Ana Maria Rossi padeceu na infância dos males nos quais virou especialista: estresse e ansiedade. Cresceu ouvindo “relaxa”, “descansa”. Jornalista e psicóloga que morou por 16 anos nos Estados Unidos, onde se apaixonou pelo tema que a tirou da carreira em comunicação social, a porto-alegrense aprendeu técnicas e estratégias para ajudar ela própria e seus pacientes a transformar o estresse potencialmente prejudicial em algo positivo.
– Se me incomodo com alguma coisa, penso: “Você vai se lembrar disso daqui uma semana? Não? Então rola”. Aprendo batendo com a cara no chão. Queremos aprender a selecionar as coisas que vão nos incomodar. Tem aqueles que estão super-reagindo a tudo: ao trânsito, à fila, à pessoa que não os olhou. Temos que aprender a “surfar” pelas adversidades – disse Ana Maria durante esta entrevista, realizada em seu consultório, no bairro Moinhos de Vento, na Capital.
A especialista em estresse e ansiedade não tem celular. Por quê?
Especialista em estresse porque eu sempre fui uma pessoa muito estressada. Aliás, eu sou muito estressada. O estresse é parte da personalidade, das reações da pessoa. Por muito tempo, fiquei incomodada. Pensava: meus pais poderiam ter me feito menos ansiosa, menos estressada, facilitaria a minha vida. Eu era uma pessoa como o peru. Só que o peru morre de véspera, e eu morria uma semana antes. Era tão intensa em tudo que, quando chegava a deparar com a situação, já estava tão desgastada que, mesmo que fosse uma situação positiva, nem aproveitava. Sempre vivendo no futuro, como uma boa pessoa ansiosa, que está sempre lá na frente. Hoje em dia, estou muito grata de ter nascido tão estressada e tão ansiosa, porque isso me deu a possibilidade de me aprofundar, de mudar radicalmente o meu estilo de vida – de outra maneira, eu já não estaria mais nem aqui – e de ajudar muitas pessoas. Aprendi estratégias e técnicas que me ajudam a transformar esse estresse potencialmente prejudicial em algo muito positivo. Aprendi os meus limites. Hoje sei o quanto posso me puxar até começar a ter sintomas. Não ter celular é parte de estabelecer esses limites. Trabalho uma média de 12 a 14 horas aqui (no consultório), é muito mais a minha casa do que a minha casa, com três telefones, os três com secretária eletrônica. Em casa, também tenho telefone. Não trabalho com emergência. Por que vou querer um telefone celular? Essa é a razão de não ter. Quando não estou disponível para atender ao telefone, não quero ser interrompida. Nunca tive celular. É uma questão de escolha, de filosofia. Até o momento, não precisei ter. Se houver necessidade, compro.
O celular é um grande agente estressor, não?
As pessoas, muitas vezes, tendem a ter a sensação de que são imprescindíveis, de que, se elas não fizerem alguma coisa naquele momento, o mundo vai acabar. E também há a questão de se tornarem dependentes do celular. Tem aquela coisa de “alguém está me ligando, tenho que atender agora!”. Me corrói, me dói mesmo, olhar, em um restaurante, por exemplo, a pessoa do meu lado ao telefone. Às vezes, pelas expressões, pelo jeito, você nota que aquilo está sendo altamente prejudicial para ela. Fico pensando: será que essa conversa seria necessária durante o almoço? Às vezes, num momento de lazer, em vez de aproveitar a companhia, estão falando ao celular ou tuitando.
O que é estresse?
Estresse, para nós, é qualquer situação que requer adaptação da pessoa. Por exemplo, neste momento, estou estressada, querendo colocar 69 anos de vida em uma cápsula para lhe passar, de forma que seja interessante para você.
Qualquer mínima alteração é estressante, então?
Com certeza. O tempo, qualquer coisa. Chamamos de estressores os geradores de estresse. Tanto o positivo quanto o negativo podem causar até a morte. Aquele torcedor que vai ao estádio e quando o time precisa muito fazer um gol e faz, ele infarta. Claro que o negativo tem uma repercussão maior.
As discussões incandescentes do período eleitoral, no ano passado, que provocaram tantos desentendimentos e rompimentos, estão sendo retomadas?
