Roman Krznaric acredita no poder da empatia para transformar indivíduos e sociedades. Nascido na Austrália e radicado na Inglaterra, o filósofo deu um giro pelo Brasil neste mês, incluindo uma escala em Porto Alegre, para o lançamento do livro Carpe Diem – Resgatando a Arte de Aproveitar a Vida (Zahar, 280 páginas, R$ 59,90 o impresso e R$ 39,90 o e-book) e falou também sobre a capacidade de se colocar no lugar do outro.
Ao lado do filósofo e escritor suíço Alain de Botton, Krznaric é um dos idealizadores da respeitada The School of Life ("A Escola da Vida"), com sede em Londres e filiais em outras grandes cidades, como São Paulo. A instituição se dedica ao desenvolvimento da inteligência emocional, aplicando psicologia, filosofia e cultura ao cotidiano.
Você é um dos idealizadores da School of Life e também do Museu da Empatia, famoso, entre outros projetos, por convidar as pessoas a calçarem os sapatos de outras para que se sintam como elas. Você afirma que a empatia é algo que se pode aprender. Particularmente, sempre pensei que, ou você tem, ou você não tem empatia.
A ideia da inteligência emocional remonta à década de 1990, quando o conceito foi criado pelo psicólogo Daniel Goleman. A boa notícia é que ela pode ser aprendida – é uma habilidade como a de dirigir um carro ou andar de bicicleta. A empatia, a capacidade de se colocar no lugar de alguém, entendendo seus sentimentos e perspectivas, é um dos componentes-chave da inteligência emocional. Como melhorar nesse aspecto? Em termos práticos, tem algo que todos nós podemos fazer: conversar com um estranho uma vez por semana. Converse com o tipo de pessoa com quem você normalmente não fala – o cara que lhe vende o jornal pela manhã, a pessoa que limpa o seu escritório... Por que fazer isso? Estamos todos carregando, dentro de nós, preconceitos, suposições, estereótipos sobre as pessoas. Julgamos os outros a partir da aparência, do que parecem ser. A conversa com um estranho é a primeira de muitas formas de praticar a empatia, porque você começa a perceber que as outras pessoas são, talvez, um pouco como você. É a prática do ato de ouvir. É assim que começamos a nos conectar com os outros, entendendo como eles veem o mundo e desafiando nossos preconceitos e suposições.
Viajando tanto, imagino que você tenha a chance de conhecer muitos estranhos, o tempo todo.
Sim, conheço muitos. Mas você também pode viajar e não conhecer ninguém. Você tem que ter aquela coragem de sair de si mesmo e conversar com as pessoas. Olhe em volta. Mantenha seus olhos abertos, como um antropólogo. Você pode fazer isso na sua própria rua. Você pode ter uma conversa com o seu vizinho de porta ou com pessoas próximas com quem você nunca falou sobre amor. Por que não? Descubra o que elas pensam.
A indústria da autoajuda diz que a grande questão é ‘quem sou eu?’, ‘o que há para mim?’. Acho que a grande questão do século 21 não é ‘quem eu sou?’, mas ‘quem é você?’. Conhecer pessoas diferentes da gente também é parte do jeito pelo qual expandimos nosso círculo moral, nosso ‘eu’ ético.
ROMAN KRZNARIC
Filósofo
De que outras maneiras se pode exercitar a empatia no dia a dia?
Se você está em uma discussão tensa, há três coisas que pode fazer para ouvir bem. A primeira é estar de fato presente, disponível para a outra pessoa. Escute-a, não a interrompa, não a julgue. A segunda é prestar atenção aos sentimentos dela. A terceira é ouvir quais são as necessidades dela. Você pode perguntar: do que você está precisando? É como mágica. Mesmo que você não consiga concordar, tudo bem, mas a voz dela estará sendo ouvida. Isso tende a reduzir a tensão. Vocês começam a criar vínculos. Quando você pergunta por que as pessoas se divorciaram, grande parte delas diz que foi porque o marido ou a esposa não as escutava. Existe um grande espaço na vida familiar para que se pratique a empatia, ouvindo e falando sobre sentimentos e necessidades. Com meus filhos, estou, com frequência, completamente enganado a respeito de como eles estão se sentindo ou o que estão pensando. É preciso muita conversa para entender realmente do que se trata, para entender o que eles sentem, para ver o mundo do ponto de vista do outro. Se você quiser que seus filhos sejam empáticos, não lhes dê uma palestra sobre empatia. Pratique a empatia com eles, molde-os, mostre a eles pela maneira como o casal se trata e conversa. É como uma criança aprende: observando o que acontece ao redor dela.
