Com números assustadores, ultrapassando os 292 mil infectados e os 12 mil mortos em todo o mundo, o coronavírus é o grande desafio atual dos pesquisadores. Da corrida por uma vacina aos testes com drogas já existentes, os cientistas têm atuado em diversas frentes para dar respostas, o mais rápido possível, para a população mundial. Neste sentido, alguns textos publicados em periódicos científicos têm provocado uma ida desenfreada às farmácias atrás de uma substância chamada cloroquina e seus derivados.
Publicado no começo de março na revista International Journal of Antimicrobial Agents, um estudo francês apontou a cloroquina e a sua derivada, a hidroxicloroquina, como "armas disponíveis na luta contra o coronavírus". Na semana passada, um texto chinês, publicado na Nature, afirmou que a hidroxicloroquina se mostrou eficaz ao inibir a infecção em testes realizados in vitro. Ainda na última sexta-feira (20), franceses divulgaram dados de uma pesquisa não randomizada que usou a hidroxicloroquina e azitromicina no combate da covid-19.
Conhecidas há décadas, as substâncias têm uso autorizado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para fins restritos. Em uma nota técnica disponibilizada em seu site, a Anvisa destaca que, "no Brasil, existem tanto medicamentos à base de Cloroquina como de Hidroxicloroquina registrados". Eles podem ser indicados para afecções reumáticas e dermatológicas, artrite reumatoide, lúpus eritematoso e problemas de pele provocados ou agravados pela luz solar.
No entanto, com a divulgação dos estudos internacionais, houve uma correria às farmácias na tentativa de "prevenir o coronavírus". Por conta desse aumento, a Anvisa enquadrou, na sexta-feira, as substâncias no rol das que estão sob controle especial, o que significa que o medicamento só poderá ser entregue mediante receita branca especial, em duas vias.
Estudos limitados
Embora as substâncias tenham apresentado resultados supostamente promissores, especialistas reforçam que, até o momento, não há nenhum medicamento comprovadamente seguro e eficaz contra a infecção por coronavírus. Em nota de esclarecimento emitida no domingo, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) destacou alguns pontos do estudo publicada na última sexta: "O estudo francês que mostrou 'algum benefício' para covid-19 supracitado está sendo criticado cientificamente por apresentar várias limitações, incluindo ser um estudo aberto, não randomizado e que incluiu menos pacientes (apenas 42) do que os próprios autores calcularam".
O infectologista Paulo Ernesto Gewehr Filho, do Hospital Moinhos de Vento, lembra que, até agora, os estudos realizados não podem determinar a eficácia dos produtos, pois são muito limitados.
— Foram usadas em estudos muito pequenos e que não têm qualidade de evidência científica boa. Eles não servem para embasar o uso dessas medicações no dia a dia para esse fim. São (estudos) fracos e, potencialmente, cheios de erros — diz o médico.
No entanto, completa o infectologista, alguns países já adotaram as substâncias no chamado "uso compassivo", ou seja, quando o paciente está em estado gravíssimo, em risco de morte, e não há mais nenhuma outra medida que possa diminuir a chance da morte.
— Nesses casos, então, pede-se autorização para o comitê de ética da instituição e para os familiares — explica.
Devolução nas farmácias
A utilização de um determinado medicamento para outras finalidades, diferentes das que o originou, é bastante comum, afirma Tânia Chaves, membro da SBI e professora de medicina da Universidade Federal do Pará. Contudo, o fato de já estar no mercado não isenta a droga de passar por novos testes que garantam sua eficácia no tratamento de outros agravos.
— Isso já acontece. Mas usar uma droga ou um novo fármaco para tratar outra doença deve ser muito bem sistematizado e realizado de forma criteriosa. Não sabemos a dose para aquela doença que eu quero (curar). Precisa de ensaios clínicos controlados randomizados e com placebo. E quando sai um estudo, não significa que ele é perfeito. Sempre terão coisas para avaliar — defende Tânia.
Portanto, a corrida às farmácias atrás dessas substâncias é desnecessária e arriscada para a saúde, alertam os médicos.
— São medicações que, se forem usadas em doses elevadas, sem recomendação ou sem que estejam em protocolo de pesquisa clínica, podem acarretar arritmias, convulsões até parada cardíaca nos pacientes — sublinha Tânia.
Além dos riscos da automedicação, quem comprar esses medicamentos sem necessidade ainda pode prejudicar a saúde de pessoas que realmente precisam das drogas para tratar doenças específicas. É por isso que os especialistas apelam para que pessoas que compraram as substâncias sem prescrição as devolvam para as farmácias.
— Tem gente que vai precisar, porque ela é usada na dermatologia, na reumatologia. E as doses usadas nessas duas especialidades, para agravos específicos, são diferentes da malária — justifica a médica.
Posicionamento do governo
O presidente Jair Bolsonaro acredita na cloroquina como cura da covid-19. Em pronunciamento em cadeia nacional de TV e rádio na noite do dia 8 de abril, ele reforçou sua aposta no remédio e anunciou a importação de insumos da Índia para incrementar produção no Brasil.
O Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, no Rio de Janeiro, intensificou a fabricação do remédio em 30 de março, depois de pedido de Bolsonaro ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
O Ministério da Saúde mantém recomendação de que a cloroquina seja parte do protocolo de tratamento da covid-19 apenas em casos graves de pacientes hospitalizados e com monitoramento cardíaco para evitar efeitos colaterais. Em coletiva realizada antes do pronunciamento de Bolsonaro, o ministro Luiz Henrique Mandetta disse que solicitou uma posição do Conselho Nacional de Medicina sobre o uso dos medicamentos em larga escala até o dia 20 de abril.
As entidades aguardam os resultados preliminares de seis estudos envolvendo o medicamento em laboratórios brasileiros ou que alguma descoberta surja de pesquisas a nível mundial.