Ainda sem nenhum remédio ou vacina comprovadamente eficaz contra o coronavírus, pesquisadores têm testado a ação de fármacos já existentes para reduzir os efeitos do vírus em pacientes graves. A cloroquina e a hidroxicloroquina são alguns deles, tendo o uso criterioso autorizado, na última quarta-feira (25), pelo Ministério da Saúde. Em um terreno de incertezas, iniciativas se multiplicam pelo país na busca por respostas para salvar vidas.
Uma dessas ações é o estudo CloroCOVID-19, feito em Manaus (AM). Por lá, pesquisadores têm recrutado pacientes graves da covid-19 internados no hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz para avaliação do impacto da cloroquina na doença. O infectologista da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e da Fiocruz Amazonas Marcus Lacerda, que lidera o estudo, usou as redes sociais para falar sobre a substância:
— Nós aqui estamos avaliando as melhores doses de cloroquina. Mas eu queria dizer que o que está fazendo a diferença nesta pandemia é a estrutura hospitalar. A presença de UTIs, respiradores, bons médicos, fisioterapeutas, enfermeiros. Há um foco muito grande no tratamento com cloroquina, mas nós estamos fazendo uma pesquisa que pode descobrir que ela funciona ou também que não funciona — disse, em vídeo postado no domingo (29).
Esse levantamento será realizado com mais de 400 indivíduos de ambos os sexos, maiores de 18 anos e que não apresentem contraindicações à cloroquina. Uma análise preliminar deve estar pronta na segunda quinzena de abril.
Aqui no Rio Grande do Sul, o Hospital Moinhos de Vento (HMV), em parceria com outras instituições, como Sírio-Libanês, Albert Einstein e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), lidera um estudo para testar drogas no tratamento da covid-19. Intitulada Coalização Covid Brasil, a iniciativa vai testar três substâncias: a hidroxicloroquina, a azitromicina e a dexametasona. Entre 40 e 60 hospitais de todo o país devem participar desse levantamento.
— Toda a medicina é baseada em evidências científicas. No caso do coronavírus, a gente tem uma escassez muito grande de eficácia e segurança. Nesse sentido, há alguns tratamentos em modelos experimentais e estudos clínicos com número reduzido de participantes — pontua Regis Goulart Rosa, médico pesquisador intensivista do HMV.
O pesquisador do HMV diz que alguns estudos sugerem que a hidroxicloroquina pode reduzir a chance de o vírus entrar na célula, o que diminuiria a replicação viral. Contudo, é preciso uma avaliação bem individualizada para prescrever seu uso. Um dos motivos é que a janela terapêutica da substância é muito estreita.
— Isso quer dizer que a dose terapêutica é muito próxima da dose tóxica — explicou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade de terça-feira (31), a bioquímica e biomédica Ana Paula Hermann, professora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O levantamento que Rosa coordena no HMV ainda não tem resultados preliminares. No entanto, o médico acredita que dentro de 90 dias já será possível ter uma ideia do que funciona ou não no tratamento dos pacientes graves.
Critério de uso deve ser rigoroso
Conhecidas há décadas, a cloroquina e a hidroxicloroquina têm uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para fins restritos, como afecções reumáticas e dermatológicas, artrite reumatoide, lúpus eritematoso, problemas de pele provocados ou agravados pela luz solar e malária.
Testada em estudos muito limitados contra o coronavírus, a hidroxicloroquina pode causar desde eventos adversos leves, como náuseas e problemas gastrointestinais, até mais graves, como arritmias, hepatite medicamentosa e cegueira em pacientes com histórico prévio de retinopatia. Assim, o critério médico para sugerir seu uso, ou mesmo sua associação com outras drogas, deve ser rigoroso.
— É um processo complexo e dinâmico. Não adianta morrer pela cura — diz Rosa.
Conforme observa o médico do HMV, o uso da hidroxicloroquina tem sido heterogêneo: alguns hospitais seguem as recomendações do Ministério da Saúde, enquanto outros buscam individualizar os casos, ponderando riscos e benefícios. Quando houver a decisão pelo uso, o paciente, ou seu representante legal, deve ser informado das possíveis vantagens e desvantagens do tratamento.
Em nota informativa, o Ministério da Saúde reforça que a automedicação é contraindicada e que a pasta "disponibilizará para uso, a critério médico, o medicamento cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem que outras medidas de suporte sejam preteridas em seu favor".
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a hidroxicloroquina está sendo usada em casos em que é a única alternativa para pacientes em estado muito grave.
— Nesses casos, pode-se lançar mão do uso compassivo, que seria usar o fármaco mesmo sem evidências — diz Rafael Selbach Scheffel, coordenador da Comissão de Medicamentos do HCPA.
O hospital também está definindo os protocolos de implementação da nota informativa do Ministério da Saúde para utilização da substância. Além disso, deve participar do estudo Coalizão Covid Brasil.
No Hospital Nossa Senhora da Conceição, um protocolo para uso da hidroxicloroquina já foi elaborado. Para que a substância comece a ser usada, os médicos aguardam o aval da diretoria da instituição e a entrega do fármaco pelo Ministério da Saúde, explica Marineide Gonçalves de Melo, médica infectologista e preceptora-chefe do programa de residência médica em infectologia do hospital. Ainda que a substância traga esperança para profissionais da saúde e pacientes, Marineide destaca a importância do passo anterior ao tratamento: o diagnóstico.
— Para tratar, precisa saber diagnosticar e, no momento, existe falta de recursos disponíveis para isso. Enquanto não tivermos isso, não saberemos a real dimensão da doença no nosso meio — critica.
Marineide fala que os testes rápidos prometidos pelo Ministério são um alento, tanto para segurança profissional quanto para o uso de substâncias off-label (quando a indicação não é a descrita na bula).
Por meio da assessoria de comunicação, o Hospital Mãe de Deus informou que já está utilizando a hidroxicloroquina em determinados pacientes após avaliação individual dos casos.
“Estamos monitorando ativamente as potenciais interações medicamentosas e efeitos adversos. Os médicos assistentes estão explicando para os familiares os potenciais riscos e benefícios e submetendo termo de consentimento informado específico. Sabemos que as evidências são pouco robustas e dependemos de mais estudos para sabermos ao certo se haverá ou não benefício. A forma de prescrição atual segue as recomendações da Nota Técnica do Ministério da Saúde. A azitromicina também faz parte do protocolo de tratamento”, diz o texto.
As substâncias
- Cloroquina: usada no estudo amazonense, a substância é usada para malária ou outras doenças, como reumáticas ou dermatológicas. O uso indevido pode provocar problemas cardiovasculares.
- Hidroxicloroquina: testado de forma única ou associada a outras substâncias, o fármaco tem as mesmas indicações de uso e riscos da cloroquina. No estudo de que o HMV participa, ela será testada sozinha ou acompanhada de azitromicina.
- Azitromicina: antibiótico usado para infecções bacterianas. Sugere-se que ela também tenha papel importante na entrada do vírus nas células. Também teria uma ação anti-inflamatória.
- Dexametasona: medicamento conhecido como corticoide, atua como anti-inflamatório. Especula-se que poderia auxiliar os pacientes com muitos componentes inflamatórios.
*Fonte: Regis Goulart Rosa