Um estudo realizado por um professor do Departamento de Matemática Pura e Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sustenta que os critérios atuais do distanciamento controlado em vigor no Estado dificultariam de forma excessiva a ocorrência de bandeiras vermelhas ou pretas por região.
A conclusão da análise do matemático Álvaro Krüger Ramos é de que a atribuição de um peso muito alto à capacidade de atendimento hospitalar do Estado como um todo tornaria, nas condições de hoje, impossível a ocorrência de uma bandeira preta (nível mais alto de alerta, que resulta nas máximas restrições) e dificultaria muito a vermelha (segundo grau mais elevado). Atingir essas classificações seria pouco provável, segundo Ramos, mesmo que outros indicadores locais estejam ruins, como rápido avanço no número de casos e pouca oferta de leitos na região.
— Para uma região ficar com bandeira preta, a capacidade de atendimento em todo o Estado teria de estar à beira do colapso. E, antes disso ocorrer, também se torna muito difícil ocorrer uma bandeira vermelha — avalia o matemático.
Nas duas últimas rodadas desse sistema, atualizado a cada sábado, as cores distribuídas no mapa gaúcho foram apenas amarela e laranja (com limitações mais brandas). Entre as razões para isso, segundo Ramos, é que o cálculo adotado para classificar cada região do Estado por uma bandeira daria um peso demasiado a dois critérios (em um total de 11 indicadores) de abrangência estadual, e não regional. São eles o “número de leitos de UTI no RS disponíveis para atender covid no último dia” e a variação desse dado em relação à semana anterior.
Juntos, esses dois itens têm um peso de 25% sobre a nota total que define a cor da bandeira da região. Assim, conforme o matemático da UFRGS, se não houver uma sobrecarga generalizada na estrutura estadual, mesmo que uma zona do Estado registre uma disparada de casos, teria de ficar com resultados muito ruins nos outros quesitos para alcançar uma bandeira vermelha, e não chegaria à preta.
— O sistema adotado pelo distanciamento controlado é muito bom. A ideia da regionalização é excelente. Mas os pesos dos quesitos estaduais parecem desproporcionais. Os quesitos que melhor medem o avanço da doença, e que poderiam ter seus pesos aumentados, são os quatro quesitos de “velocidade de avanço”, cuja soma resulta em 15% da nota, e o quesito de “estágio da evolução”, que responde por 10%. A capacidade de atendimento macrorregional também deveria ter peso maior que a capacidade estadual. Hoje, os pesos são iguais — argumenta Ramos.
O epidemiologista e consultor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira avalia que a fórmula adotada pelo governo estadual pressupõe a capacidade de transportar rapidamente um paciente de uma região com sobrecarga nas UTIs para outra área do Estado onde ainda existam vagas.
— É uma estratégia passível de crítica, como também poderia ser, por outro lado, optar por uma fórmula que aumentasse muito as restrições e prejudicasse o lado econômico. Todo critério tem um grau de arbitrariedade — opina Ferreira.
Como estão distribuídos os pesos pelos 11 critérios
- Velocidade do avanço (internações por covid-19 na região) - 3,75%
- Velocidade do avanço (hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave na macrorregião) - 3,75%
- Velocidade do avanço (variação de doentes de covid-19 em leitos clínicos na macrorregião) - 3,75%
- Velocidade do avanço (variação de doentes de covid-19 em UTI na macrorregião) - 3,75%
- Estágio da evolução (casos ativos/recuperados na região) - 10%
- Incidência de novos casos (hospitalizações por covid-19 por 100 mil habitantes na região) - 12,5%
- Incidência de novos casos (óbitos por 100 mil habitantes na região) - 12,5%
- Capacidade de atendimento regional (UTIs disponíveis na macrorregião) - 12,5%
- Capacidade de atendimento estadual (UTIs disponíveis em todo o RS) - 12,5%*
- Mudança na capacidade regional (variação na disponibilidade de UTIs da macrorregião) - 12,5%
- Mudança na capacidade estadual (variação na disponibilidade de UTIs do Estado) - 12,5%*
*Os dois critérios assinalados, referentes a todo o RS, somam 25% da nota que define as bandeiras.
O que diz o governo estadual
O comitê de dados que responde pela organização do modelo de distanciamento controlado se manifestou por meio de nota:
"O Comitê de Dados está em constante avaliação crítica do modelo adotado, tanto dos indicadores quanto dos pontos de corte e pesos de cada indicador. A constituição de uma ampla rede de profissionais de diversos ramos do conhecimento e regiões do estado se propõe justamente a incorporar diferentes perspectivas na construção do modelo.
No caso específico questionado, a respeito da capacidade de atendimento estadual ter um peso excessivo nas notas finais das regiões, a mesma questão poderia ser feita do ponto inverso: caso o sistema estivesse colapsado, alguma região poderia estar com as bandeiras indicando menor risco mesmo se utilizando da mesma rede de assistência hospitalar?
É de se notar também que, atualmente, não apenas a rede estadual é considerada, mas também a capacidade e a mudança da capacidade da rede macrorregional de saúde. Isto se deve à existência de hospitais de referência nas macrorregiões conforme a intensidade do tratamento exigido. Nesse sentido, a percebida dificuldade de atingir bandeiras de maior risco não se apresentou de forma extrema como questionado, uma vez que uma região já atingiu a bandeira vermelha no início do sistema de monitoramento controlado.
De qualquer forma, o GT de Saúde, um dos Grupos de Trabalho que compõe o Comitê de Dados, reúne-se diariamente e está estudando alterações necessárias para reduzir as chances de colapso do sistema de saúde. Essas modificações serão enviadas ao Conselho de Especialistas - descrito no Decreto do Distanciamento Controlado - para aprovação. Assim, ressalta-se a existência de uma constante reavaliação que pode resultar em alterações futuras do modelo, embora, atualmente, não esteja em questionamento a atribuição de 50% de peso para a velocidade de propagação e 50% para capacidade de atendimento."