O que você sabe sobre o cenário político brasileiro atual?
Estou no Brasil neste momento de grande polarização política. Sei sobre Bolsonaro (Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência), sobre a campanha no WhatsApp e no Facebook... É incrível. O que me chama a atenção é que, não importa o resultado da eleição ou o que aconteça, esta é uma sociedade que terá de encontrar caminhos, criar pontes para lidar com essa divisão entre um lado e outro, e a empatia é uma das formas de fazer isso. Como podemos dialogar em torno dessa divisão? Quando você se coloca no lugar de uma pessoa para tentar entendê-la, o que não significa ter de concordar com ela, precisa criar espaços para dialogar. Tive um projeto em que eu organizava o que chamava de “refeições para conversar”. Convidávamos pessoas de origens e trajetórias bem diferentes: muito ricas e muito pobres, negras e brancas, cristãs e muçulmanas... Em vez de lhes dar um menu de comida, entregávamos um cardápio de conversação. “O que você aprendeu sobre os diferentes tipos de amor na sua vida?” “De que maneira você gostaria de ser mais corajoso?” “Como suas prioridades devem mudar ao longo dos anos?” A ideia era que essas pessoas conseguissem estabelecer uma conexão e conversar por horas, não apenas um minuto, tentando atravessar a distância entre elas. Construir empatia. Não importa quem vença o segundo turno, a polarização vai continuar existindo e será necessário encontrar um jeito de a sociedade se conectar outra vez. É muito difícil um país funcionar baseado no ódio e no medo. Esses projetos de conversação são, acredito, o tipo de coisa em que os brasileiros deveriam pensar para tentar ajudar a reduzir a polarização. Trata-se de humanizar as outras pessoas.
As pessoas estão começando a se dar conta de que a mercadoria mais preciosa é o tempo, e não o dinheiro. Mais e mais indivíduos prefeririam ter 20% a menos de renda e 20% a mais de tempo.
ROMAN KRZNARIC
Filósofo
“Empatia, e não política, pode modificar nossa sociedade.” Como você chegou a essa conclusão?
Quando eu atuava como cientista político, costumava pensar que você muda o mundo com novas leis, eleições e políticas públicas. Ainda acredito nisso de certa forma, mas o que aprendi, com os anos, é que mudanças fundamentais na sociedade acontecem por meio da empatia. Se você olhar para a história... Por exemplo, vivo na Inglaterra, e no século 18 houve o primeiro grande movimento social mundial contra a escravidão. Foi um movimento baseado na empatia. Ex-escravos foram chamados para falar em diferentes locais do país para que as pessoas pudessem encontrá-los e ouvir a voz deles. Elas podiam se colocar no lugar de um escravo. E esse movimento foi tão poderoso que levou a novas leis para abolir a escravatura e o tráfico de escravos. É um dos muitos exemplos na história que mostram que a empatia abre a porta para a nossa preocupação moral, enquanto leis e direitos mantêm essa porta aberta. É como vejo muitas mudanças fundamentais acontecendo, particularmente na luta pelos direitos humanos e pela justiça social. É claro que esse não é o único modo com o qual a história se constrói, mas é algo fundamental. Em um país onde houve uma guerra civil, como a Croácia, é essencial criar projetos de empatia para aqueles que estavam se matando uma geração atrás voltem a se falar de novo. A empatia é a base da construção da paz e de uma sociedade tolerante.
A empatia vem diminuindo ou aumentando?
