Os gaúchos poderão conviver com o coronavírus por um tempo maior do que o inicialmente esperado. Mantidos os atuais níveis de transmissão no Rio Grande do Sul, o comitê estadual responsável por monitorar o avanço da pandemia e projetar possíveis cenários avalia que o pico de contaminação não deve ocorrer nos próximos dois meses.
Uma análise da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), responsável por coordenar essas projeções, informa que “a partir da adoção do modelo de Distanciamento Controlado, o governo busca agir de maneira preventiva a uma eventual superlotação do sistema de saúde. Essas ações preventivas deverão alterar a taxa de transmissão, modificando assim o momento do pico da pandemia. Mantido o atual nível das taxas de transmissão, isso estaria afastado, no mínimo, nos próximos 60 dias.”
Realizado a pedido de GaúchaZH, um estudo de pesquisadores paulistas confirma que o índice de contaminação (quantas pessoas um doente contagia) caiu 46% no Estado desde o início da pandemia — de 2,4 para 1,3 — conforme reportagem publicada em 22 de maio.
Um especialista com acesso às discussões realizadas pelo comitê detalha um pouco mais o cenário que é tratado apenas internamente no Piratini:
— Inicialmente, se falava em um pico entre o final de junho e o mês de julho. Mais recentemente, a avaliação passou a ser de que isso só deve ocorrer mais para frente, talvez entre julho e o começo de agosto.
Se essa expectativa se confirmar, poderia coincidir com duas etapas de retorno às aulas (1º de julho e 3 de agosto), conforme calendário prévio divulgado pelo governador Eduardo Leite. O governo já avisou, porém, que as datas de retomada do ano letivo podem ser alteradas conforme a disseminação da covid-19. Oficialmente, via assessoria de comunicação, a Seplag informa que “o foco de todo o esforço não é projetar quando ocorreria um eventual pico da pandemia, mas sim de agir antes de uma sobrecarga nos leitos de UTI”.
Há um significativo nível de incerteza envolvendo qualquer projeção, já que depende de informações às vezes parciais, como o registro de novos casos, e da dinâmica populacional. Mudanças nas restrições à circulação de pessoas ou na adesão a medidas de higiene, por exemplo, podem antecipar ou adiar esse momento. Outro integrante do comitê estadual, o professor do Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Rodrigo da Silva Guerra, acredita que os dados ainda não permitem antever com clareza um pico.
— A evolução do número de casos depende muito da quantidade de testes aplicados. Dados mais confiáveis, como o de internações em UTI, ainda não demonstram um crescimento suficiente para se projetar um pico — diz Guerra.
O boletim estadual referente à 21ª semana epidemiológica, divulgado quarta-feira (27), indica que havia 129 pacientes com covid-19 em UTIs. É o mesmo número do boletim da semana anterior. Na tarde desta sexta-feira, o site da Secretaria Estadual da Saúde indicava 149 internações, ou 15% a mais.
O professor da UFSM, que também integra o grupo multidisciplinar PampaNerds, dedicado a elaborar cálculos sobre a pandemia no Estado, afirma que a figura de um “único pico” não seria a mais adequada para retratar o que pode ocorrer nos próximos meses.
— Aquele gráfico que mostrava o achatamento da curva ficou muito na cabeça das pessoas. Podemos nem mesmo ter um pico. A pandemia avança com surtos em regiões. Uma imagem mais adequada seria a de uma árvore de natal, em que temos surtos ocorrendo em diferentes períodos e localidades, como luzes que acendem rápido e vão se apagando lentamente, uma depois da outra — compara Guerra.
O ex-secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde Wanderson Oliveira, recém-exonerado, acredita que o ponto alto das contaminações no Sul ocorrerá na semana epidemiológica 27 (neste ano, correspondente ao período de 28 de junho a 4 de julho) com base na sazonalidade das doenças respiratórias estimuladas pelo frio.
— O pico (desse tipo de vírus) sempre vem na semana 27 — declarou Oliveira, em conversa com jornalistas nesta semana.
Mas o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas, Eduardo Sprinz, avalia que o clima pode não ser um fator tão importante para decidir o destino do coronavírus:
— Pelo que estamos vendo nos Estados do Norte e Nordeste, o inverno não parece ser um fator decisivo. A flexibilização das restrições à circulação das pessoas tem maior impacto.
Ponto máximo poderia ser atingido mais cedo no resto do país
O Brasil como um todo poderia atingir o período mais intenso de contaminações pela covid-19 antes do Rio Grande do Sul, segundo algumas estimativas nacionais e internacionais disponíveis até o momento.
Duas instituições americanas que fazem previsões para diferentes países apontam para um prazo semelhante. O Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde, vinculado à Universidade Washington, prevê que o país alcançaria até 293 mil novos casos diários (incluindo os pacientes sem diagnóstico confirmado, ou seja, contemplando a subnotificação) na metade de junho. Por esse modelo, os contágios passariam a cair de modo significativo a partir de meados de julho.
Outro órgão americano, o Los Alamos National Laboratory, ligado ao governo dos EUA, também calcula uma maior probabilidade de os brasileiros testemunharem o auge da pandemia ao longo do mês de junho. A atualização mais recente dos parâmetros utilizados pelo Los Alamos, da quarta-feira (27), indicava maior probabilidade de isso ocorrer ainda na primeira semana do próximo mês.
Previsões de pico
No RS
Comitê estadual
Estima inicial previa entre final de junho e julho. Discussões mais recentes avaliam entre julho e começo de agosto. Oficialmente, não acredita que isso ocorra antes de dois meses, o que corresponde ao final de julho.
Ministério da Saúde
Havia anunciado ainda em abril uma expectativa de pico em junho e julho no Estado. Ex-secretário de Vigilância em Saúde da Pasta recém-exonerado, Wanderson Oliveira aposta na semana entre 28 de junho e 4 de julho.
PampaNerds
Chegou a estimar uma sobrecarga nas UTIs do Estado entre o final de maio e o começo de junho. A previsão, porém, acabou não se confirmando. Novas estimativas sobre o comportamento da pandemia estão sendo trabalhadas.
No Brasil
IHME
O Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde da Universidade de Washington (EUA) estima o maior número diário de contaminações na metade de junho. Mas esse indicador passaria a ter uma queda mais significativa somente a partir do mês seguinte.
Los Alamos National Laboratory
A entidade ligada ao governo dos EUA estima apenas 11% de chance de o país já ter atingido o ponto máximo. O modelo estima uma maior probabilidade de ocorrer em junho, principalmente na primeira (20% de chance) ou na segunda semana (perto de 15%).
Ministério da Saúde
Inicialmente, quando a pandemia ainda estava em seus primeiros estágios, esperava um pico até o começo de maio. Depois, ampliou esse prazo para os meses de junho e julho.
UFPE
Pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco e PhD em Estatística pelo Imperial College de Londres, Gauss Cordeiro estima pico de mortes entre a segunda quinzena de julho e o final de agosto. Leva em conta a quantidade de mortes, e não de casos, por considerar um indicador mais confiável.