Circula pelas redes sociais um meme com um gráfico de pizza que mostra a atual divisão do mundo. Nele, mais de 50% é preenchido por coaches. Brincadeiras à parte, a imagem refere-se a um fenômeno recente: o crescimento desses profissionais no mercado, oferecendo desde treinamento com foco na carreira até acompanhamento para emagrecer.
Na prática, o termo em inglês "coach" significa "treinador", que é a função de uma pessoa que, por intermédio de uma metodologia específica, utiliza ferramentas para ajudar seu "coachee" (cliente) obter os melhores resultados em um curto espaço de tempo. Apesar do sucesso atual, a categoria ainda enfrenta restrições, especialmente quando se trata da atuação no segmento da saúde, acendendo o alerta de algumas instituições para o tema.
Em maio deste ano, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) emitiu nota na qual repudiou ofertas de cura de doenças feitas por profissionais intitulados coaches. "A ABP luta diariamente em busca de uma melhor saúde mental para a população brasileira e esses profissionais, que se apresentam como "coachs", podem causar diversos prejuízos não apenas à sociedade, mas aos profissionais que se especializaram durante anos para oferecerem o melhor ao paciente", disse parte do texto. Assim sendo, vale a discussão: quais são os limites desses profissionais e o que eles podem ou não fazer quando falamos em saúde?
De acordo com o fisioterapeuta Bruno Romão, treinador do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), embora não haja obrigatoriedade de ter determinada formação para atuar nesse meio, há uma recomendação para que os coaches de saúde sejam coerentes com suas áreas de conhecimento.
— Uma das coisas que a gente preconiza dentro das nossas formações é que o indivíduo seja congruente com o que já atua, principalmente na área da saúde. Quando há integração entre a metodologia do coaching com sua área de atuação, nutricionistas, profissionais de educação física ou psicólogos têm um ganho nas suas formações básicas.
Apesar das recomendações de instituições como o IBC, o que se vê na prática nem sempre é isso. Um exemplo são os coaches de emagrecimento que, em alguns casos, não são graduados em nutrição. A nutricionista e doutora em cardiologia Glaube Riegel, que também atua como conselheira do Conselho Regional de Nutricionistas da 2ª Região (CRN-2), lembra que, mesmo com graduação na área da saúde, os coaches não devem ultrapassar as fronteiras da sua formação.
— Prescrição de dieta, por exemplo, é uma atribuição do nutricionista. Educador físico, psicólogo ou enfermeiro não podem fazer isso. O limite do coach é o limite do conhecimento técnico que ele tem — argumenta.
De acordo com Glaube, O CRN-2 não é contra a ferramenta de coaching, no entanto, reserva esse tipo de oferta (de emagrecimento) para pessoas formadas em Nutrição.
— Nos posicionamos contra os profissionais que não são da área da saúde que acabam, de alguma forma, exercendo a profissão de forma inadequada — completa.
Para a conselheira, nesses casos, ao contratar serviços de coaching não graduados em Nutrição, os riscos à saúde são maiores do que os possíveis benefícios, pois o nutricionista é o profissional habilitado tanto para prescrever regimes alimentares quanto para avaliar pacientes do ponto de vista patológico, encaminhando-os, quando necessário, para outros profissionais da saúde, como médicos ou psicólogos.
Como fugir de roubadas
Romão é enfático ao defender que coaching não é terapia:
— Algumas pessoas confundem.
O trabalho de um coach, garante, é lançar mão de ferramentas para compreender e reforçar o potencial dos indivíduos a fim de atingir seus objetivos. Esse processo de buscar soluções rápidas para nossos sofrimentos é natural, avalia o psiquiatra Cláudio Meneghello Martins, diretor-secretário da ABP.
— Devemos pensar que todos nós somos vulneráveis, temos limitações, sofrimentos, dores físicas e emocionais. Quando estamos em sofrimento, queremos buscar alívio em qualquer recurso, que vai desde rituais religiosos até as buscas a outros tipos de assistência — diz.
Embora não seja contra esses profissionais, o psiquiatra faz um alerta sobre os possíveis riscos de dar preferência a eles no lugar de um médico.
— Um grupo de pessoas pode se beneficiar de um coaching, mas há risco quando esse perfil de assistência é colocado como perfil de desassistência médica. Essa proposta de orientador em diversas áreas da vida é complexa. A gente não tem essa receita de bolo tão pronta — completa.
Aqueles que desejam auxílio de um coach devem atentar à formação desse profissional. Romão indica que sejam analisados os seguintes aspectos do profissional: experiências prévias, formação que o habilite a trabalhar com saúde e formação de coach em uma instituição reconhecida.
Reforço na formação
Formada em Nutrição em 2006, Mariana Belomé procurou os serviços de um coach no fim de 2015 para dar um novo rumo à carreira. Com experiência em hospitais, ela desejava voltar a atuar na parte clínica. Aliado a isso, começou a ganhar peso.
— Não queria ser mais uma nutricionista que só passava dieta, já que para mim isso não funcionava. Procurei um coach para tratar da carreira e isso me ajudou a emagrecer também — garante.
Assim, procurou uma formação em coaching e se formou nesse ramo em 2016, desde então, trabalha como nutricionista e life coach.
— Sou suspeita para falar, pois sou apaixonada pelo comportamento humano. Vi nisso uma oportunidade de ajudar mais clientes, que são pessoas com o mesmo problema que eu tinha. Não acho ruim o trabalho de um coach de emagrecimento, desde que o profissional saiba que ele não pode prescrever dieta. Ele vai ajudar o paciente a ter mais foco para ter ações que atinjam seus objetivos.
A especialista afirma que contratar um desses serviços (nutricionista ou coach) não exclui a busca pelo outro. Ela acredita, inclusive, que o ideal seria contar com os dois profissionais.
— Ajudar na mudança de mentalidade é importante assim como contar com alguém que saiba do funcionamento do corpo e entenda como calcular calorias — finaliza.
Antes de contratar um coach, sugere a nutricionista, é importante conversar com o profissional, pesquisar suas formações e pedir referências de bons resultados.