Desde que o primeiro caso de infecção por coronavírus foi registrado no Rio Grande do Sul, em 9 de março, o número de mortes por doenças respiratórias ocorridas em residências teve aumento de 12,3% no Estado e de 23,5% em Porto Alegre em relação ao mesmo período de 2019. Os dados foram apurados por GaúchaZH no Portal da Transparência do Registro Civil, que é abastecido por informações de cartórios de todo o país.
A análise foi feita levando em conta óbitos por doenças respiratórias ocorridos entre 9 de março e 9 de maio no Estado. Os registros mostram que, no ano passado, morreram em casa 2.552 pessoas, sendo que neste ano foram 2.867. Na Capital, o salto foi de 259 falecimentos em casa para 320.
São consideradas no banco de dados doenças como covid-19, síndrome respiratória aguda grave (srag) e pneumonia, além de outras.
— Isso ocorre por causa de uma má interpretação que as pessoas fazem das recomendações das autoridades. O medo do coronavírus acaba superando o perigo da pandemia e criando um risco novo. É preciso reforçar: quem se sentir mal, deve procurar unidades de saúde — alerta Jair Ferreira, professor de epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do RS, Eduardo Neubarth Trindade, esse aumento preocupa:
— Temos falado sobre a redução nas taxas de ocupação de hospitais, tanto em leitos de UTI quanto em convencionais, mesmo em tempo de pandemia. Isso mostra que as pessoas estão procurando menos os hospitais. Pode ser por medo do coronavírus ou pela falta do serviço. O fato é que já se observa que as pessoas estão chegando para atendimento em estado mais grave em casos de infartos, apendicites e diverticulites, por exemplo.
Trindade destaca que não há falta de atendimento no serviço de saúde, mas há contingenciamento, ou seja, redução de consultas eletivas e até cirurgias.
— Muitas vezes, uma pessoa que trata uma doença crônica, como pressão alta ou diabetes, pode se tornar um caso grave por não fazer a consulta habitual. Tem duas maneiras de reverter essa situação: informar, por meio de campanha, que as pessoas não precisam ter medo de ir aos hospitais e que não devem ficar em casa sentindo dores agudas e também retomar as consultas eletivas — diz o médico cirurgião.
O levantamento revela boas notícias: no período analisado, houve redução de óbitos decorrentes de doenças respiratórias em relação ao ano passado. No Estado, a queda foi de 9,4%. Em Porto Alegre, de 7,7%. Mas os dados do portal ainda podem sofrer modificações. Em razão do prazo legal que os cartórios têm para informar a Central de Informações do Registro Civil Nacional, os números têm defasagem de até 10 dias. Ou seja: as mortes informadas nos últimos 10 dias do levantamento ainda podem aumentar. O portal é mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais.
— As informações ainda são preliminares e impedem um julgamento mais definitivo, mas é importante destacar que morreram menos pessoas na Capital, um dado positivo. Quanto aos dados de aumento (de mortes em casa), temos um cenário em que, em tempos normais, pacientes terminais, com cuidados paliativos, vão ao hospital quando pioram, muitas vezes sabendo que não há como reverter a situação. É possível que agora as famílias evitem esse contato hospitalar, até por conta do distanciamento social, por receio da exposição. Isso pode levar a um reflexo de mais mortes em casa — disse o secretário municipal de Saúde, Pablo Stürmer.
Números das secretarias não mostram aumento de mortes em casa
Dados computados pela prefeitura de Porto Alegre não indicam, até o momento, crescimento de casos de mortes em casa. O critério de coleta usado abrange mortes de pessoas residentes na Capital. Isso significa que pacientes que moram em outras cidades e morreram em hospitais da Capital não têm o falecimento computado para Porto Alegre.
Os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) da prefeitura aos quais GaúchaZH teve acesso se referem a todas as causas, incluindo mortes violentas, e não só por doenças respiratórias. Uma análise apenas do mês de abril mostra que, em 2018, foram 146 mortes em casa, em 2019, 126 e, neste ano, 67. Mas a Diretoria Geral de Vigilância em Saúde alerta que os números de 2019 e 2020 são parciais e ainda podem sofrer modificações.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) não quis comentar os dados do portal e informou que estatísticas do Estado mostram redução de mortes em casa. Os dados, no entanto, são parciais, pois há prazo legal de 60 dias para atualizações. Conforme a SES, em 2020, de janeiro a abril os registros de falecimentos em casa foram de 1.161, 1.018, 927 e 545 em cada mês. Os números estaduais de mortes em casa entre janeiro e abril de 2019 são: 1.242, 1.008, 1.113 e 1.142. Os dados de 2019 e 2020 são preliminares.