Esta reportagem foi publicada em março de 2020. Desde então, foi constatado que cloroquina e hidroxicloroquina não são eficazes contra o coronavírus em casos graves ou leves. Para mais informações, leia aqui.
O presidente Jair Bolsonaro anunciou que vai zerar o imposto de importação da cloroquina e da hidroxicloroquina. Além disso, o presidente exibiu uma caixa do remédio em reunião por videoconferência do G20.
A popularidade da cloroquina quando o assunto é coronavírus vem aumentando desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, escreveu o nome da droga com letras maiúsculas e afirmou que ela, tomada com a azitromicina, tem uma chance real de provocar uma das maiores mudanças da história da medicina. O otimismo com relação à eficácia da substância tem provocado uma corrida às farmácias. Em Porto Alegre, por exemplo, já há relatos sobre a falta do medicamento.
Diagnosticada com lúpus, Juliana Borges, 32 anos, só conseguiu o remédio – que usa desde 2011 – após uma publicação em rede social. Ela contou que percorreu 10 farmácias em menos de uma hora e não achou o medicamento, que era vendido sem receita médica até uma semana atrás, quando a Anvisa determinou a necessidade de prescrição para a compra.
Embora um estudo francês tenha trazido esperanças à luta contra o coronavírus, a comunidade médica trata o assunto com cautela. Presidente eleito da Associação Brasileira de Reumatologia, Ricardo Machado Xavier alerta para a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a cloroquina no tratamento da covid-19.
— Usamos a cloroquina e a hidroxicloroquina há décadas principalmente em pacientes com lúpus, e é um medicamento seguro. Mas no que diz respeito ao coronavírus, ainda estamos tentando entender a ação. Uma delas seria a ação antiinflamatória da cloroquina no sistema respiratório. Ela protegeria o indivíduo dessa inflamação excessiva causada pela covid-19. A segunda proposta é aumentar o PH da célula, diminuindo a replicação do vírus dentro do organismo. Mas isso tudo é uma tese. Precisamos de pesquisas mais abrangentes e profundas — adverte Xavier.
O reumatologista também relata que, a partir da orientação da Anvisa, tem se dedicado à prescrição da cloroquina a pacientes antigos, que agora precisam da receita para adquirir os remédios. Segundo ele, a alta procura provocou aumento nos preços:
— Quem encontra relata valores abusivos. Em geral, a caixa com 30 comprimidos, que custava R$ 70, tem sido vendida até por R$ 250.
Até agora, dois estudos sobre os efeitos da cloroquina em diagnosticados com covid-19 ganharam repercussão. Um, na França, com 42 pessoas – das 26 tratadas com cloroquina, 18 apresentaram diminuição do vírus. E outro na China, que não apresentou diferenças significativas entre o tratamento com a droga com relação ao método tradicional de combate ao vírus.
— Como não temos suporte robusto na literatura, o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina tem de ocorrer apenas em pacientes com quadro grave. Nesse grupo, a letalidade é de 50%, portanto, vale a pena tentar salvar uma pessoa que tem metade das chances de morrer. Mas isso seria em uma UTI, com um médico presente. Para pacientes fora do quadro grave, não é recomendado — salienta o infectologista Renato Cassol.
O Ministério da Saúde, que começou a distribuir aos Estados 3,4 milhões de unidades dos medicamentos ontem, orientou os profissionais da saúde a utilizarem o remédio apenas em pacientes hospitalizados. A pasta também salienta que “a cloroquina e a hidroxicloroquina não são indicadas para prevenir a doença nem tratar casos leves”.