Sob regras determinadas pelo modelo de distanciamento controlado, em vigor no Estado desde 11 de maio, parte da população gaúcha voltou a circular pelas ruas, mesmo em meio à pandemia de covid-19 no país. E, nesta semana, a prefeitura de Porto Alegre decretou a liberação, com restrições, de restaurantes, shopping centers, academias de ginástica, bares, museus, bibliotecas e igrejas. Especialistas alertam, porém, que é preciso ter consciência de que a flexibilização não significa que está tudo liberado.
Abraços, beijos e chimarrão compartilhado ao pôr-do-sol, por exemplo, seguem expressamente proibidos. A máscara é o acessório indispensável neste momento, assim como manter a distância de dois metros de outra pessoa. Na quinta-feira (21), o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, postou mensagem de alerta em sua conta no Twitter: "se nossas equipes não derem conta das aglomerações ou descumprimentos forem constatados, teremos que retroceder".
Para o psicanalista e escritor Mário Corso será difícil o controle, inclusive, por questões culturais.
— Somos um povo muito próximo. A gente se beija e se abraça. Vai ser uma encrenca. Vamos pedir alguma coisa que faz parte de uma cultura cívica da qual não temos experiência — justifica.
Corso preocupa-se ainda mais com aqueles que continuam se negando a cumprirem as determinações, essenciais para que o vírus não se propague de forma ainda mais rápida pelo Estado. São pessoas, segundo ele, que se negarão pelas mais variadas razões, entre elas, porque são muito angustiadas e querem que o mundo volte a ser como era antes ou, até, por um oposicionismo infantil.
Corso identifica quatro tipos de personalidades que costumam evitar as regras solicitadas para o momento:
— O idiota cognitivo, que não estudou ou tem informação suficiente, mas acaba tomando decisões sobre coisas que ele não tem alcance, e o idiota por paixão política, movido apenas pela emoção. Há, ainda, o oposicionista, um sujeito infantilizado e despreparado para a vida civil por uma falta de educação ou fragilidade psíquica, e o que se considera onipotente e pensa "comigo não vai dar nada".
O especialista pontua: é preciso lembrar que essa mudança repentina nas regras estará lidando também com pessoas extremamente frágeis, que creem que as coisas são contra elas, se negando, até, a colocarem uma máscara.
— Há momentos no crescimento de uma criança nos quais ela se opõe a tudo. Ela tem que rejeitar para o crescimento do ego dela. Mas isso é um capítulo na vida de uma criança. O problema é que, se a pessoa tem uma personalidade muito frágil, esse oposicionismo ficará para o resto da vida. Pessoas frágeis são pessoas oposicionistas, elas estão sempre pensando que o outro quer mandar nelas. Por isso, a recusa de colocar a máscara — explica.
Usar a máscara incomoda no início, mas é só até acostumar. Pior é perder um ente querido ou a gente mesmo
LUCIA MEIRELES
Funcionária pública aposentada
Mas ao contrário dos que se negam a cumprir regras, há quem esteja disposto a segui-las pelo bem de todos em Porto Alegre. A funcionária pública aposentada Lucia Meireles, 59 anos, do bairro Menino Deus, caminha sozinha todos os dias por uma hora, e sempre mascarada. O item, confessa, já se tornou parte do kit dos exercícios físicos na rua.
— As pessoas estão negligenciando uma coisa muito séria. Seguirei com cautela. Mesmo abrindo restaurantes e shoppings, não frequentarei até a pandemia estar controlada— diz.
Professora de ioga, Simone Rocha da Silva, 50 anos, moradora do Centro Histórica, ficou reclusa em casa em março e abril e voltou a ir à rua neste mês. As saídas são diárias, mas curtas. Uma hora de exercícios na orla do Guaíba — sempre no início da manhã, distante de outras pessoas e usando máscara — e ida semanal ao supermercado.
Na rua, sempre usar máscara e carregar álcool gel. E, no retorno, fazer a higienização completa e deixar o sapato do lado de fora do apartamento
SIMONE ROCHA DA SILVA
Professora de ioga
Simone não visita o pai, de 83 anos, e optou por dar aulas de ioga online neste período.
— Temos o inverno pela frente, precisamos nos preservar ao máximo. É uma responsabilidade maior, de pensarmos no todo — comenta.
Morando em frente a um supermercado no bairro Floresta, a fotógrafa Francine Fischer, 29 anos, só sai para a tarefa semanal das compras. Autônoma e frequentadora assídua de bares no circuito da Cidade Baixa, ela decidiu manter o distanciamento social, mesmo com as flexibilizações.
Manter o distanciamento físico é necessário e uma das nossas armas contra a pandemia
FRANCINE FISCHER
Fotógrafa
— Se nem no supermercado as pessoas estão respeitando o distanciamento, o que diremos de outros locais. Continuarei circulando o mínimo possível — garante.
Relações públicas em home office desde março, Luana Daltro 25 anos, do bairro Rubem Berta, também não vê a possibilidade de voltar à rotina anterior à pandemia antes de encontrarem a cura. Hábitos adquiridos por Luana durante esse período, como a higienização dos alimentos, seguirão quando a situação estiver estabilizada:
Higienizar os alimentos e produtos com embalagens, logo na chegada, é um hábito ainda mais necessário a partir da pandemia
LUANA DALTRO
Relações Públicas
— Passei a dar valor para coisas básicas relacionadas à saúde. Sempre achei que tinha os melhores hábitos sobre higienização, mas tem muitos outros cuidados que servem como prevenção. Vou adotá-los.
O administrador Leonardo Oliveira da Silva, 36 anos, morador do Menino Deus, está trabalhando em home office, sai apenas para fazer compras de alimentos e admite ainda não ter coragem de voltar a frequentar a academia.
— Dá para fazer uma analogia com a sinaleira. Estávamos com o sinal vermelho e agora estamos indo para o sinal amarelo. Temos que ter atenção! Não vamos ainda nos jogar no verde — resume.
Atenção redobrada. Sair de casa só o necessário, evitando locais com muitas pessoas
LEONARDO OLIVEIRA DA SILVA
Administrador
Médico e presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia, Alexandre Vargas Schwarzbold se diz favorável ao distanciamento social controlado no Estado devido aos indicadores atuais que, segundo ele, poderiam ser comparados a Portugal (um dos países europeus mais bem-sucedidos no controle da pandemia). Porém, mesmo com a situação aparentemente controlada até agora, o especialista alerta que os indicadores de avaliação da transmissão viral continuam numa margem perigosa e, por isso, as pessoas não podem achar que está tranquilo voltar à realidade existente antes da covid-19.
— É preciso cautela e a continuidade de hábitos para este momento: o uso adequado da máscara cobrindo nariz e boca sempre, seguir com o distanciamento físico entre as pessoas e higienizar as mãos ainda mais, seja com álcool-gel ou água e sabão. Antes de entrar em casa, deve-se continuar tirando o calçado numa área reservada. E, ao entrar, ir diretamente higienizar as mãos. Mais do que nunca, precisamos pensar no outro porque, potencialmente, podemos estar transmitindo o vírus. É por você, mas é pelo outro também — aconselha.
Corso recomenda paciência e empatia com as novas experiências em sociedade durante a pandemia da covid-19.
— É hora de pegar junto e de pensar na sociedade, e não em si. Mesmo quem já teve covid-19 deve usar a máscara em respeito aos outros e por empatia pelos que estão sofrendo. Se o outro não faz, paciência. Mas você, faça a coisa certa — aconselha.