Graças a medidas de distanciamento social, o Rio Grande do Sul conseguiu reduzir praticamente à metade a taxa de transmissão da covid-19 desde o começo de março. Um estudo realizado por pesquisadores de São Paulo indica que o “número básico de reprodução” — quantas pessoas um doente contamina em média, conhecido pela sigla R0 — caiu de 2,4 no começo da pandemia para 1,3 depois da adoção de restrições à circulação de pessoas.
Isso demonstra que a velocidade de expansão do novo vírus diminuiu em abril e maio, mas não o suficiente para o Estado atingir e ultrapassar o pico de contágio. Para a doença entrar em declínio, é preciso que esse valor caia para menos de 1.
Também será importante acompanhar como o índice vai variar com o provável aumento da mobilidade, já que as bandeiras amarela e laranja em vigor pelo sistema de distanciamento controlado autorizam o funcionamento parcial de um maior número de atividades. O sistema está em vigor desde o último dia 11.
A análise, realizada a pedido de GaúchaZH, foi feita com base em um modelo matemático desenvolvido pelo físico nuclear e professor da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Lichtenhäler Filho, e seu filho, o médico do Hospital Israelita Albert Einstein Daniel Lichtenhäler. O modelo leva em consideração o número de casos registrados ao longo do tempo, o período médio de incubação da doença, entre outros ajustes estatísticos.
— Parece que o Rio Grande do Sul está se aproximando do pico (da pandemia), mas ainda não é uma certeza. Será preciso esperar mais tempo — avalia o físico nuclear.
O especialista afirma que, com base nos dados oficiais disponíveis até a quinta-feira (21), é possível estimar que a taxa de transmissão era de 2,4 na maior parte de março. O trabalho indica que, a partir do final daquele mês, a curva de novos casos se achatou, e o índice recuou para 1,3. Isso significa que, em média, cada grupo de 10 pacientes com o novo vírus contaminava outras 24 pessoas, e passou a infectar 13. A mudança coincide com o prazo necessário para a adoção do distanciamento social ter surtido efeito.
— Há uma tríade para derrubar o R0 de qualquer doença: remédio ou vacina, que não temos, e medidas sociais como o distanciamento. Por isso, toda medida de flexibilização precisa ser feita com muito equilíbrio, porque impacta nesse índice — analisa o professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e gerente de Risco do Hospital de Clínicas Ricardo Kuchenbecker.
Kuchenbecker confirma que, para a pandemia entrar em declínio, o R0 precisa recuar para menos de 1 — ou seja, cada contingente de 10 pessoas poderia contagiar, no máximo, outras nove.
— Parece pouca coisa, mas não é fácil fazer isso porque a maioria da população ainda é suscetível ao coronavírus — esclarece o epidemiologista.
O governo do Estado aposta em uma série de regras de higiene, como limites à ocupação de espaços e uso de máscaras, para manter as contaminações sob controle. O plano gaúcho também prevê a possibilidade de rever liberações em regiões onde o vírus comece a circular com mais velocidade.
Para realizar o levantamento, foram utilizados os registros por data de confirmação do exame — os únicos disponíveis no site da Secretaria Estadual da Saúde (SES) na quinta-feira. O gráfico de ocorrências por dia de início dos sintomas foi retirado do ar temporariamente por “inconsistências” verificadas nas datas, segundo a SES. O estudo já leva em consideração ajustes realizados pelo Estado desde a semana passada que acrescentaram mais de 1,6 mil contaminados à conta oficial de modo retroativo. Eram casos antigos que ainda não haviam sido inseridos no painel de monitoramento por falhas no processo de notificação das prefeituras.
Em nível nacional, o mesmo modelo desenvolvido pelos pesquisadores paulistas identificou uma variação de 3,5 para 1,4 na taxa de contágio do coronavírus desde o desembarque da pandemia no Brasil até agora.