Nunca tinha visto algo assim, me surpreendeu. Para algumas pessoas, o relacionamento já estava pesando, e esse foi um excelente motivo para colocar um ponto final, mas a tendência é de que a animosidade fosse diminuindo. Só que, no geral, acho que as pessoas estão mais estressadas. Me parece que o copo está quase cheio e, com qualquer coisa, começa a derramar. Nosso nível de tolerância está muito comprometido. A incerteza, a insegurança sobre aonde a gente está indo, a mudança no estilo de vida em termos de poder e status, o ritmo acelerado... Também as mudanças tecnológicas têm mexido muito com as pessoas. “Recebi um WhatsApp e tenho que responder agora!” Mostrar-se presente, ativo, causa um desgaste bárbaro.
No Brasil, 32% da população economicamente ativa sofrem de burnout, que é um nível exacerbado de estresse, sempre relacionado ao trabalho. O burnout pode levar ao suicídio se não tiver tratamento adequado. diversos fatores contribuem: sobrecarga, ser exigido a realizar tarefas que não pode, notar que não é tratado com justiça, falta de reconhecimento.
ANA MARIA ROSSI
Psicóloga
Quanto às brigas, é bom fazer uma “faxina afetiva” de vez em quando? Há pessoas muito negativas e sugadoras.
Sim, são as relações tóxicas. E, principalmente, quando você convive com a pessoa, seja companheiro ou companheira. Tem de olhar custo e benefício. Muitas vezes a pessoa diz: “Ah, mas tem a questão econômica”. Mas aí você precisa ver quanto vale a sua saúde. Coloco tudo em balanças. Me envolvo com aquelas coisas que, para mim, têm importância. Se me incomodo com alguma coisa, imediatamente penso: “Você vai se lembrar disso daqui a uma semana? Não? Então rola”. Aprendo batendo com a cara no chão. Queremos aprender a selecionar as coisas que vão nos incomodar. Tem aqueles que estão super-reagindo a tudo: ao trânsito, à fila, à pessoa que não os olhou. Temos que aprender a “surfar” pelas adversidades. A base da minha filosofia de vida é a expectativa. O que nos faz feliz ou infeliz não são as coisas que acontecem lá fora, é isso aqui (aponta para a própria cabeça). Só que uma pessoa sem expectativa não tem objetivo. Agora, quando a expectativa não se confirma, e a pessoa não tem flexibilidade e criatividade para criar opções, ela se mata. É um processo suicida. Desenvolver a criatividade e a flexibilidade é extremamente importante em qualquer fase da vida. Se uma pessoa fica focando naquilo que não tem, ela vai se sentir miserável o tempo inteiro. Então, tem de focar naquilo que ela tem. Claro que quero estar consciente daquilo que não quero, daquilo que não faço tão bem, daquilo que posso melhorar para poder progredir, mas, se eu focar, vou me sentir um lixo. Somos o resultado daquilo que pensamos.
O estresse é cumulativo, afeta o sistema imunológico e faz adoecer. De que forma?
Temos três níveis: sinais, sintomas e doença. Se tem alguma coisa que me incomoda e eu me tensiono, daqui a pouco meus músculos vão ficar doendo, mas daí relaxo e passa. Isso é um sinal. Mas, se eu ficar fazendo isso por períodos prolongados ou frequentes, eventualmente vou ter tensão muscular. Se a pessoa não se liga no sinal, ela desenvolve o sintoma. Aí talvez eu comece a ter um pouco de dor de cabeça... Infelizmente, a nossa sociedade ocidental – e, pior ainda, a oriental está entrando nesse modo –, em vez de parar, fazer um exame de consciência e mudar, o que faz? Comprimido. Tomo um relaxante muscular e “dê-lhe pau”. Então, aquela dor, aquele desconforto eventual podem se tornar uma dor. Se eu não fizer algo a respeito, posso desenvolver uma fibromialgia ou algum outro problema. Mas o estresse não causa a doença, ele é um gatilho direto ou indireto para algumas doenças devido a dois fatores: se essas adaptações (a coisas negativas) são muito frequentes ou muito prolongadas. Das duas, a prolongada é a pior. Vou aceitando, me medicando, me medicando e perpetuando isso.
É possível ser feliz sem satisfação no trabalho? Ou na vida amorosa? Ou seja, tendo satisfação em uma esfera da vida e não em outra. É muito difícil estar tudo bem ao mesmo tempo.
