Depois de intensificar os apelos à população para que ficasse em casa diante da escalada da pandemia, no início de julho, o governador Eduardo Leite e o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, enfrentam uma onda de questionamentos. Passaram-se 20 dias desde que Leite gravou um vídeo emocionado, alertando para o que seria a fase crucial da crise sanitária, e 15 desde que Marchezan publicou decreto reeditando restrições na Capital, mas os números do coronavírus seguem preocupantes.
De lá para cá, a quantidade de infectados e mortos continuou aumentando, tanto quanto a pressão sobre leitos de UTI. Angustiados com a perda de vidas, ambos têm convicção de que agiram certo, ainda que tenham queimado capital político e perdido a força de persuasão em comparação com o que se viu entre o fim de março e abril.
À época, entraram em vigor as primeiras limitações à circulação e às atividades econômicas, com ampla adesão da população. Os dois foram aplaudidos como contrapontos ao discurso negacionista vindo do centro do país. Agora, na avaliação do cientista político Gustavo Grohmann, da UFRGS, Leite e Marchezan acertaram ao elevar o tom. O que não houve foi apoio.
— Por incrível que pareça, a sociedade não respondeu à altura. Em parte, porque falta liderança ao país e, em parte, porque a liderança dos dois não foi suficiente para conter os segmentos que menosprezam esse tipo de cuidado. Esses setores abstraem a gravidade ou não levam a sério o vírus. O fato é que fica difícil estabelecer política pública com esse grau de dispersão — pondera Grohmann.
Para os críticos de Leite e de Marchezan, a questão vai além disso. Líder bancada do PT na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Luiz Fernando Mainardi entende que Leite errou na condução do processo:
— O governador transformou o Rio Grande do Sul em uma sanfona com o abre e fecha. Flexibilizou antes da hora. Agora, quer repassar a responsabilidade às prefeituras. Titubeou demais e acabou criando uma situação contraditória.
Desde a gravação do vídeo, o governador autorizou a retomada do campeonato gaúcho de futebol e, depois de ter endurecido regras do modelo de distanciamento, passou a acatar uma quantidade maior de pedidos de recursos dos municípios. Nesta semana, de 18 regiões com bandeira vermelha na análise preliminar, restaram oito — as outras 10 voltaram à etiqueta laranja (de risco médio) após contestações.
Líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP) argumenta que Leite tem se guiado não apenas por dados, mas pelo diálogo, justamente por entender que a cooperação é o que mantém o modelo em pé. Antunes lembra ainda que o Estado tem um dos menores índices de letalidade do país.
— Isso prova que as medidas adotadas foram e continuam sendo importantes. O responsável eleito sempre será mais criticado do que saudado. Faz parte da vida de quem está na política. Mas, dentro do possível, estamos fazendo o que é melhor para o Estado. O governador tem tratado do tema com absoluta seriedade e dedicação — sustenta Antunes.
No caso de Marchezan, opositores afirmam que o prefeito também falhou ao ceder às pressões por reabertura cedo demais. Para o vereador Marcelo Sgarbossa (PT), isso acabou levando ao novo decreto de fechamento, válido desde o último dia 7, e a um descrédito de parte da população.
— O prefeito flexibilizou as restrições no momento errado e agora quer transferir o ônus para a sociedade. Cedeu a pressões e agora fala em lockdown, quando isso deveria ter sido feito lá atrás — diz Sgarbossa.
Para o líder da administração municipal na Câmara de Vereadores, Mauro Pinheiro (PL), é difícil falar em erros e acertos diante de um vírus novo, sem cura, sobre o qual ainda se sabe pouco. Pinheiro diz que “não queria estar na pele do prefeito”.
— Sempre que converso com ele, digo isso. A situação é extremamente complexa porque não existem certezas. O que posso garantir é que, desde o início, Marchezan decidiu priorizar a vida, sem se preocupar com o capital político — destaca Pinheiro.
Seja qual for a avaliação, infectologistas seguem defendendo a prevenção como o melhor remédio para a covid-19. Isso inclui evitar sair para a rua sem necessidade e fugir de aglomerações, como pregam Leite e Marchezan.
— Estamos passando por um inverno atípico, e o coronavírus é uma roleta-russa. Ao mesmo tempo, as pessoas estão cansadas e cheias de dúvidas, mas agora é a hora de ter paciência e de redobrar os cuidados. Se for possível, o melhor, de fato, é ficar em casa — recomenda Lessandra Michelin, diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).