A confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil trouxe uma nova incógnita sobre essa doença ainda cercada de dúvidas: se ela terá algum comportamento diverso por conta do clima tropical. A condição é distinta de países como China e Itália, por onde o vírus tem se espalhado nos últimos dois meses. Especialistas ouvidos por GaúchaZH acreditam que a temperatura terá pouco efeito na transmissão do vírus, mas alertam para o risco da aglomeração de pessoas. Nesse cenário, o clima do Rio Grande do Sul é considerado um fator de risco.
Uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Infectologia e representante da entidade no Rio Grande do Sul, a médica Lessandra Michelin afirma que ainda não há comprovação científica sobre o comportamento do vírus no clima tropical. Isso porque a maior parte dos países com registro da doença possui clima frio. A infectologista entende que a maior influência na transmissão não se dá pela temperatura, e sim pela circulação e aglomeração de pessoas.
— No frio, nos reunimos mais em ambientes fechados. E nesses locais alguém tosse, espirra. O frio também faz com que as mucosas ressequem. Isso tudo favorece as chances de atingir mais pessoas aqui no RS. É o que está acontecendo hoje na Itália. O Norte tem mais casos. No Sul, as pessoas arejam mais os ambientes, abrem as janelas. Então, o risco é menor. Aqui, no outono e inverno, há maior chance de casos no Sudeste e Sul do país. À medida que for avançando o ano, com mais chuvas, Nordeste e Norte também podem ter mais casos — explica
O infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rodrigo Pires dos Santos também concorda que os meses de baixas temperaturas trazem maior risco ao Estado, assim como aconteceu durante a transmissão do H1N1, em 2009. O vírus chegou ao Brasil entre o outono e inverno, em maio daquele ano. No mesmo mês, o primeiro caso foi registrado no RS.
— A epidemia do coronavírus iniciou na China há cerca de dois meses. Se contarmos o mesmo período aqui a partir de hoje, podemos pegar boa parte do inverno. A forma de transmitir também é semelhante à do influenza, pelas gotículas ou contato com as mucosas, pelo contato com as mãos contaminadas. Mas parece que a transmissão dele é mais rápida, mais efetiva. As pessoas não têm imunidade contra o vírus. Ele parece ter preferência pelos adultos, com poucas crianças infectadas — afirma.
O médico defende que se replique medidas preventivas adotadas na China, com a redução da circulação de pessoas e atenção com higiene. Ainda nesse cenário de aglomeração, os especialistas indicam que as pessoas com viagens marcadas avaliem caso a caso. Se o destino for um local de alto nível de transmissão (como China e norte da Itália), o melhor é evitar. Em aeroportos e pontos turísticos, onde há maior circulação e possibilidade de contato com infectados, os cuidados devem ser redobrados.
— O indicado é avaliar a necessidade. Se tiver que ir, é preciso se cuidar, higienizar bem as mãos. As pessoas vão ter que ter bom senso. Não ir para uma área de alta transmissão, por exemplo. A gente acredita que os sistemas de vigilância dos países estão muito ativos. Estão atentos aos viajantes — afirma Lessandra. ¶
Dúvidas sobre a transmissão
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o infectologista Eduardo Sprinz reconhece que ainda há muitas dúvidas sobre a forma de transmissão. Ele diz que o calor em excesso prejudica o vírus e que o clima do inverno é favorável à doença. Ele alerta ainda para os pacientes que não manifestam sintomas.
— Com as pessoas doentes, a gente vai tomar mais precaução. Mas com aqueles que não aparentem estar doentes não vai ter o mesmo cuidado. É preciso pensar que ele é mais ou menos transmitido como o vírus da gripe. Mas esse vírus é mais esperto porque tem mais chance de transmissibilidade. E aqui, no nosso Estado, se a doença se confirmar, em vindo a temperatura mais baixa, a chance de disseminação do vírus aumenta. O calor em excesso não é bom para ele. Mais de 40ºC, por exemplo, ou menos de 5ºC. Ele funciona justamente no nosso clima de inverno — alerta.
O infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição André Luiz Machado da Silva alerta também para o fato de que os hospitais e emergências podem ser locais de transmissão da doença. Por isso, recomenda que se tenha maior cuidado com os grupos de risco. Os demais só devem procurar esses locais em caso de sintomas mais graves.
— Um problema que teremos é que as emergências ficarão lotadas com pessoas que tiverem qualquer sintoma de síndrome gripal. A pessoa pode estar com um resfriado comum e ir para aquele ambiente onde de fato está circulando o vírus, e aí sim adquirir. É preciso ficar atento para quando há piora dos sintomas na segunda semana, como dificuldade para respirar. Nesse caso, deve procurar atendimento médico — esclarece.
Por outro lado, garante que na maioria dos casos a doença tem comportamento mais leve. Os pacientes que evoluem para quadros graves são idosos ou pessoas com outras doenças, com imunidade comprometida (diabéticos, hipertensos, gestantes ou em tratamento para câncer, por exemplo).
— É uma doença que ainda não tem medicação para combate. O tratamento, na maior parte dos casos, consiste em repouso, hidratação e uso de antitérmicos — afirma.
O vírus
O que é o coronavírus?
É uma família de vírus que causam infecções respiratórias. Alguns podem gerar doenças graves, como a sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), identificada em 2002, e a mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), identificada em 2012.
O que é o novo coronavírus?
O novo agente do coronavírus (SARS-CoV-2) foi descoberto em 31 de dezembro do ano passado, após casos registrados na China. Provoca a doença chamada de novo coronavírus (covid-19).
Qual o período de incubação?
É o tempo entre ser infectado pelo vírus e o início dos sintomas da doença. As estimativas atuais do período de incubação variam de um a 14 dias, mais frequentemente ao redor de cinco dias.
Como é transmitido?
A disseminação é de pessoa para pessoa, ou seja, há contaminação por gotículas respiratórias ou contato. A transmissibilidade do novo coronavírus é menor que a do sarampo, por exemplo, doença altamente transmissível. Até o momento, não há informação suficiente que defina quantos dias anteriores ao início dos sinais e sintomas uma pessoa infectada passa a transmitir o vírus.
Quais são os sintomas?
Os mais comuns são tosse seca, febre, cansaço, dificuldade para respirar, diarreia e problemas gástricos. Em casos graves, pode provocar insuficiência renal, pneumonia e morte.
Imunidade
Ainda não se sabe se a infecção em humanos que não evoluíram para óbito irá gerar imunidade contra novas infecções e se essa imunidade é duradoura por toda a vida.
Fonte: Ministério da Saúde - Boletim Epidemiológico COVID - 19 e Folha Informativa da Organização Pan Americana da Saúde