A vida decorria normalmente para o publicitário brasileiro Dante Roman, 25 anos, morador da cidade de Portogruaro, na região do Vêneto. No entanto, um e-mail enviado na noite de domingo (23) pela universidade onde ele estuda avisava: todas as aulas estariam suspensas no início da semana. Na segunda-feira (24), jornais italianos estampavam fotografias de mercados com gôndolas vazias e carrinhos abarrotados de mantimentos. A Itália amanheceu no foco do mundo: é o terceiro país com mais casos de coronavírus, atrás apenas da China e da Coreia do Sul.
— Foi tudo muito rápido. Na última sexta-feira, as coisas estavam normais, mas no domingo parece que tudo mudou. Aqui no Vêneto (segunda região mais afetada na Itália), não há missas. A orientação do governo é de que toda aglomeração não aconteça. Cancelaram também aulas em universidade e escolas, evento esportivos e atividades em museus. As pessoas estão mais cuidadosas com higiene e para evitar multidão — descreve.
Até agora, são sete mortos (todos acima de 60 anos) e 229 casos confirmados na Itália. O Norte é mais afetado, em especial as regiões da Lombardia (cuja capital é Milão) e Vêneto (capital: Veneza). A zona é altamente rica, industrializada e povoada.
Onze cidades foram isoladas com postos de controle para barrar a circulação de pessoas. Em Milão, cinemas e museus estão fechados e aulas em escolas e universidades foram suspensas – incluindo a catedral, a famosa Duomo. Nas farmácias, há falta de máscaras e de álcool gel.
Quatro partidas da Série A do Campeonato Italiano de futebol foram anuladas e a Áustria interrompeu o acesso à Itália por trens. Em Piacenza, na região da Emília-Romana, bares devem ficar fechados das 18h às 6h até 1º de março. O governo ainda não sabe quem trouxe o coronavírus para o país.
O cenário preocupa porque a Itália se tornou o epicentro do coronavírus na Europa. Na região da Lombardia, que abriga 75% dos casos, está um sexto da população italiana e mais de 800 mil empresas – 40% somente na capital, Milão. A cidade é o grande centro financeiro do país e uma das seis grandes capitais econômicas europeias, ao lado de Londres, Hamburgo, Frankfurt, Munique e Paris, destaca o italiano Davide Carbonai, professor das pós-graduações em administração e em ciência política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Do ponto de vista econômico, o coronavírus preocupa bastante. A Bolsa de Milão baixou 6% de um dia para outro. Milão é o centro da economia italiana e o Norte é uma região muito importante. Só as regiões do Vêneto e da Lombardia produzem 30% do PIB italiano. Alguns analistas projetam em 0,2% a queda do PIB — analisa o professor, que vive há 10 anos no Brasil. — Não acho que isso (a epidemia no país) foi por erros feitos pelo governo. Eles acompanharam tudo. Foram bloqueados voos da China, por exemplo — acrescenta.
O ministro da Economia da Itália, Roberto Gualtieri, tentou acalmar o mercado e afirmou que "é prematuro quantificar os efeitos do coronavírus na economia", segundo informou o jornal La Repubblica.
Outro receio é com o turismo. Em Veneza, os últimos dois dias do Carnaval de máscaras foram cancelados, apesar de a cidade estar lotada de turistas. Para além de Milão e Veneza, o Norte concentra cidades famosas, como Florença, Turim, Verona, Padova, as praias de Cinque Terre, Gênova e Bolonha. Roma fica na zona central – a região da cidade, Lácio, tem três casos.
Com a epidemia, o receio se espalha pela Itália. Em Portogruaro, onde Dante vive, não há registro de coronavírus. Mas, por precaução, a vinícola onde ele trabalha pede aos funcionários para que todos lavem as mãos e evite reuniões em outras regiões da Itália.
— No fim de semana, normalmente pego um trem e visito algum amigo. Tinha marcado um jantar com todo mundo do grupo da universidade para a próxima sexta-feira, em Trieste, mas acho que será cancelado. Sei que o pessoal que marcava de jogar futebol cancelou — diz o publicitário gaúcho.
Até na Toscana, onde também não há coronavírus, há falta de desinfetantes e de álcool gel em supermercados, relata a produtora de vinhos Ana Eugênia Monteiro, 52. Ela mora na Itália há oito anos e, hoje, vive em Montalcino, a duas horas de carro de Florença.
