Nesta quarta-feira (22), completam-se 20 dias desde que o governador Eduardo Leite gravou um vídeo emocionado, intensificando o apelo à população para ficasse em casa. No pronunciamento de pouco mais de sete minutos, postado nas redes sociais, Leite convocou a sociedade a reforçar o isolamento, sob a justificativa de que os próximos 15 dias seriam cruciais na luta contra o coronavírus.
Vinte dias depois, a adesão é menor do que foi em abril, e a situação sanitária segue complicada, especialmente em Porto Alegre e na Região Metropolitana. O número de casos e de mortos continua aumentando.
Ao mesmo tempo, Leite decidiu flexibilizar restrições, atendendo a pedidos de entidades e de prefeituras. Alega que, sem diálogo e cooperação, o modelo de distanciamento controlado poderia ruir — tal como uma árvore de tronco rígido, incapaz de se curvar ao vento.
Em entrevista por telefone, na noite de terça-feira (21), o governador falou sobre o vídeo, sobre as decisões tomadas e voltou a dizer que o apoio da sociedade é fundamental para superar a crise. Leia a seguir os principais trechos da conversa.
Desde aquele vídeo, a situação piorou. A que fatores o senhor atribui isso?
O apelo foi para aqueles 15 dias, especialmente, porque a gente passaria pelas semanas epidemiológicas em que tradicionalmente temos mais demanda de internações por síndromes respiratórias agudas graves. Como a gente não tem um histórico de covid para comparar, a gente acaba comparando com a demanda por internação dessas síndromes. Bom, de fato, estamos vendo essa inflexão. Olhando a curva das internações, talvez no final de junho e início de julho tenha sido mais forte. Depois, de 6 de julho para cá, a curva suavizou um pouco, mas continua crescendo, embora tenha reduzido a velocidade.
O que aconteceu? As pessoas não estão fazendo a sua parte?
Não, acho que tem muita gente fazendo a sua parte, mas sem dúvida há um processo de contestação maior de parcelas da sociedade, talvez estimuladas por quem contesta o distanciamento em si e entende que já não é o caso de manter a medida, quando, na verdade, o Rio Grande do Sul parou menos do que outros Estados. Se você observar São Paulo, por exemplo, houve atividades que ficaram três meses ininterruptos suspensas. Aqui, o nosso modelo justamente permitiu que durante o final de abril, todo o mês de maio e início de junho tivéssemos praticamente todo o Estado com atividades com algumas restrições de protocolos, mas sem restrição de funcionamento, especialmente o comércio, que é onde mais há contestação.
Como avalia as contestações?
Entendo a angústia e a ansiedade de muitos empresários, mas é importante destacar que nosso modelo permitiu que se parasse menos as atividades econômicas. Estamos pedindo que as pessoas circulem menos justamente agora, quando é mais necessário, mas certamente a não estabilização das internações se deve a uma menor adesão ao distanciamento do que no passado, especialmente em abril.
Depois daquele vídeo, o senhor autorizou a volta do campeonato gaúcho de futebol e flexibilizou o modelo de distanciamento. Essas decisões não passam uma mensagem contraditória?
Não, entendo que não, porque você tem de ajustar o modelo para parar essencialmente o que é necessário que se faça, que é a circulação de pessoas. Não é sobre parar o Estado todo, o tempo todo, em todas as atividades. O modelo pressupõe analisar quais regiões estão com maior risco. As regiões nessa situação são as que estão em bandeira vermelha. Quando a gente faz a análise do contexto e da situação agregada das informações, temos concedido recursos porque justamente a gente vê evidências de maior controle. Então, ficam em bandeira vermelha aquelas que estão efetivamente com crescimento sustentado da demanda por UTIs, que é a nossa maior preocupação.
E o futebol?
Ficam em bandeira vermelha aquelas que estão efetivamente com crescimento sustentado da demanda por UTIs
Sobre o futebol, foi uma análise específica. Estamos falando de 12 clubes e, somando as equipes técnicas, de 300 pessoas. São duas semanas e meia até a conclusão do campeonato e, em uma semana, oito equipes são eliminadas. Há protocolos muito rigorosos estabelecidos. Você consegue controlar, diferentemente de outras atividades que pressupõe a atração de consumidores sem ser possível atender a todos os protocolos. Se não fosse resolvida essa questão agora, se tornaria difícil ou até impossível a conclusão do campeonato. Era uma última janela de oportunidade. Importante lembrar que não fomos nós que suspendemos o futebol lá no início. Foi uma decisão da própria federação.
Então o senhor não vê nenhuma contradição em pedir às pessoas para ficarem em casa e adotar essas medidas?
Não, o modelo é flexível justamente para ser mais resistente. Se você tem um modelo que não se abre à discussão, aumenta o nível de contestação e a possibilidade de frustração do modelo é maior. Flexibilizamos justamente para que fique claro: onde pedimos que as pessoas fiquem em casa, elas devem ficar em casa, porque, quando há possibilidade, o governo atende. A gente não atende onde realmente não dá para atender.
O senhor se arrepende de ter feito o vídeo?
Não, de forma alguma. Meu papel, como governador, observando os indicadores, os dados, as informações que temos, é alertar a população. E está aí a comprovação. Estamos vivendo um momento crítico, como a região sul do Brasil está vivendo. Então continua nas mãos dos gaúchos. O governo está fazendo todo o possível. Já habilitamos mais de 700 novos leitos de UTI. Se não fossem essas medidas, já teria colapsado o sistema de saúde, mas essa capacidade aumenta numa velocidade menor do que a demanda por UTIs. Embora se observe uma velocidade menor da demanda do que há duas semanas, ela continua crescendo e sobre uma base maior. A cada semana, a gente vê um crescimento que nos preocupa, especialmente na Região Metropolitana, na Serra e no Norte, que estão com bandeira vermelha.
Que avaliação faz do seu capital político depois disso? Melhorou ou piorou?
Capital político no sentido de popularidade é menos importante do que salvar vidas e cuidar da economia
Confesso que tenho menor preocupação com isso. A gente sabe que tem um grupo que, de forma organizada, busca contestar mais nesses últimos tempos o distanciamento, o que eventualmente pode afetar capital político, mas não é meu foco. O capital político que busco preservar é no sentido de me conferir autoridade para tomar as decisões e os encaminhamentos mais adequados ao Estado. Não tenho preocupação com popularidade, mas com credibilidade. É por isso que o governo sempre abre a discussão, mantém canal de diálogo. O governo intensifica esse diálogo no sentido de manter a credibilidade e a autoridade. Capital político no sentido de popularidade é menos importante do que salvar vidas e cuidar da economia.