Enquanto se discute a possibilidade de lockdown em Porto Alegre, os dados oficiais apontam que a segunda-feira (20) teve a terceira pior taxa de isolamento social desde a decretação das medidas mais restritivas na cidade: 41,7%, número distante dos 55% estabelecidos pelo executivo como meta para frear o avanço da pandemia de coronavírus.
A classificação considera os dados aferidos desde 9 de julho, quando entrou em vigor o último decreto municipal. Longe do idealizado, a medição preocupante se reflete na periferia da cidade, onde a circulação de pedestres e trabalhadores é intensa.
Outra realidade aponta que esse índice pode ser ainda pior: uma parcela da população nem sequer possui os telefones celulares com equipamentos de mapeamento, rastreados para o levantamento da prefeitura. Caso da empregada doméstica Jurema Ramos da Rosa, 60 anos, moradora da Bom Jesus, que aguardava na fila de triagem para sintomáticos da covid-19 instalada no entorno da unidade de saúde do bairro.
– O pessoal não está nem aí, tem muita gente se aglomerando. Eu saio duas vezes por semana para trabalhar em uma casa de família no (bairro) Petrópolis porque preciso - afirma a doméstica.
De acordo com a prefeitura de Porto Alegre, o sistema que mapeia a circulação no município utiliza uma base de 540 mil telefones móveis para fins estatísticos - pouco mais de 1/3 da população da Capital, de 1,48 milhão de habitantes segundo estimativa do IBGE.
Para ser monitorado, o aparelho celular tem que ter um dos seguintes sensores: wi-fi, GPS, bluetooth, acelerômetro (que registra o deslocamento) ou magnetômetro (espécie de bússola).
Na manhã desta terça-feira (21), a reportagem de GaúchaZH circulou pelos bairros Passo das Pedras, Jardim Leopoldina e Rubem Berta, na zona norte, Jardim Itu-Sabará e Bom Jesus, região leste, e na Lomba do Pinheiro e Restinga, extremo sul, e confirmou: há muita gente nas ruas.
– Pessoal que não está trabalhando faz o quê? Vai para a rua. E se tu olha a calçada, são trabalhadores que precisam alimentar suas famílias - conta o microempresário João Paulo Almeida, 39 anos, em frente à loja de acessórios que mantém na parada 16 da Lomba do Pinheiro.
Atravessar a principal via da Lomba, a Estrada João de Oliveira Remião, é um desafio em alguns momentos, tão grande a movimentação de automóveis particulares ou veículos de transporte. Na calçada, os pedestres esbarram nos ambulantes, que ocupam parte considerável do passeio.
A fila do banco e da agência lotérica contorna o quarteirão. Para o motoboy Moisés Guterres, 37 anos, a entrega de medicamentos caiu 50% desde o início da pandemia.
– O pessoal está todo na rua, ou está sem dinheiro até para comprar medicamentos. Eu fico 12 horas na entrega e não faço nem metade das corridas de antes - contabiliza o motociclista.
Na Restinga, centenas de pessoas foram vistas em filas de bancos, lotéricas e farmácias - onde, visivelmente, o distanciamento mínimo entre os frequentadores não foi respeitado, gerando aglomerações. Parte do comércio atende com cortinas semi-cerradas.
Fechado há quase um mês, o camelódromo não tem mais a área externa ocupada, como aconteceu logo após a suspensão da atividade no centro comercial, com a ida dos expositores para a rua.
Na Praça México, no Jardim Leopoldina, ao menos metade dos usuários dispensou a máscara para as atividades físicas. A academia pública foi ocupada por um grupo que treinava nos equipamentos aeróbicos e de musculação. Nas avenidas do bairro, clientes tomavam café no interior das lancherias, e um senhor bebia cerveja na lata às 8h30min.
Com o rosto protegido por uma máscara descartável, o representante comercial André Nunes, 46 anos, classifica o uso do acessório como “respeito ao próximo”:
– Uso a máscara pelo protocolo e pela segurança. É uma questão de respeito nosso às outras pessoas.