— O pessoal está com bastante medo, está um clima bem complicado. Em praticamente toda a Itália, começou a faltar desinfetantes no supermercado. O nosso Jornal do Almoço mostrava as prateleiras vazias de supermercados. Em alguns lugares, já está faltando massa, molhos enlatados, produtos de higiene... As autoridades estão bem preocupadas e tomando todas as precauções — afirma a gaúcha.
Em sua cidade, Ana reparou o efeito do coronavírus por ausências. Em Montalcino, uma vez por ano ocorre a Benvenuto Brunello, festa que anuncia a nova safra de vinhos a importadores. Durante o período, a população da cidade, onde vivem 5 mil habitantes, dobra. A festa, que começou na última sexta-feira (21), tem menos estrangeiros.
— Esse evento sempre reúne milhares de pessoas. Há um prêmio de melhor restaurante do mundo, destinado a quem contribui para divulgar os vinhos de Montalcino. O vencedor foi um restaurante de Shangai. O proprietário não veio. Agora, voos da Itália para a China foram cancelados — diz Ana Eugênia.
De que forma surgiu o surto atual?
A origem ainda não está elucidada. Acredita-se que a fonte primária do vírus seja animal, provavelmente oriunda de um mercado de frutos do mar e animais selvagens vivos – como morcegos – em Wuhan.
A transmissão do coronavírus acontece entre humanos?
Sim. Alguns coronavírus são capazes de infectar humanos e podem ser transmitidos de pessoa para pessoa pelo ar, por meio de tosse ou espirro; pelo toque ou aperto de mão; ou pelo contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido do contato com a boca, o nariz ou os olhos. Contudo, ainda não está claro com que facilidade o novo coronavírus é transmitido de pessoa para pessoa.
O que faz
Quais são os sintomas de uma pessoa infectada pelo novo coronavírus?
Os sintomas incluem febre, tosse e dificuldade respiratória. De acordo com a OMS, a maioria dos infectados com o novo coronavírus desenvolve sintomas semelhantes aos da gripe e cerca de 20% progridem para doenças mais graves, como pneumonia e insuficiência respiratória. Crianças pequenas, pessoas com mais de 60 anos e pacientes com condições que comprometem a imunidade estão mais suscetíveis a manifestações mais graves.
Qual é a letalidade do novo coronavírus?
A estimativa inicial é de que a letalidade seja de 2% a 3%, ou seja: a doença mataria em torno de três pessoas a cada 100 infectadas.Esse índice é inferior aos registrados em outros dois coronavírus, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, sigla em inglês) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers, sigla em inglês).A epidemia de Sars registrou 774 óbitos em todo o mundo, com 8.096 casos entre 2002 e 2003. A taxa de letalidade foi de 9,5%. Já a epidemia de Mers notificou 858 óbitos dos 2.494 casos registrados em 2012, demonstrando uma taxa de letalidade de 34,4%.
Como se proteger
Existe um tratamento para o novo coronavírus?
Não há um medicamento específico. Aos pacientes infectados, indica-se repouso e ingestão de líquidos, além de medidas para aliviar os sintomas, como analgésicos e antitérmicos. Nos casos de maior gravidade, com pneumonia e insuficiência respiratória, podem ser necessários suplemento de oxigênio e mesmo ventilação mecânica.
Posso tomar um antibiótico para prevenir contra o novo coronavírus?
Não. Antibióticos não são indicados nem para prevenção nem para tratamento, pois não agem contra vírus, somente bactérias.
Existe uma vacina para o novo coronavírus?
Como a doença é nova, não há vacina até o momento. Contudo, as autoridades chinesas divulgaram seu código genético rapidamente e laboratórios já estão estudando como criar uma imunização aplicável em escala global. Cientistas esperam ter uma vacina pronta para testar em humanos no início de junho.
Tomei a vacina contra a gripe. Estou protegido contra o novo coronavírus?
Não. A vacina da gripe protege somente contra o vírus influenza.
Como reduzir o risco de infecção pelo novo coronavírus?
- Evitar contato próximo com pessoas com infecções respiratórias agudas.