Com certeza. Se o trabalho está bom e em casa está tudo bem, existe uma troca. Se em casa as coisas estão mal e no trabalho, estão bem, posso começar a compensar trabalhando ainda mais e virar uma workaholic. Chego em casa e, em vez de ouvir “que legal que você chegou”, ouço: “Pô, está chegando tarde de novo! Por que já não fica no trabalho?”. Aí, no dia seguinte, a pessoa chega um pouquinho mais tarde. E, um dia, ela chega em casa e não tem mais família. Um cliente chorou na minha frente: “Onde eu errei?”. Ele estava tão imbuído no trabalho que não se deu conta de que o relacionamento dele já não existia. Uma pessoa assertiva diz: “Eu sei que tenho chegado em casa afobada, sem muita paciência, às vezes você quer me contar uma coisa e eu já dou uma solução, não o deixo falar”. Se você fica apontando defeitos e botando a culpa no outro, aí já começou a conversa terminando. Tem de achar sempre o que há de positivo. E, se não houver nada de positivo, pede as contas e vai embora, porque aí o adoecimento é uma questão de tempo. No Brasil, 32% da população economicamente ativa sofrem de burnout, que é um nível exacerbado de estresse, sempre relacionado ao trabalho. O burnout pode levar ao suicídio, é uma rua sem saída, se não tiver um tratamento adequado. Diversos fatores contribuem: sobrecarga de trabalho, ser exigido a realizar tarefas que não pode, notar que não é tratado com justiça, falta de reconhecimento. Essas pessoas, semanalmente, trabalham em média cinco horas a menos do que as outras. Na verdade, elas não têm nem condições de trabalhar, mas elas vão se arrastando, principalmente numa época de tanta instabilidade. Desses 32%, 96% praticam o presenteísmo: você vê a casca do ovo mas não tem nada dentro; as luzes estão acesas, mas não tem ninguém em casa. Num primeiro momento, os colegas se recrutam para ajudar, mas daí se sobrecarregam, porque trabalham mais. Isso vai virando ressentimento e raiva. Aí essa pessoa começa a ser alienada, e isso, para ela, é devastador.
Temos usado o estresse como uma forma de verbalizar emoções. Em vez de dizer ‘estou frustrada’, o que eu digo? ‘Estou estressada!’ O estresse ficou banalizado e prostituído. Ele significa todas as coisas. E, por significar todas as coisas, perdeu o sentido.
ANA MARIA ROSSI
Psicóloga
Banalizamos a palavra estresse? Todo mundo se diz estressado. É que nem “correria”: Todo mundo está na correria. “Tudo bem?” “Na correria!”
Como se fosse bonito, né? Banalizamos porque estamos estressados ou porque não sabemos usar esse termo? Acho que por tudo isso, mas principalmente porque temos usado o estresse como uma forma de verbalizar emoções. Por exemplo, estou chegando à parada e a lotação passou. Em vez de dizer “estou frustrada”, o que eu digo? “Estou estressada!” Ouço crianças que vêm ao dentista aqui no prédio dizendo: “Ai, como estou estressado hoje”. Às vezes pergunto por quê. “A professora só dizia não!” O que o piá vai saber de estresse? Ele deve ter ouvido alguém falar isso. O estresse ficou banalizado e prostituído. Ele significa todas as coisas. E, por significar todas as coisas, perdeu o sentido.
Deixar de lado o que pode ser resolvido no dia seguinte é muito difícil. Depende de treino? Claro. Disciplina mental. Não tenho nenhum dom, nada de sobrenatural. É bê-á-bá, é treino. Aprendi a conversar comigo. Estava com uma preocupação recentemente e resolvi deixar para o dia seguinte. Desliguei o computador e fui para casa fazer minhas coisas. Pensei naquilo. Acordei à noite. “Dorme, amanhã a gente vai lidar com isso.”
Ou seja, mesmo com todo o treino você ainda falha de vez em quando.
Claro. Sou humana. E tem pensamentos que são mais obsessivos, que tenho mais dificuldade em afastar. Aí tenho duas maneiras de lidar com isso. Uma delas é fazer uma postura de equilíbrio da ioga. Se não foco na postura, com uma perna só, eu caio. Fico alguns segundos, um minuto. Quando o pensamento volta, faço de novo. Também funciona, para mim, pelo menos, a música. Mentalmente, tenho de cantar uma música inteira sem deixar aquele pensamento ocorrer. Se o pensamento ocorrer, tenho que voltar para o início da música. Daqui a pouco, já mudo o foco.
