É uma aposta promissora, mas, por enquanto, ainda não há garantia de resultado certeiro. No último sábado (27), o Ministério da Saúde anunciou uma parceria, por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com a Universidade de Oxford, na Inglaterra, e a gigante farmacêutica AstraZeneca para cooperação no desenvolvimento de uma vacina contra a infecção por coronavírus.
Até agora, trata-se de uma das pesquisas mais promissoras na busca pela proteção contra a covid-19. O acordo prevê a compra de lotes do imunizante e também a transferência de tecnologia para a produção local.
Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, disse que o Brasil atuou ativamente para se tornar protagonista do processo que pode ser salvador na luta contra a maior crise sanitária mundial em um século.
— O Brasil não foi escolhido, não foi algo passivo da nossa parte. Houve uma convergência: busca ativa por parte da nossa instituição, busca ativa por parte das farmacêuticas. Temos tradição em vacina e temos o Sistema Único de Saúde, em que se pensa a vacina e a política de imunização — explicou Nísia durante uma live promovida pela entidade na tarde desta segunda-feira (29)
Também participaram da transmissão ao vivo, via YouTube, Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde, e Maurício Zuma, diretor de Bio-Manguinhos e representante do Ministério da Saúde. Na sequência, Krieger concedeu uma entrevista a GaúchaZH.
Confira, a seguir, as respostas para algumas dúvidas a respeito da produção e da distribuição da vacina.
Tire suas dúvidas
Do que é feita essa vacina?
Ela usa um adenovírus, que é um vírus geneticamente modificado para se tornar fraco. Os pesquisadores inseriram nesse adenovírus uma parte do coronavírus (Sars-Cov-2). O plano é que o corpo humano, com esse vírus injetado, desenvolva uma resposta imune, produzindo anticorpos e células de defesa que impeçam a contaminação pela covid-19.
Por que ela é considerada a mais adiantada?
Porque está na fase 3, que é a de testes em humanos. Cerca de 50 mil pessoas estão recebendo as doses em cinco países — um deles é o Brasil, onde 3 mil e 5 mil voluntários participarão do projeto no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia.
Quanto tempo vai levar para saber se ela é eficaz ou não?
De acordo com Marco Krieger, espera-se que se obtenham os primeiros dados entre final de setembro e o início de outubro. Normalmente, esse tipo de estudo demora um ano, mas a expectativa é por uma tramitação com velocidade inédita para a obtenção de uma autorização sanitária.
Se a eficácia ficar comprovada entre setembro e outubro, quanto tempo vai levar para a vacina ficar pronta?
Espera-se poder dar início à vacinação entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Caso seja comprovada a eficácia da vacina, nesses meses os primeiros lotes deverão ser disponibilizados à Fiocruz. Cada lote tem 15,2 milhões de doses cada um.
Quem será priorizado no calendário de vacinação?
A prioridade será dada a idosos, pessoas com doenças crônicas, profissionais de saúde, professores, profissionais de segurança, indígenas, motoristas de transporte público e indivíduos privados de liberdade. Para o secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros, a partir de uma resposta eficaz dos testes, estima-se que, no início do próximo ano, já possa ser realizada uma campanha de vacinação com esses públicos prioritários definidos.
Se a vacina não der certo, o Brasil poderá reaver sua parte no investimento de US$ 127 milhões? Ou é uma espécie de contrato de risco?
É um contrato de risco. Na fase inicial, serão adquiridas 30,4 milhões de doses da vacina, no valor total de US$ 127 milhões, incluídos os custos de transferência da tecnologia e do processo produtivo da Fiocruz, estimados em US$ 30 milhões. Os dois lotes a serem disponibilizados à Fiocruz, de 15,2 milhões de doses cada um, deverão ser entregues em dezembro de 2020 e janeiro de 2021.
O governo federal considera necessário correr esse risco dada a urgência pela busca de uma solução efetiva para a manutenção da saúde pública e a segurança para a retomada do crescimento econômico. Se a vacina for segura e eficaz e houver o registro no Brasil, serão mais 70 milhões de doses, no valor estimado de US$ 2,30 por dose, de acordo com o Ministério da Saúde. Esse valor soma 100 milhões de doses, que deverão ser aplicadas principalmente nos grupos prioritários citados anteriormente.
Como funcionaria o reaproveitamento dos insumos que o Brasil vai adquirir para fazer outras vacinas, conforme o ministério indicou em coletiva?
Materiais utilizados em equipamentos, frascos, tampas e caixas são alguns insumos que podem ser utilizados na produção de outros produtos, caso o desenvolvimento da vacina mostre insucesso, segundo Krieger.
É possível este aproveitamento na prática ou os insumos já terão sido utilizados na produção da vacina quando os resultados finais forem anunciados?
Segundo Krieger, esse aproveitamento vai depender da fase na qual esse insucesso for identificado, pois, a partir do momento em que se inicia a produção, esses materiais serão descartados. Por exemplo, se os resultados dos ensaios clínicos, previstos para para acabarem em outubro, indicarem que a vacina não vai atingir o objetivo, parte dos insumos poderia ser reaproveitada na linha de produção de outros produtos.
A participação do Brasil será apenas como fabricante ou ele vai atuar também no desenvolvimento da vacina?
A princípio, os insumos serão encomendados, e logo após haverá a transferência de tecnologia. Segundo Krieger, em um segundo momento, o Brasil poderá pensar na possibilidade de usar a plataforma para a produção de outros produtos. Então, nesse primeiro momento, a prioridade seria a fabricação da vacina. Depois, seria avaliado eventuais participações na plataforma de desenvolvimento.
Quais outros países já se associaram a esta pesquisa?
Cinco países estão participando dos testes com as doses da vacina nesta terceira fase: Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, Quênia e África do Sul.
Qual pesquisa está mais adiantada: esta ou a vacina pesquisada em parceria com a China, anunciada pelo governo de São Paulo?
A vacina com participação da Fiocruz, aqui detalhada, é a mais adiantada. Ela está na fase três, que prevê testes em humanos. A vacina que está sendo testada em São Paulo ainda não chegou nos testes em humanos — está na fase de aprovação e definição de critérios.
Segundo o Instituto Butantan, que trabalha em parceria com farmacêutica chinesa Sinovac no projeto, a pesquisa aguarda aprovação da Anvisa para começar o recrutamento de cerca de 9 mil voluntários. O governo paulista que a aprovação chegue até quarta-feira (1º). Em relação à metodologia dos ensaios clínicos, os passos são os mesmos, respeitando os critérios definidos pelo governo para esse tipo de procedimento.
*Colaborou Anderson Aires. Com informações da Folhapress