- Lavar frequentemente as mãos por pelo menos 20 segundos, especialmente após contato direto com pessoas doentes ou com o ambiente em que elas estiveram, e antes de se alimentar. Se não tiver água e sabão, use álcool em gel 70%, caso as mãos não tenham sujeira visível.
- Usar lenço descartável para higiene nasal.
- Cobrir o nariz e a boca ao espirrar ou tossir.
- Evitar tocar nas mucosas dos olhos.
- Higienizar as mãos após tossir ou espirrar;
- Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;
- Manter os ambientes bem ventilados;
- Evitar contato próximo com animais selvagens e animais doentes em fazendas ou criações.
Qual é a orientação diante da detecção de um caso suspeito?
Os casos suspeitos devem ser mantidos em isolamento enquanto houver sinais e sintomas clínicos. Pacientes devem utilizar máscara cirúrgica a partir do momento da suspeita e ser mantidos preferencialmente em quarto privativo.Qualquer pessoa que entrar no quarto de isolamento ou entrar em contato com o caso suspeito deve utilizar equipamentos de proteção individual, preferencialmente máscara N95, nas exposições por um tempo mais prolongado, ou então máscara cirúrgica, em exposições eventuais de baixo risco. Além disso, recomenda-se o uso de protetor ocular ou protetor de face, luvas e capote/avental.Todo o caso que se enquadrar na definição de suspeito para o novo coronavírus deve ser notificado o mais rápido possível para as autoridades de saúde.
Deve-se tomar cuidado com produtos importados da China?
Especialistas apontam que o envio de embalagens por correio internacional vindos da China não deverá trazer risco aos consumidores no Brasil, devido ao tempo decorrido entre o envio e a chegada. Isso porque, em geral, os coronavírus sobrevivem pouco tempo fora de um hospedeiro.O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos afirmou que não há, até agora, nada que indique qualquer risco associado à importação de produtos industrializados e ou de origem animal."Em geral, por causa da baixa sobrevivência dos coronavírus em superfícies, há um risco muito baixo de disseminação por meio de produtos ou embalagens enviados ao longo de dias ou semanas em temperatura ambiente."
E quem vai viajar?
Estão contraindicadas as viagens para a China e para os países com casos importados?
A OMS recomenda que medidas para limitar o risco de exportação ou importação da doença sejam implementadas, sem restrições desnecessárias ao tráfego internacional. O Ministério da Saúde do Brasil e o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos recomendam que viagens para a China sejam realizadas somente em casos de extrema necessidade, medida sugerida também pela Sociedade Brasileira de Infectologia.
O que fazer em caso de viagem para área com circulação do novo coronavírus, caso não possa ser adiada?
Proteger-se, lavando as mãos frequentemente com água e sabão ou higienizando-as com álcool em gel 70%; cobrindo a boca e o nariz ao tossir e espirrar, com o antebraço ou usando lenço descartável; evitando o contato com pessoas que apresentem febre e sintomas respiratórios; comendo carne e ovos bem passados; e esquivando-se de contato com animais selvagens vivos ou de fazenda.
Quais são as orientações para viajantes que retornam da China?
Os indivíduos que retornarem da China e que apresentarem febre e sintomas respiratórios dentro de um período de 14 dias devem procurar a unidade de saúde mais próxima imediatamente e informar sobre a viagem.
Devo usar máscara de proteção ao deixar o Brasil?
A infectologista Gynara Rezende, do Serviço de Controle de Infecção da Santa Casa e do Hospital Porto Alegre, diz que, em voos com saída do Brasil, não é preciso embarcar com máscara cirúrgica.
— E não vejo por que usar máscara nas conexões (fora do país). A maior parte dos casos está na China. Mas, na China, sugiro que a pessoa já chegue ao aeroporto de máscara e a use na rua, trocando-a a cada duas horas — fala a médica, acrescentando que basta adquirir a máscara cirúrgica comum, em farmácias, e que a do tipo N95 é recomendada para profissionais de saúde em determinadas situações.
Além de conter a dispersão das gotículas de saliva, a máscara protege a pessoa de encostar no rosto e acabar se contaminando — daí a recomendação mais importante para a prevenção de contaminação por vírus desse tipo, que é a de lavar repetidas vezes as mãos durante o dia.