidade de contágio pelas pessoas que estão mais expostas. Por isso, infelizmente, somos um bom lugar para testes de vacina – analisou Maierovitch, ex-presidente da Anvisa.