Ponto de divergência entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o uso da cloroquina está longe de ser consenso entre médicos e pesquisadores. Enquanto Bolsonaro tornou a substância uma bandeira contra a crise do coronavírus no Brasil, Mandetta pede cautela e busca na Ciência embasamento para seus argumentos.
De fato, a falta de evidências científicas e sua alta toxicidade depõem contra o fármaco. Por outro lado, alguns estudos bastante limitados indicaram um possível efeito inibidor da replicação do vírus com a droga. Mesmo sem comprovação, diversos países já adotaram a cloroquina ou sua derivada, a hidroxicloroquina, como tratamento para a covid-19.
Ainda que longe de um veredicto confiável sobre o tema, diversas pesquisas mundo afora avaliam a cloroquina e a hidroxicloroquina em pacientes com coronavírus. No Amazonas, o infectologista Marcus Lacerda conduz a CloroCovid-19, pesquisa que vai analisar o uso da substância em pacientes internados em estado grave. Resultados preliminares devem estar disponíveis na segunda semana de abril. Em contrapartida, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas recomendou, na quinta-feira (9), o uso das duas substâncias para casos leves, moderados e graves de pneumonia por coronavírus.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) vai testar a cloroquina e sua derivada em um megaestudo, o Solidarity, que vai contar com a participação de diversos países. Embora tenha selecionado as substâncias, a OMS destaca que todos os resultados apontados como positivos precisam de confirmação com estudos clínicos randomizados.
— Hoje, é uma condição em que a resposta correta é que não se sabe — afirmou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta sexta-feira (10), Gustavo Faulhaber, preceptor da residência médica em Medicina Interna do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e diretor da Unimed Porto Alegre.
Ouça a entrevista completa de Gustavo:
Também em entrevista ao Gaúcha Atualidade, Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, reforçou que os estudos publicados até o momento apresentaram apenas indícios da eficácia da droga:
— Alguns estudos mostraram que as substâncias tiveram ação na replicação do vírus em laboratório. Mas são levantamentos muito pequenos, muito pobres e não foram tecnicamente bem feitos. Mas com isso, a cloroquina virou a droga milagrosa, que vai salvar as pessoas. Não é bem assim. Ela precisa passar pelo padrão ouro: com estudos randomizados em ambiente controlado para verificar a eficácia —defendeu.
Ouça a entrevista completa com Luciano:
Para Alessandro Conrado de Oliveira Silveira, farmacêutico, bioquímico e pós-doutor em Microbiologia, também deve-se ponderar as diferenças entre as populações pesquisadas. Isso quer dizer: avaliar até que ponto um bom resultado em outro país poderia, realmente, ser efetivo no Brasil.
— Uma coisa é pegar ensaio da China ou da Itália. Outra, é do Brasil. A população é diferente, o vírus pode ser diferente. São muitas variáveis envolvidas nesse processo. Mas duas coisas precisam ficar claras. A primeira é que cloroquina não é preventiva, ou seja, não é vacina. E a segunda é que o uso precisa ocorrer sob supervisão médica. Ninguém melhor que ele para avaliar se o paciente tem ou não necessidade de usar — diz.
Cloroquina e hidroxicloroquina
De acordo com Silveira, as duas substâncias são muito semelhantes e têm recomendações de uso, principalmente, contra malária. No entanto, explica Silveira, como são potenciais imunomoduladoras, começaram a ser indicadas para doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide:
— Elas são muito parecidas de estrutura química e ação. A cloroquina é um pouco mais barata, e a hidroxicloroquina foi mudada em laboratório para diminuir sua toxicidade, o que torna seu uso clínico mais seguro.