A Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI) divulgou nota sobre seu posicionamento em relação às medidas de distanciamento social controlado adotadas pelo governador Eduardo Leite.
No documento, a entidade critica a decisão do Estado em levar em consideração apenas casos de pacientes internados em hospitais, e não mais qualquer pessoa com coronavírus para definir as bandeiras de risco (amarela, laranja, vermelha e preta). Na carta aberta, a SRGI afirma que essa mudança no critério e a consequente redução no isolamento “implicará na maior circulação viral e aceleração de novos casos. O governo do RS respondeu afirmando que o modelo anterior gerava distorções, pois ampliava restrições para as cidades que faziam mais testes, e que a mudança surgiu do diálogo com especialistas e prefeitos (confira ao final da reportagem).
Alexandre Zavascki, consultor para assuntos de covid-19 na SRGI e um dos autores do documento, ressalta que o Rio Grande do Sul fez um bom trabalho para controlar a transmissão do vírus com as medidas de distanciamento adotadas em março, o que refletiu em um baixo número de mortes, quando comparado a outros Estados brasileiros.
Contudo, ele destaca que a reabertura promovida pelo governo gaúcho e mandatários de outras unidades federativas não é feita no momento adequado, tendo em vista o momento epidemiológico que estamos vivendo. Ele destaca que é preciso que a transmissão do vírus se estabilize e apresente queda sustentada, de duas a três semanas, para que então seja repensada a reabertura.
— Quando temos uma taxa de reprodução do coronavírus acima de um, ou seja, uma pessoa infectando mais de um indivíduo, podemos reacender a epidemia com a reabertura. O critério de ocupação de leitos olha somente o ápice da pirâmide. Quando as internações estiverem altas, significará que a doença estará em um nível alarmante. Com a adoção deste critério, a gente deixa de se antecipar e ficaremos com um registro que pode chegar a um mês de atraso — avalia Zavascki.
Em vigor desde o último dia 30, a mudança se deu a pedidos de prefeitos. Quando o anúncio foi feito por Leite, no dia 21 de maio, ele afirmou que a alteração era para “melhorar as condições de comparabilidade entre as regiões”, já que, conforme ele disse, “temos, fato, municípios e regiões que estão testando mais”, o que poderia acarretar em uma maior número de notificações da doença, logo, de arrocho nas regras de distanciamento.
Alternativas
Na carta aberta, a SRGI elenca cinco recomendações a serem levadas em consideração pelo governo do Estado. Uma delas é a volta ao critério de todos os casos notificados para definição das bandeiras para os municípios, porque assim, segundo entidade, teríamos uma fotografia atual da pandemia no território gaúcho, testagem ampla – o desenvolvimento de indicadores de cobertura de testagem considerando-se a população. Além disso, o documento cita o monitoramento para identificar áreas de maior expansão da doença para direcionar ações de prevenção e diagnóstico e Zavascki acrescenta:
—É preciso acompanhar os casos mais leves. Eles não comprometem a ocupação de leitos em Unidades de Tratamento Intensivo, mas são grandes indicadores de transmissão do vírus nas comunidades e é preciso destacar e ter atenção para a defasagem dos dados do governo (do Rio Grande do Sul). O número de casos confirmados de covid-19 que o Estado tem são bem mais baixos do que os apresentados pela prefeitura da Capital. Nós já temos essa defasagem, com a prática deste novo critério, termos um segundo fator de atraso no acompanhamento da evolução da pandemia.
Ele se refere ao fato de que, segundo os dados no site da prefeitura de Porto Alegre, divulgados na segunda-feira (1), a cidade tem 1.265 casos confirmados da pandemia. Enquanto no site da Secretaria Estadual da Saúde (Ses), a Capital aparece com 744 diagnósticos positivos.
O que diz o governo do RS
Em nota, a Secretaria de Planejamento (Seplag) do Governo do Estado do RS afirma que a mudança no cálculo do distanciamento controlado foi adotada há duas semanas e adotada a partir da terceira. Com isso, apenas os casos de covid-19 que geraram hospitalização foram usados para medir a propagação do vírus levando em consideração os seus locais de residência.
Até então, o governo vinha usando todos os casos confirmados por testes moleculares (RT-PCR) para medir dois dos 11 indicadores usados no cálculo de risco: velocidade do avanço, que mede o número de novos casos confirmados em relação aos casos anteriores, e incidência de novos casos na população, que mede os novos casos nos últimos sete dias para cada 100 mil habitantes. O governo argumenta, entretanto, que esse dado estava gerando distorções entre as regiões, "aumentando o nível de risco e de restrição para aquelas que vinham realizando um número maior de testes".
"Por isso, segundo Leite, foi necessário antecipar a alteração, que foi levada ao grupo técnico de saúde do Comitê de Análise de Dados, tendo sido estudada e avalizada por especialistas. 'Por se tratar de um modelo inédito e inovador, nós viemos desde o início fazendo análises constantes e coletando sugestões para aprimorá-lo.Essa alteração surgiu desse monitoramento e diálogo com prefeitos e especialistas'", afirmou, na ocasião, o governador, segundo a Seplag.
A secretaria também afirma que a definição de hospitalização por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) melhora a comparabilidade entre as regiões, pois é mais estável que a aplicação de exames e tem notificação compulsória. "Ou seja, o exame tem de ser obrigatoriamente lançado no sistema, não oferecendo possibilidade de que uma redução ou aumento na testagem, ou subnotificação, impactem no cálculo. Com isso, temos um resultado mais fiel ao que efetivamente está acontecendo no RS e podemos aplicar restrições na proporção necessária”, acrescentou Leite.
O Comitê de Dados do governo do Estado, coordenado pela ex-secretária do Planejamento Leany Lemos, também enviou um posicionamento sobre as críticas da sociedade de infectologia.
"O Comitê de Dados está em constante avaliação crítica do modelo adotado, tanto dos indicadores quanto dos pontos de corte e pesos de cada indicador. A constituição de uma ampla rede de profissionais de diversos ramos do conhecimento e regiões do estado se propõe justamente a incorporar diferentes perspectivas na construção do modelo. Ressalta-se a existência de uma constante reavaliação que pode resultar em alterações futuras do modelo, embora, atualmente, não esteja em questionamento a atribuição de 50% de peso para a velocidade de propagação pelos critérios ora aplicados e 50% para capacidade de atendimento. Importante: essa é uma posição do Comitê de Dados, não da Secretaria de Planejamento", afirmou.