O que a estressa, geralmente?
Não tem nada que me “estreeeeesse”. É uma questão de expectativas. Estou selecionando melhor as minhas. Aprendi a avaliar as situações. O que tem de mais importante é minha paz de espírito. E, hoje em dia, é assim: não importa quem for o cliente, se não sinto uma energia positiva, indico outra pessoa. Adoro trabalhar com meus clientes. Não é que eu esteja buscando cliente fácil. Estou muito, muito light. Me sinto tão feliz. Às vezes me questiono: será que não estou tirando a felicidade de outra pessoa? (Risos.) Normalmente saio do consultório cantando, mentalmente. Às vezes, noto que não estou cantando. Aí penso no que está me incomodando e faço uma correção de percurso.
Como é a sua rotina, fora o trabalho?
Faço meditação transcendental, aquela que usa um mantra, duas vezes por dia, 20 minutos cada sessão, sentada, sem encosto para a cabeça. Faço ioga todos os dias. Todos os dias, tenho alguma atividade física – academia, pilates, caminhada. Esse relaxamento, vou colocando na “poupança”. Se tenho alguma situação de estresse, faço resgate automático. Confesso que não tenho me deparado com situações estressantes. E a respiração é a nossa âncora para lidar com o estresse.
Como se respira direito? Me ensina?
A menos que a criança nasça com algum problema respiratório, nós nascemos respirando com grande eficiência. Barriguinha para cima, barriguinha para baixo, movimento abdominal. À medida que vamos nos tornando adultos, usamos a respiração para trancar nossas emoções. “Ai, tô com raiva dessa pessoa!” Essa respiração, chamada de abdominal, diafragmática, do bebê, profunda ou do ioga, quer dizer que estamos mexendo a parte inferior dos pulmões. Na idade adulta, e você pode observar, a maior parte das pessoas faz a respiração torácica, com a parte superior dos pulmões, que só mexe aqui (na altura do peito). Quando a pessoa está fazendo a respiração abdominal, normalmente ela mexe um pouquinho os ombros também. Se você se reeducar, quer fazer a respiração abdominal 24 horas por dia. A respiração torácica é limitante: pouco oxigênio, pouca vascularização na parte inferior. Pode resultar em câimbra, dormência, formigamento e aquela sensação de cansaço, de falta de energia.
A respiração abdominal é útil também em situações de estresse, não é?
Sim. Em qualquer situação. A respiração é a âncora. Não queremos respirar com eficiência apenas quando estamos relaxando. Queremos respirar dessa maneira 24 horas por dia. Quando estou fazendo para relaxar, estou focando na respiração. Estou conversando com você e fazendo a respiração abdominal. Fisiologicamente, a respiração é a mesma. Mentalmente é que ela muda. Se você a iniciar em um momento de alta tensão, provavelmente vai ser ineficiente, porque você já vai estar toda tensa. É que nem em uma prova: você não vai estudar no momento da prova, vai estudar antes. Uma pessoa muito tensa pode sentir desconforto, então tem que ir fazendo devagarinho. O ideal é conseguir fazer essa respiração diversas vezes ao dia, concentrada, e principalmente quando ela não precisa. Quando me dão uma cortada no trânsito, em vez de ficar toda tensa, respiro corretamente. Não requer nenhum esforço. Disciplina mental se começa com as pequenas coisas. Você vai começando a aprender as manhas e os atalhos que a mente usa e muitas vezes a gente não percebe.
O segredo é entender a mente.
E ter sempre disponível o seu controle remoto. Se você está com um pensamento disfuncional, que o está prejudicando, use o controle remoto. Troque. Mas, se for alguma coisa que dependa de solução, não engavete para sempre, porque vai voltar no momento pior possível, de vulnerabilidade. Minha sugestão é: se há alguma situação que a pessoa não consiga resolver naquele momento, pegue um livro, converse com alguém, busque ajuda profissional e converse consigo mesmo: “Sei que você está aí e vou lidar com você, mas me dá um tempo”. E daí procure se instrumentar para lidar com a situação. Aconteceu uma coisa interessante há pouco. Uma cliente tinha uma respiração artificial. Começamos a praticar, ela começou a chorar e desengavetou um segredo que nunca havia contado para ninguém. Pelo que ela disse, estava cheio de pó. A respiração, fisiologicamente, ajuda a oxigenar todo o organismo e também nos coloca em contato com as nossas emoções.