Anunciadas em meio ao avanço da pandemia no Rio Grande do Sul, as mudanças no modelo de distanciamento controlado adotado pelo governo do Estado são consideradas positivas por especialistas, mas avaliadas como insuficientes pelos críticos. Há o receio de que, mesmo com as alterações, a situação siga piorando – a média de novos casos de coronavírus quase triplicou um mês após a adoção da estratégia.
Para tornar o sistema capaz de emitir alertas com mais precisão e agilidade, o governador Eduardo Leite comunicou, na última quinta-feira (11), o endurecimento das regras e pediu, mais uma vez, o apoio da sociedade. Na prática, as modificações tornam menos difícil a imposição das bandeiras vermelha ou preta – que preveem mais limitações – e asseguram maior tempo de permanência das regiões nessas classificações de risco (os locais que receberem as cores mais restritivas, seguirão nelas por pelo menos duas semanas).
Dos 11 indicadores aferidos, o Palácio Piratini modificou quatro e apertou o ponto de corte em sete. Com isso, a expectativa é de que as análises sejam mais sensíveis à redução do número de leitos disponíveis, ao aumento de internações em UTIs e à projeção de mortes por covid-19.
— É prematuro ainda dizer o que possa vir a acontecer, mas projetamos que, com essas mudanças, é possível que venhamos a ter regiões com bandeira vermelha neste sábado, por conta dessa alteração — disse Leite, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, na manhã desta sexta-feira (12).
Integrante do Comitê de Dados, que reúne cientistas convidados a orientar as ações do governo, Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da UFRGS e gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), diz que Leite ouviu o apelo dos pesquisadores. Segundo o epidemiologista, a ampliação dos números da covid-19 já era esperada (isso só não ocorreria em um sistema totalmente fechado), mas algumas modificações passaram a ser necessárias para aperfeiçoar as respostas regionalizadas à pandemia.
— Percebemos que havia a necessidade de adequação de alguns indicadores e de disparar alertas de forma mais precoce. As medidas que sugerimos provavelmente tornarão os critérios mais adequados a essa evolução do conhecimento que precisamos ter e serão suficientes para seguirmos repensando o sistema, que precisa ser testado a cada semana e quinzenalmente, porque o cenário atual é resultado do que ocorreu há 15 dias — diz Kuchenbecker.
Ou seja, o modelo ainda poderá sofrer novos ajustes, dentro do padrão que Leite define como "dedo no pulso" — metáfora utilizada para definir o acompanhamento em tempo real da crise sanitária.
Responsável por um estudo que elencou uma série de críticas ao sistema, o matemático Álvaro Krüger Ramos, professor do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da UFRGS, afirma que o governador acertou ao imprimir mudanças, embora ainda identifique aspectos a melhorar.
Em sua pesquisa, Ramos concluiu que os critérios até então utilizados dificultavam de forma excessiva a ocorrência das bandeiras vermelha e preta. Ele foi convidado pela coordenadora do Comitê de Dados, Leany Lemos, a apresentar o trabalho e a propor melhorias.
— Gostei muito que eles alteraram os pontos de corte. Antes, para Porto Alegre receber a cor vermelha, por exemplo, seria muito difícil. Agora, a possibilidade é real. Isso é um grande avanço, porque, até então, o modelo era como aquele motorista que só pisa no freio depois de passar o sinal vermelho. Ficou claro que o governo está tentando diminuir esse efeito, para poder frear antes. Outro aspecto positivo foi determinar a permanência mínima nas bandeiras vermelhas e pretas por duas semanas. Isso raramente ocorreria, porque teria de haver uma piora muito grande nos números de uma semana para outra — ressalta Ramos.
Ainda que elogie as novidades, o matemático mantém críticas. Segundo ele, "atingir a bandeira preta como resultado final continua impossível enquanto a rede de atendimento não está sobrecarregada". Além disso, Ramos sustenta que o modelo daria um salto de qualidade, se fossem incluídos nos cálculos dois critérios adicionais: o número de casos de covid-19 (e não apenas de internações) e a quantidade de testes realizados — em especial com exames do tipo RT-PCR, que identificam a fase aguda da doença.
Professor titular de Doenças Infecciosas da UFRGS e infectologista do HCPA, Luciano Goldani concorda com a necessidade de apostar na testagem em massa. O especialista reconhece o esforço do governo e do Comitê de Dados na tentativa de aprimorar o distanciamento controlado, mas avalia a revisão como "tênue" e defende mais rigidez.
— O vírus está circulando em alta intensidade nas regiões, e as internações em UTIs estão aumentando muito. As alterações feitas no modelo de distanciamento são tênues e podem não ser suficientes diante desse cenário, que é muito preocupante. Precisamos reforçar os cuidados, ampliar os testes e adotar medidas rígidas, inclusive de fechamento — opina Goldani.