Existem evidências de declínio empático em diversos países. Na Grã-Bretanha, por exemplo, estudos mostram que há menos cuidado dos cidadãos em relação a pessoas que são diferentes, como os imigrantes. Ao mesmo tempo, a cultura digital está piorando tudo: quanto mais interações via Facebook você tem, mais narcisista você tende a se tornar. No mundo digital, é como se estivéssemos em uma câmara de reverberação, recebendo apenas notícias que reforçam nossos pontos de vista e nos conectando preferencialmente com pessoas que compartilham dos nossos pontos de vista. Acredito que há grandes desafios para o desenvolvimento da empatia nesse contexto. Por outro lado, há crescente valorização da importância da empatia. Por exemplo, em muitos países a empatia é um conteúdo ensinado às crianças na escola.
Nos tornamos mais individualistas pelo que você chama de "cultura da distração digital".
Sim, acho que nos tornamos mais individualistas. Cada pessoa checa seu telefone 110 vezes por dia. O narcisismo está contribuindo para o aumento do individualismo. A indústria da autoajuda diz que a grande questão é "quem sou eu?", "o que há para mim?". Acho que a grande questão do século 21 não é "quem eu sou?", mas "quem é você?". Essa é uma questão sobre empatia: dar-se conta de que aprendemos sobre a vida não apenas pensando sobre nós mesmos ou postando sobre as coisas maravilhosas que estão acontecendo nas nossas vidas, mas nos interessando pelos outros e aprendendo com eles. É por isso que tenho curiosidade pelos estranhos. Conhecer pessoas diferentes da gente é algo energizante, nos dá novas ideias, mas também é parte do jeito pelo qual expandimos nosso círculo moral, nosso "eu" ético. E acho que é muito difícil fazer isso online.
No livro Carpe Diem, você afirma que o espírito dessa expressão foi “sequestrado”, “roubado” de inúmeras formas, e que nós devemos recuperá-lo se quisermos viver a vida ao máximo. Pode falar um pouco sobre isso?
Carpe diem é essa frase latina antiga, de 2 mil anos atrás. Em inglês, é traduzida como “aproveite o dia”, como “aproveitar uma oportunidade”, uma oportunidade que pode desaparecer, como a chance de trocar de carreira ou de salvar um relacionamento que está se desfazendo. Em português, se eu olhar para a capa do meu livro na edição brasileira, diz “aproveitar” no sentido de aproveitar o prazer. Se formos para a Holanda, poderemos traduzir carpe diem como “colher o dia”, como você colhe ou pega uma flor. É mais gentil. Em meu livro, exploro esses diferentes significados. O significado de carpe diem foi sequestrado de várias formas. A primeira foi pela cultura do consumo: lemos “apenas faça isso” como “apenas compre isso” (alusão ao slogan da Nike em inglês, “just do it”). Em vez de aproveitar o dia, aproveitamos nossos cartões de crédito. A liberdade se tornou uma escolha entre diferentes marcas: Nike ou Adidas? IPhone ou Samsung? Quando o poeta romano Horácio disse carpe diem pela primeira vez, tenho certeza de que ele não pensava que “aproveitar o dia” se resumisse a conseguir uma barbada em um shopping, ou a comprar com um clique, ou a escolher entre Nike ou Adidas. É sobre tomar grandes decisões na vida, e não sobre tomar decisões de consumo. A segunda forma de sequestro é uma que todos nós conhecemos, a cultura digital. “Faça isso” se tornou “tuíte isso”, “compartilhe isso”, “poste isso”. Antes de viajar para cá, estava pesquisando sobre a vida brasileira nas mídias sociais e descobri uma estatística surpreendente: os brasileiros passam, em média, três horas e 43 minutos por dia navegando nas redes sociais. É um dos índices mais altos do mundo. Incrível. Isso significa que, quando você chegar aos 75 anos, terá passado nove anos da sua vida nas mídias sociais. Imagine chegar ao fim da vida, olhar para trás e pensar: “Eu passei nove anos da minha vida em uma tela”. Claro que podemos ter relações reais e sentir emoções assim, mas viver é a experiência direta, não é assistir às pessoas vivendo suas vidas em uma novela ou ver os posts dos outros no Facebook. Portanto, este é o segundo sequestro: nos tornamos altamente viciados em redes sociais, e a maior parte dos aplicativos é elaborada de forma a fazer com que a dopamina, ligada ao prazer, invada nossos cérebros. Estamos tentando aprender a lidar com isso. É difícil. Temos que reconquistar o espírito do carpe diem levado pela cultura do consumo e pela cultura digital.
