A liberação do plantio de Cannabis para pesquisa e produção de medicamentos no Brasil deverá abrir as portas para o consumo generalizado, afirmou nesta terça-feira (9) o ministro da Cidadania, Osmar Terra.
— É o começo da legalização da maconha no Brasil. Se abrir as portas do plantio, vai abrir as portas do consumo generalizado. A proibição mantém de alguma maneira controlado esse processo — disse.
Para Terra, que está à frente de mudanças recentes que tornaram mais rígida a política de drogas, a proposta em discussão na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deverá aumentar a dependência química entre jovens. A agência, porém, tem informado que a regulação será restrita a empresas para pesquisa e produção de remédios à base da planta, com base em critérios de segurança e sem espaço para outros produtos ou uso recreativo. A venda de remédios também será controlada, informa. O ministro contesta.
— Se não controla proibindo, imagina controlar no detalhe? — afirmou em audiência pública no Senado sobre o uso medicinal da Cannabis.
— Não precisa plantar maconha para ter os remédios. Tem laboratório produzindo sinteticamente o canabidiol puro, sem o THC. Não precisa plantar papoula para ter tratamento para a dor com a morfina — comparou.
A declaração expõe o racha que ocorre entre membros do governo e da Anvisa em torno do uso medicinal da Cannabis. No último mês, a agência colocou em consulta pública duas propostas sobre o tema: uma com regras para o plantio e outra para registro de medicamentos que podem ser gerados neste processo.
Atualmente, o cultivo de maconha é proibido no país. Desde 2006, no entanto, a lei 11.343 prevê a possibilidade de que a União autorize o plantio "para fins medicinais e científicos em local e prazo predeterminados e mediante fiscalização"— daí a proposta de regulamentação do tema.
A ideia da Anvisa é que o cultivo seja feito por empresas em locais fechados e com acesso controlado por biometria e outros dispositivos de segurança, após obtenção de licença especial. Também estão previstas cotas de plantio e monitoramento por órgãos como a Polícia Federal.
O objetivo é aumentar o acesso a medicamentos feitos à base de derivados da planta, como o canabidiol. Desde 2015, a Anvisa autoriza a importação de óleos e medicamentos à base da substância, reconhecida por ter efeitos terapêuticos para alguns quadros e não ser psicoativa.
Ao todo, 6.789 pacientes já obtiveram o aval, a maioria para epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e alguns tipos de câncer. Pacientes, no entanto, reclamam dos custos e da dificuldade de acesso. Em alguns casos, um tratamento por três meses fica em torno de R$ 2 mil, o que tem feito crescerem as ações judiciais para que planos de saúde e no Sistema Único de Saúde (SUS) forneçam os produtos.
Antes de deixar o local, Terra pediu a senadores que "não permitam" que a liberação do plantio aconteça.
— Não existe maconha medicinal — afirmou.
Audiência pública sobre o plantio
Leandro Ramires, presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, rebateu as declarações do ministro.
— Cannabis não é esse crime. A epidemia (de drogas) dita aqui é bem diferente de estudos que poderiam ter sido colocados públicos e não foram — afirmou, em referência a estudo elaborado pela Fiocruz cuja publicação foi engavetada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad).
Segundo pesquisadores da área, o resultado demonstrou que o país não vive uma epidemia de drogas, especialmente de crack. O diretor-presidente da Anvisa, William Dib, deve participar do debate à tarde, junto com representantes do Conselho Federal de Medicina. Outra audiência sobre o mesmo tema está prevista para ocorrer na Câmara.
Nesta terça (9), a diretoria da Anvisa também aprovou a abertura de uma audiência pública sobre o tema. O debate está marcado para 31 de julho. A ideia é coletar mais subsídios para a regulamentação do plantio no país.
Durante a reunião, Dib afirmou que a proposta deverá dar mais segurança a pacientes que buscam óleos e extratos à base de Cannabis, "não tendo que submeter ao contrabando para ser atendido".