O prefeito Nelson Marchezan segue convicto de que a restrição das atividades econômicas em Porto Alegre é a melhor opção para a cidade. Provocado por um texto do colunista David Coimbra, o chefe do Executivo disse, em entrevista ao Timeline nesta segunda-feira (20), que, mesmo que parte da população esteja cansada do isolamento – pessoal e economicamente –, a liberação de mais atividades não é uma opção para o momento.
Marchezan lembrou que, em março, quando foram tomadas as primeiras medidas, o número de leitos de UTI ocupados por pacientes com covid-19 dobrava a cada cinco dias. Assim, no final de abril, o número passaria de 600 – atualmente, são 323, entre confirmados e suspeitos. Para ele, liberar as atividades hoje faria a cidade atingir o pico:
– Não existe uma data agendada para o pico, acontece quando a circulação acelera. Nosso pico poderia ter acontecido final de abril e início de maio. Liberar todas as atividades agora certamente nos traria nosso pico, o limite insuportável das estruturas de saúde. O pico acontecerá quando tivermos descontrole da situação. (...) Se todos os decretos estivessem sendo cumpridos nem estaríamos discutindo lockdown.
Marchezan disse ainda que não vai diminuir as restrições, liberando mais atividades:
- Talvez os empresários possam entender que retroceder nós não vamos. Aceitar mortes sem atendimento também não vamos. Está bem ruim para a atividade econômica, mas não vamos diminuir restrições. Se eu fosse um empresário, talvez não fosse bom fechar uns 15 dias?
Sobre a chance de lockdown, o prefeito não confirmou se vai ou não adotar a medida, afirmando que a decisão precisa ser da sociedade. Segundo ele, o fechamento total seria recomendado, mas somente um decreto não vai surtir efeito:
- Não consigo impor sozinho se não houver uma parte da cidade trabalhando em unidade. Se imprensa, hospitais, parte dos empresários não entenderem, não tiverem consciência, não será apenas por multas e processos penais que vai adiantar. Essa tem que ser uma decisão de consciência da nossa sociedade. É uma opção que parece hoje recomendada, sim, mas se for apenas no decreto, não vai surtir efeito.
No último fim de semana, as taxas de isolamento social em Porto Alegre ficaram em 42,6% (sábado) e 53,6% (domingo).
Confira trechos da entrevista com Nelson Marchezan
Se Porto Alegre testasse mais
– Porto Alegre iniciou de forma inovadora em março os testes com os que se chamavam de importados, as pessoas que vinham de fora. A gente ia na casa das pessoas. E hoje, todas as pessoas com síndrome são testadas e, se confirmadas, as pessoas que moram com ela também são testadas. A testagem já superou a Coreia do Sul e é uma das melhores do brasil. Teste não é um problema, é uma solução.
Remédios contra a covid-19
– Não existe vacina ou remédio comprovado. É como remédio pra gripe. Alguns atuam nos sintomas, mas não curam. Se o médico quiser receitar, ele pode receitar qualquer médico que a sua consciência e seu conhecimento indiquem. Não sou eu prefeito que vou receitar. Também não é problema de remédio que temos aqui. Está (o debate) sendo mais ideológico que científico.
Fechamos muito cedo
– Porto Alegre fechou na hora certa. Estaríamos com as UTIs superlotadas em final de abril (se não tivesse fechado). Não conseguimos estabelecer um valor para a vida. Porto Alegre não terá mortes em excesso. Porto Alegre não quer ter esse custo em termos de vida. (...) Naquele momento, a gente dobrava o número de UTIs a cada cinco dias. Chegamos no nosso pico no dia 10 de março, com 40. No dia 15, teremos 80. No final de abril teríamos 640 leitos com covid-19. Isto são mais de 90% de todos os leitos da cidade. Restringimos atividades no momento certo, temos absoluta certeza.
Inverno e pico da doença
– Aí vem outra questão, inverno e pico. O pico acontece nos municípios onde não teve restrição de circulação. Não existe uma data para o pico, uma data agendada. Acontece quando a circulação acelera. Nosso pico poderia ser no final de abril e início de maio. Poderíamos fazer isso agora. Liberar todas as atividades agora, traria em 20 dias o nosso pico. Então, não tem uma data, ele acontecerá quando tiver o descontrole. Outra questão é inverno. Eu vejo médicos, profissionais falando do inverno. Nós não temos UTIs lotadas agora, temos crescimento acelerado de UTI com covid-19. Mudamos a história de UTI porque diminuímos a circulação. O inverno não é um problema atual, o problema atual é contaminação.
Crítica de empresários
– Eu não espero consenso dos negacionistas, mas talvez os empresários possam entender que retroceder nós não vamos. Aceitar mortes sem atendimento não vamos aceitar. Está ruim pra atividade econômica, eu sei. Mas não vamos diminuir restrições. O período que vai durar parece que é longo. Se eu fosse um empresário, talvez não fosse bom fechar uns 15 dias?
Lockdown
– Se todos os decretos estivessem sendo cumpridos nem estaríamos discutindo lockdown. (...) O fato de não decretar lockdown não é covardia ou medo de desgaste. Mas essa é uma decisão da cidade, porque é a cidade inteira que tem que diminuir a circulação. Eu não consigo sozinho se parte da sociedade não trabalhar como unidade. Se não tiver consciência, não será por orientação ou multa que conseguiremos. Tem que ser uma decisão coletiva, de consciência. Esse é o motivo do meu apelo.
Nova reunião com dirigentes de hospitais e de entidades empresariais será realizada nesta semana para avaliar o que fazer, já que, apesar das restrições às atividades econômicas, o distanciamento social não se amplia.
Na sexta-feira (17), após ouvir de gestores de hospitais que há pouca margem para novas ampliações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em Porto Alegre, Marchezan admitiu a possibilidade de a Capital adotar um lockdown caso o índice de isolamento social não aumente e force uma diminuição no ritmo de internações de pacientes graves.