Existe essa obsessão contemporânea com a ocupação do tempo, e acredito que às vezes, secretamente, criticamos quem não responde à pergunta “Como você está?” com alguma referência a toneladas de trabalho. Estamos desperdiçando nosso tempo?
Às vezes, as pessoas me perguntam: “Você está ocupado?”. Quando respondo que não, elas me olham como se eu fosse um fracasso. O problema é o culto ao gerenciamento do tempo, em que a produtividade e a eficiência são tidas como grandes virtudes humanas. Eu discordo. Acho que o gerenciamento do tempo é uma maneira de nos fazer trabalhar cada vez mais duro e enfiar cada vez mais trabalho em nossas vidas – o que pode ser bom para nossos empregadores, mas não necessariamente para o nosso bem-estar. Acho que mais e mais pessoas estão começando a se dar conta de que a mercadoria mais preciosa é o tempo, e não o dinheiro. Elas querem tempo livre para investir nos mais diversos aspectos de quem são – paixões, talentos, criatividade. Para isso, não podemos estar superocupados o tempo inteiro. Na Europa, há um movimento crescente a favor de uma semana de trabalho de quatro dias. Mais e mais indivíduos prefeririam ter 20% a menos de renda e 20% a mais de tempo. Já está mais do que na hora de mandar esse culto ao rendimento para a lata de lixo da história.
Na Europa, cerca de uma em cada quatro pessoas terá um problema de saúde mental em algum momento da vida. A mensagem que esse dado pode estar nos passando é a de que nossos níveis de resiliência psicológica estão em declínio.
ROMAN KRZNARIC
Filósofo
O site da School of Life vende alguns artigos, entre eles as Cartas da Resiliência. Costumamos superestimar nossa fragilidade? E quanto ao contrário: superestimamos o quão fortes somos?
Acredito que nosso nível de resiliência é uma questão bastante pessoal, que depende de nossas experiências próprias. Muitas pessoas que trabalham em ambientes muito másculos e que se consideram extremamente confiantes são, na verdade, com frequência, frágeis. Talvez eles não tenham “praticado” a vulnerabilidade emocional, então, quando as coisas ficam difíceis – perdem o emprego, divorciam-se –, podem encontrar dificuldade para administrá-las ou não saber como conversar com alguém sobre seus problemas. Nesse caso, as pessoas superestimam sua força. Ao mesmo tempo, as pessoas são menos frágeis do que imaginam. Seres humanos são criaturas incrivelmente resilientes. Podemos enfrentar traumas terríveis – como uma morte na família – e, de alguma forma, nos recuperarmos. Mas precisamos ficar atentos à crescente crise da saúde mental. Na Europa, cerca de uma em cada quatro pessoas terá um problema de saúde mental em algum momento da vida. A mensagem que esse dado pode estar nos passando é a de que nossos níveis de resiliência psicológica estão em declínio.
A busca da perfeição é um erro? Esse mesmo jogo de cartas diz que "bom" já é o bastante.
Quando meus filhos gêmeos nasceram, me esforcei muito para ser o pai perfeito. Quando ia a um café e os bebês começavam a chorar, me sentia envergonhado, um pai terrível. Mas aprendi que a filosofia do “ser bom o suficiente” é extremamente útil, nos ajudando a parar de nos sentirmos mal a respeito de nossas falhas e a reconhecer que não precisamos ter uma performance de superstar como pais, parceiros em um relacionamento ou trabalhadores. Tudo depende das pessoas com quem nos comparamos. Se você é um artista e só se compara a Picasso, se sentirá um fracasso. Podemos escolher com quem nos comparar, e esse é o segredo do "suficientemente bom".